Capítulo 11 – Celebração
Dia em que Ireas Keras compreende um pouco mais sobre feitos heróicos... E conhece mais guerreiros...
— Brrr! Que frio!
Foi o que exclamei na medida em que me aproximava da ilha; apesar de gostar de um clima mais ameno, não estava acostumado aos ventos nórdicos que uivavam em meus ouvidos como um incessante lamento do mar.
O marinheiro Nielson ria demais de minha cara; para ele, aquela brisa não era nada. Ele não sentia frio, pois era natural aquele clima para ele. Afinal, vivera a vida inteira fazendo o trajeto Tibia – Ilhas de Gelo, enquanto que seu amigo Svenson fazia o trajeto reverso em Folda, e revezavam suas posições nos pequeninos portos improvisados.
De pernas cruzadas, sentado sobre o mogno da humilde embarcação, observei a ilha que surgia no horizonte. Folda era a preferida dos jovens aventureiros de poucas posses, pois era perfeita para conseguir dinheiro aos montes e com pouco risco.
Chegando ao porto de Folda, agradeci a Nielson pelos serviços prestados, e vi Svenson pegar a outra pequena embarcação e seguir viagem em direção ao Grande Continente. Segui pela neve fofa, e logo encontrei Wind, que estava brincando com várias caixas que encontrara por lá.
— Que bom que você veio! — Disse o cavaleiro, acenando vigorosamente para mim, e abrindo um largo sorriso ao ver que eu me movera em sua direção. — Você vai adorar conhecer Icel Emonebrin; ele acabou de completar seu Centésimo Grande Feito* e chamou várias pessoas para celebrar! Ele disse que quer te conhecer, pois seu nome já está se tornando famoso por essas bandas...
— Quanta honra! — Respondi, lisonjeado e com as faces ligeiramente coradas.
— Você se retrai e cora com facilidade, não? — Comentou Wind, rindo discretamente — Sente-se — Disse ele, chutando um caixa para perto de mim. Obedeci — Conte-me mais sobre você... — Ele apontou para as minhas mãos, especificamente para minhas unhas — Por que você pinta suas unhas?
— É um medicamento — Respondi novamente corado — Eu tenho uma doença que degenera minhas unhas e, a fim de evitar que elas caiam e a carne de minhas mãos fique sujeita a infecções fatais, uso essa resina medicinal para tratar essa enfermidade. Bem, o caso vem melhorando, mas tenho que reaplicar diariamente para evitar que os agentes infecciosos fiquem resistentes a esse tratamento. Sem falar que virou hábito...
— Ah, entendi... — Sorriu o ruivo — Agora sei por que você tem essa resina nas unhas... Outra coisa! — Ele pegou a caixa onde estava sentado e posicionou-a a minha direita — Por que você estava tão fraquinho ontem? Estava pálido até para seus padrões...
— Ah, fui promovido! — Disse a ele, mostrando a marca feita por Tothdral — Não sabia que era um processo doloroso, e Tothdral é um poço de “delicadeza”... — Usei um tom fortemente sarcástico nessa expressão — Mas valeu à pena. Assim espero...
Ele soltou uma discreta risada, que me fez rir logo em seguida. Era um sujeito tagarela e animado, e sua companhia era agradável demais. Certamente, era o equilíbrio entre a seriedade de Brand e o entusiasmo de Jack Spider. Ele parou de rir, fez um momento de silêncio e direcionar-me-ia outra pergunta quando fora interpelado pelo celebrante Icel.
— Wind! — Disse o feliz rapaz — Que bom vê-lo aqui! Trouxe um amigo? Qual o nome dele?
— Ireas Keras — Respondeu Wind por mim — E aí, como se sente?
— Incrível, cara! — Respondeu Icel irreverente — Finalmente consegui! Você não sabe o quanto ralei para chegar aonde você chegou!
Olhei para Wind muito surpreso; ele já havia conquistado seu Centésimo Feito? Para um homem irreverente e que não parecia ter gosto por batalhas — mesmo sendo um cavaleiro —, nunca me teria passado pela cabeça que ele já chegara tão longe.
