Capítulo 3 - Minotauros e Tesouros
Dias em que Ireas Keras consolidou sua fama em Rookgaard... E aprendeu a odiar.
Além de Khaftos, conheci outro rapaz chamado
Shambler; diferentemente de Khaftos, ele não era muito amigável — seu olhar era extremamente ameaçador; seus olhos dourados brilhavam de um modo fantasmagórico à noite.
Ele tinha cabelos ruivos como o sangue e uma pele pouco mais morena que a minha. Ele carregava consigo uma espada longa e fina, porém mortal — a chamada
katana. Ele vinha seguindo a mim e Khaftos fazia um tempo, e tinha nos levado ao local onde obtivera essa arma. Eu e meu amigo de maior data vendemos as nossas, pois não era de nosso interesse carregar mais peso conosco.
Ainda que Shambler se mostrasse muito solícito, não confiávamos muito nele — especialmente eu. Não gostava da atitude e modos daquele sujeito, pois tinha o receio de que algo ruim nos acontecesse...
Junto a Khaftos e Shambler, montamos um time para buscar um tesouro guardado por minotauros em um local não muito distante da cidade. Os outros não pareciam tão preparados como nós — na realidade, estavam bastante temerosos. Muitos já haviam
encomendado suas almas a Crunor através de Cipfried, que simplesmente sorria ao ver vários jovens juntos em uma única missão.
Aquele mesmo time já havia marchado conosco até onde um antigo dragão habitava. Todos nós estávamos bem armados, e víamos naquela última missão em grupo uma oportunidade de fazermos amizades que durariam a vida toda...
Até então, eu acreditava nisso.
***
Éramos sete, se não me falha a memória... Estávamos todos animados: gritávamos, pulávamos, corríamos como bobos alegres, que não tinham nada a não ser belos sonhos e perspectivas para o futuro.
Khaftos e Shambler estavam ao meu lado, prontos para comandarem aquela tropa. Nós passamos pela ponte que separava a cidade da natureza selvagem. Um a um, fomos interpelados pelo guarda
Dallhein, que não conseguia ocultar a felicidade e o orgulho em ver algo que ele acreditava ter desaparecido há tempos —
trabalho em equipe.
— Aonde vai, Keras? — Ele me perguntou sorridente.
— Vou enfrentar o maior desafio que essa ilha poderá me oferecer... Antes de partir para sempre! — Respondi com a mesma animação — Deseje-nos uma boa luta!
— Sempre... — Assentiu o guarda, orgulhoso.
Depois que o time inteiro descera as escadarias, eu fiz um sinal para que parassem – eu tinha alguns comunicados a fazer.
— Por favor, escutem — Pedi, erguendo a mão esquerda a fim de que pudessem me ver — Aonde vamos agora é um local perigoso. Poucos escaparam com vida para contar a história. O que vamos fazer será o seguinte — fiz uma pausa enquanto juntava as palmas de minhas mãos à frente de meu rosto — Vamos ferir os ogros o bastante para que nos deixem em paz. Nosso foco será os minotauros e nada mais, entendido?
— E os outros animais? — perguntou-me um dos outros membros do time — Que faremos com ele?
— Deixe-os — Respondi com um discreto sorriso — Se não forem minotauros, não há porque matá-los. Afinal, todos estão alimentados e com reservas de comida suficiente para essa jornada, certo?
Todos assentiram menos Shambler, que virou o rosto em outra direção. Certamente ele não concordava com a minha visão de mundo – para ele, tudo aquilo que anda e não é humano carrega algo interessante o bastante para valer a pena matar.
Quanto desperdício.
Eu então os orientei a me seguir. Enfileirados e em silêncio, todos desceram as escadas de mármore. Eu não toquei no rato que a guardava, simplesmente segui em frente, e os demais me imitaram. Shambler o matou, e eu comecei a me irritar com aquela atitude.
Os trasgos começaram a aparecer, e todos foram de encontro a eles. Eu, por outro lado, só ataquei aqueles que me atacaram diretamente; nunca fui de fazer movimentos desnecessários. Consegui algumas moedas, cordas, botas e outras armas, as quais seriam vendidas depois aos comerciantes interessados.
Então, descemos até um local que possuía um labirinto cheio de lobos. Seus uivos eram praticamente ensurdecedores. Sinalizei aos outros que se mantivessem por perto, e pedi que se locomovessem depressa.
Muitos lobos vieram até nós. Estranhamente, nenhum deles me atacou; simplesmente pararam, me cumprimentaram com um discreto aceno de cabeça, e saíram de meu caminho. A minha alegre surpresa duraria muito pouco, pois vi Shambler matar um deles tão logo que se afastaram de mim. Meu sangue começou a ferver ainda mais...
Chegamos ao fim do labirinto com nenhuma perda. Havia apenas uma menina ferida; encarreguei-me de cuidar de suas feridas com poções e curativos que aprendi a fazer com Hyacinth. Logo ela ficou pronta para continuar, e se juntou a nós. Seu nome era
Annika, uma moça de cabelos negros e traços eslavos (lembrava-me uma princesa de um conto de fadas que Amber costumava ler para nós — infelizmente escapou-me o nome), armada com um arco e várias setas. Mais uma vez, pedi que o time mantivesse o posto.
