Olá, pessoal! É, não ocorreu invasão aqui na minha história, mas tudo bem.

Vou dar prosseguimento à história do Keras, e tenho um anúncio importante a fazer: o primeiro pergaminho está no fim! Isso mesmo, a primeira fase da história de Ireas se encerra, mas não quer dizer que a jornada desse rapaz acabou!

@Carlos: Vc se confundiu ^^ Os Efreet são os verdinhos; os azuis são os Marid

@Maark: Muito obrigada *.* Continuare com certeza XD

Bom, feliz Ano Novo para todos (atrasado, mas vale)!

Sem mais delongas, vamos ao capítulo de hoje.

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Capítulo 31 – Darama

Ireas tem um lado a escolher...

Djinns. Espíritos livres, fortes, com poderes além de nossa imaginação. São capazes de trazer nossos mais loucos desejos e piores pesadelos à vida com um estalar de dedos. Existem ao todo seis castas de Djinns, mas duas se destacam: Marid e Efreet.

Os Djinns cujas peles ostentam o tom das safiras e tuquesas são os Marid, bondosos, poderosos, arrogantes e vaidosos em mesma medida. São responsáveis pelas tempestades e bravas marés. Muitos navegantes, pescadores e mercadores escolhem os Marid como protetores, e sua lealdade é bem recompensada com prosperidade e felicidade eternas.

Gênios de pele esmeralda ou rubra são os Efreet. Diferentemente de seus contraparentes, são seres cruéis, malignos, sociopatas e agressivos, que dificilmente dariam valor à ajuda de um humano. Contudo, seu ímpeto e desejo por poder e vingança contra os Marid os faz aceitar ajuda oriunda de qualquer procedência.

Entretanto, partilham o poder da transfiguração e sedução como semelhanças. Podem facilmente converter-se em quaisquer raças e usar algum deles a seu favor. Apesar de serem mestres nessa arte, não é incomum um Gênio cair de amores por alguém que não podem conquistar.

Por eras, essas duas raças, tão semelhantes e tão distintas, se vêem em uma batalha interminável e incansável, tudo em nome de seus senhores: Gabel, rei dos Marid, e Malor, autoproclamado senhor dos Efreets e, em seus maiores momentos de loucura e ganância, de todos os Djinns.

Somente um homem soube jogar o jogo dos gênios melhor que eles. Apenas um brincou com ambos, manipulando as peças do comércio e contratos de aliança a seu favor. Quando sua farsa fora descoberta, sua punição fora cruel e praticamente fatal. Contudo, conseguiu se salvar. Hoje, guarda consigo o passado, pois do presente nada pode ver. Seus olhos se foram, mas não suas memórias... Ele é o único que pode dar-lhe a primeira pista de como interagir com esses majestosos seres.

Melchior, o mendigo cego de Ankrahmun. Sombra de seu passado, incerteza de seu futuro, renegado em seu presente.

***

(Narrado por Ireas Keras)

Vaguei pelas ruas de minha cidade por incontáveis minutos. Minha cabeça fervilhava com os acontecimentos mais recentes. A abordagem de Wind...O beijo do Yalahari... Seus pedidos, suas súplicas, suas juras de amor... E sua pergunta. De que lado estou... Efreet ou Marid?

A verdade é que eu desconhecia a cultura e corte dos Djinns. Não sabia como eram, o que comiam, como se cumprimentavam e quais eram suas opiniões acerca dos humanos. Não sabia de seus conflitos, de nada. Tudo o que sabia era do quão trabalhadores, eloquentes eram, bem como possuíam escrita bonita. Só dispunha das informações de Hammoud.

Wind decerto estava na casa de Brand. Eu ainda estava magoado demais para vê-lo, para perdoá-lo. Uma parte de mim queria crer em sua inocência, mas outra parte gostaria de vê-lo trancafiado em um esquife de gelo. Meus olhos olhavam errantes para os prédios que ajudei a erguer, para as estradas que montei, pedra sobre pedra.