— Acho que Keras não sabia de suas glórias — Disse Icel, sorrindo discretamente para mim — Ainda não contou a ele de sua ida a Yalahar?
O que eu sabia de Yalahar era baseado em histórias que ouvi por Ankrahmun – uma cidade requintada, presa em seus próprios domínios, sombra de seu glorioso passado. Cidade que vivia um presente incerto e decadente, com seus habitantes naturais mortos ou muito longe dali, e com os serviçais tentando tomar conta da pouca glória que restou àquela condenada, ainda que bela cidade.
Mais pessoas começaram a chegar à ilhota gelada. Eram todos muito bem trajados, bem equipados... Pessoas que vivenciaram muito ao lado de Icel, e que estavam lá para presenciar esse mágico momento. Ele pediu a atenção de todos, pois ele começaria a organizar o espaço para o registro.
Ele pegou runas de fogo e pediu a mim e outros que tivessem um bom domínio sobre magia que as atirassem conforme um desenho, procurando formar o número 100 no chão. Eu e outras duas pessoas nos encarregamos de fazer o trabalho.
— Novo por aqui? — Indagou-me um homem de castanho-avermelhados, olhos de um brilho púrpuro e trajes de bárbaro nas cores azul e vermelho, com metade do rosto pintado de vermelho. Seu rosto era bem desenhado e de bons traços, ainda que, como todo o bárbaro que se preze, parecesse muito ameaçador — Meu nome é Liive do Inferno, mas todos me chamam de Liive. Você é amigo de Wind?
— Sou — Respondi timidamente — Ele quem me chamou para vir à celebração... Eu estava de bobeira em Ankrahmun...
O bárbaro sorriu e me ajudou a terminar o serviço. Ele me contou que estava com 180 Grandes Feitos até aquele ponto, e que conhecera Icel quando eles eram apenas pivetinhos sonhadores em Rookgaard. Ele me contou do dia em que chegaram ao Continente Principal e viveram juntos em Thais. Depois, Liive seguiu para Carlin após solucionar o mistério do Deserto de Jakundaf, e bem depois se tornou um Bárbaro Honorário em Svargrond. Ainda que essa última seja seu grande lar, ele decidiu residir em Yalahar por um tempo. E está lá desde então.
Icel, por outro lado, teve em Thais um lar, e só depois se juntou ao seu amigo, também fixando residência em Yalahar. Achei a história fascinante, e me fiquei perguntando se algum dia também conseguiria ter uma amizade que durasse tanto...
— Prefiro ter um único, porém verdadeiro amigo a cinquenta amigos momentâneos — Ele me disse, enquanto finalizava o desenho requisitado por Icel — Se não for desse modo, não há sentido. Não há graça.
Liive deu um tapinha em meu ombro esquerdo e rapidamente saiu, juntando-se a Icel e aos demais, que já estavam prontos para o registro. O registro consistia em um feitiço evocado por um feiticeiro ou druida de grande habilidade, que o permitia gravar um momento no tempo e registrá-lo em uma tela. Era um trabalho mais veloz e realista do que fazer uma pintura. Sem falar que ficaria com um resultado plástico interessante. Sempre gostei de artes e, não fosse o fato de ser um Druida em tempo integral, com toda a certeza seria um pintor.
Chegaram Icel, Liive e muitos outros. Alguns estavam montados, outros estavam a pé. Icel posicionou-se ao centro, e eu fiquei no canto inferior direito, próximo a Liive e Wind. Não vi Sírio por lá, mas vi Brand, Jack, Pinga e outro amigo deles: Mandarinn. Todos sujeitos interessantes. Poderia chamá-los de amigos?
Após o registro, ouvi gritos de alegria de duas moças, que logo se acercaram de mim. Eu não sei o que me assustou mais — se fora os gritos agudíssimos delas, ou se fora a aparição repentina delas, uma de cada lado.
— Ai, que fofinho! — Disse uma delas, que logo descobri chamar-se Viciosa Khantra — Esposa do Kindim venha cá! — Ela chamou pela amiga, que logo me apertou em um forte abraço e cobriu meu rosto de beijos.