— Nós estamos no final dessa jornada — Eu disse solene — E temos que ser ainda mais cuidadosos. No momento em que descermos a esse local, muitos minotauros virão sedentos por sangue. Até agora, vocês fizeram tudo o que pedi, e não me desapontaram. Sei que sairemos vivos e ricos daqui. Preciso que cada um de vocês cuide do próximo; encarreguem-se de, no mínimo, um minotauro: será o suficiente para manter a segurança do time. Se algum de vocês estiver com dificuldades, grite pelo próximo, não tenham vergonha! Somos um time: chegamos até aqui unidos, e sairemos daqui unidos!
Ouvi brados de alegria e a exaltação de meu nome. Como fui tolo em acreditar naquelas palavras. Se ao menos eu soubesse o que viria a seguir, jamais teria feito tudo o que fiz... Jamais teria feito aquela missão se eu ao menos soubesse o que iria me custar...
***
Descemos, e logo fomos cercados pelos homens-touro; tolos que meus companheiros não eram logo seguiram meu plano, e começamos a ganhar terreno. Eu fui cercado por duas dessas criaturas, que rapidamente eliminei. Eles carregavam consigo itens interessantes, porém não os peguei. O tesouro me interessaria mais.
No entanto, eu não contava com a esperteza daquela raça de criaturas; começaram a vir mais daqueles monstros do que eu esperava. Eu logo descobri a razão.
—
Shambler.
Aquele traidor, com mil diabos! Eu sabia que ele estava tramando algo! Ele havia aberto uma sala cheia de minotauros — ele só havia nos seguido para obter mais lucro. Mais dinheiro tinto de sangue.
Eu vi meus companheiros perderem terreno, e intervi rapidamente. Não me lembro de quantos homens-touro mandei conversarem com o Divino, mas juro que foi por uma boa causa.
Meu sangue já estava fervendo, e eu senti um novo sentimento crescer dentro de mim —
ódio. Jamais havia sentido algo assim, e Shambler era o responsável por tudo isso. Eu estava recoberto de sangue, e vi a morte de três de meu time. Khaftos ainda estava vivo, mas tinha dificuldades de respirar. Eu o escondi atrás de várias caixas, torcendo para que os demais minotauros não o atacassem.
Annika ainda estava de pé. Éramos eu e ela contra Shambler e os demais minotauros. Começamos a ganhar mais terreno. Eu bloqueava as criaturas para ela enquanto a garota atirava flechas envenenadas naqueles seres. Shambler começou a se irritar, e decidiu partir para a artilharia pesada — ele abriu outra porta.
Outra vez começamos a perder. Eu não tinha condições de continuar bloqueando; tive que avançar, e forcei Annika a empunhar uma arma de corpo-a-corpo. Ela abriu um dos baús de tesouro, e dele tirou uma linda e resistente espada. Matamos mais minotauros.
Aquela matança desnecessária estava me deixando nauseado; Shambler parecia estar se divertindo às minhas custas. Foi então que, juntando meu ódio, minha repulsa e o desespero que sentia que vi o pior acontecer.
Dizia a lenda que um minotauro possuidor de mágicos poderes vivia nas profundezas dessa ilha. E que ele, somente ele, teria a passagem para um lendário reino de homens-touro nas profundezas do grande continente Tibia. Eu sempre achei que, de todas as histórias que já ouvira em minha vida, essa seria a menos possível de todas. Eu estava equivocado. O
Aprendiz Sheng — esse era seu nome — existia; ele estava lá, vivo e sedento de sangue.
Annika não resistiu à luta, e morreu diante de meus olhos. Eu joguei seus pertences ao moribundo Khaftos, que lentamente se recuperava, e parti para a ação — eu não deixaria Shambler me vencer tão facilmente.
Eu abri todos os baús de tesouro, e me apropriei dos pertences neles encerrados. Para minha surpresa, vi Shambler correr em minha direção como uma criança perdida e assustada — seu plano estava falhando, pois os minotauros, guiados pelo Aprendiz, vinham em sua direção.
— Salve-me, Keras! — Ele implorou desesperado.
Algo realmente havia mudado dentro de mim, pois eu teria salvado o rapaz sem pestanejar, fossem os tempos diferentes... Mas não eram. Eu havia me tornado indiferente à existência daquele sujeito. Minhas últimas palavras a ele foram as seguintes:
— Não te salvarei; que você morra nas mãos do senhor dos homens-touro dessa localidade, pois eu te odeio. Odeio tudo o que você representa.
Odeio aqueles que não amam a Natureza, que fazem dela o que bem entendem sem fazer caso dela. Vocês me enojam. Vá para o Inferno, que é o seu lugar.
Quando terminei de proferir minhas palavras, Khaftos já estava de pé e tinha adquirido suas recompensas. Juntos, saímos do local, deixando Shambler morrer sem nada fazer.
Erguemos um túmulo em homenagem aos mortos em combate — em homenagem à sua bravura. Eu finquei a espada de Annika junto ao túmulo dela, e fiz as devidas preces a Crunor e aos demais deuses, para que eles guardassem bem as almas daqueles que se foram — graças às ações de Shambler.
Voltei à cidade junto a Khaftos, vendemos as armas, e não proferi uma palavra sequer.
Continua...
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Nota da Autora: Obrigada a todos que estão lendo e comentando! Obrigada pelo suporte e pelas dicas! Continuem lendo e expondo suas opiniões por favor!