— Que fooooofoooo!!! Registre-nos! — Disse ela ao mago ali presente, que as registrou me sufocando em seus braços. Ainda que toda aquela atenção tenha sido muito bacana, nunca fiquei tão vermelho em minha vida... Conseguiu superar o momento em que bati minha testa em Ankrahmun. Que bom que Brand não registrara aquilo...
Icel trouxera várias comidas e bebidas e dividiu-as com todos. Sentados ao redor de uma fogueira, ouvimos histórias e piadas. Fiquei sentado entre Liive e Wind; Brand e Jack estavam logo à minha frente. De todos os presentes, fui o único que atacou as bebidas não alcoólicas, algo que Liive estranhou muito.
— Você não bebe? — O bárbaro me indagou, estranho àquele comportamento.
— Não gosto de álcool — Repliquei educadamente.
— Beba isso — Ele me disse, exibindo um copo com uma bebida de cor dourada — É hidromel; em minha terra, bebemos isso. Não se preocupe, é fraquinha.
Dei de ombros e peguei o copo; se eu recusasse, na certa o cavaleiro insistiria, então quis evitar o transtorno. Um gole do licor de mel foi o bastante para deixar-me zonzo, e Liive não pode conter a risada.
— Coitado! — Repreendeu Wind — Liive, você não devia ter feito isso!
— Ah, qual é! — Debochou o bárbaro, colocando a mão direita sobre meu ombro — Esse rapaz parece ser um cara legal. Além disso, se algum dia ele quiser conhecer as terras de Svargrond, terá que estar familiarizado com o gosto. E, quando vir outro novato, poderá divertir-se à custa dele! — Liive soltou um largo riso, e eu também comecei a rir. Acho que foi efeito do álcool pelo meu corpo... — Seu nome, qual é? — Ele me perguntou.
— Ireas Keras — Respondi, tentando ficar sério.
— Seja bem-vindo a esse grupo, Ireas — Disse o bárbaro, voltando seu olhar para os demais — Sinta-se em casa.
Sinta-se em casa. Uma frase de confiança; senti uma felicidade dentro de mim. Sim, eu havia encontrado pessoas em quem confiar — amigos. Por um tempo, vi na solidão um recurso de sobrevivência. Agora, não precisaria mais contar com ela para me manter: tinha amigos, com os quais podia contar para o que desse e viesse...
Pensei nas palavras de Liive acerca de Svargrond... Minha mãe dissera em uma das cartas que foi lá onde nasci! Será que meu pai estaria por lá? Se estivesse, teria pistas sobre minha mãe?
Continua...
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Notas da Autora:
Os acontecimentos desse capítulo referem-se ao dia em que Raphaazix (Icel Emonebrin) chegou ao nível 100 e tirou a Screenshot do feito. (O registro = Screenshot)
*Grandes Feitos – na história, representam as passagens de nível do jogo. Ou seja, se você é, por exemplo, nível 35, isso significa que você fez, ao longo de sua jornada, 35 Grandes Feitos ou Feitos Heroicos. Fiz isso para não parecer estranho a mudança de equipamentos de Ireas e dos demais personagens. Não quero usar a mudança de nível como idade, ficaria estranho...
Os Tibianos reais (todos de Unitera):
Name: Raphaazix
Former Names: Icel Emonebrin
Sex: Male
Vocation: Elite Knight
Level: 138
Achievement Points: 124
World: Unitera
Residence: Yalahar
Name: Liive Of Hell
Former Names: Liive, Deutreta Chamanois.
Sex: Male
Vocation: Elite Knight
Level: 245
Achievement Points: 289
World: Unitera
Residence: Yalahar
Name: Khantra Vicious
Sex: Female
Vocation: Knight
Level: 94
Achievement Points: 45
World: Unitera
Residence: Thais
Name: Mandarinn
Sex: Male
Vocation: Master Sorcerer
Level: 126
Achievement Points: 127
World: Unitera
Residence: Carlin
House: Harbour Lane 2b (Shop) (Carlin) is paid until Jul 24 2012
Observação: O personagem Esposa do Kindim já não existe mais. Sinto sua falta =*