Eu voltei ao escritório de Grão-Vizir para assumir os compromissos do dia. Havia pautas para redigir, compromissos para confirmar, contratos a acertar, mil coisas a fazer.

Minha mão arrastou-se veloz e precisa sobre o papel; assinei, carimbei e confirmei o que era preciso. Sempre fui veloz com leitura e burocracia; livrar-me da papelada desorganizada e acumulada do Faraó não era desafio para mim. Ouvi uma batida em minha porta enquanto estava realizando minha temporária tarefa.

— Pode entrar — Disse com seriedade.

— Eram Jezzara e Sírio. Meus olhos se arregalaram levemente ao vê-los. Sorri e ofereci-lhes assento.

— O que os traz aqui? — Indaguei.

— Motivos diferentes — Disse Sírio — Jezzara está aqui para lhe fazer uma oferta, e eu tenho informações a lhe oferecer. Tem um tempo para nós?

— Todo o tempo do mundo — Respondi com um sorriso — Pois bem, falem.

— Você sabe que tenho um filho, Akbar — Disse Jezzara com seu tom sério e firme de comerciante experiente — Ele é um rapaz requintado e trabalhador. Ele pode não ser tão veloz com a pena como você, mas ele tem carisma e sabe lidar com o trabalho. Você disse que não poderá ficar para sempre... Por mais que me doam suas palavras, por considerar você como filho meu, é o mínimo que posso fazer para facilitar sua vida. Enquanto você não encontrar outro Grão-Vizir, meu filho Akbar poderá assumir seus deveres... — Ela fez uma pausa para respirar profundamente — Então? Que me diz?

Eu sorri para ela.

— Traga-o aqui — Falei —, e traga-o rápido, pois tenho que ensinar-lhe o ofício.

Jezzara beijou minhas faces e saiu rapidamente atrás de seu filho. Agora, éramos eu e Sírio. Eu estava extremamente envergonhado por ter sido a causa das feridas no rosto do vandurano. Um silêncio mortal instalou-se em meu escritório.

— Eu...Sinto muito... — Disse, tentando quebrar o gelo — Sinto muito mesmo. Não queria tê-lo feito passar por tudo isso, Sírio.

— Ah, não tem problema — Disse-me o Feiticeiro de dreadlocks castanhos — Já levei tantas chibatadas em meu lombo que, por mais forte que o Yalahari seja, os socos dele não doeram nada.

— Bom, o que te traz aqui? — Indaguei ao oferecer-lhe um manjar de fruta-do-dragão.

— Pelo visto, você seguirá o conselho de Hammoud... — Começou Sírio — E buscará os Djinns. Você por algum acaso sabe como falar com eles? Está ciente de que não respondem de cara aos nossos cumprimentos?

— Bem, disso eu não sabia... — Respondi encabulado.

— Para isso estou aqui! — Respondeu-me Sírio com um sorriso — Conheço um homem cuja maior parte da vida esteve relacionada a eles. Ele sabe todos os códigos dessa raça nobre e milenar. Ele vaga pelas ruas dessa cidade... Basta darmos esmola a ele que ele cumprirá a sua parte do trato.

— Maravilha! — Respondi com alegria — Onde podemos encontrá-lo?

***

O mendigo cego e velho estava repousando sob a sombra de uma frondosa acácia poucos metros da casa de banho. Com cautela, acerquei-me do ancião e sussurrei em seu ouvido:

— O senhor é Melchior?

O velho acordou, espreguiçou e coçou a branca cabeleira antes de me responder:

— Sim, sou eu. Que deseja?

— Queremos falar sobre os Djinns... — Sirio disse em um tom gentil. Ao falar a última palavra, provocou no velho uma profunda tristeza.

— Ah...Djinn... — O velho sussurrou — Quanto tempo já faz? Cinquenta? Sessenta anos? Como estarão Gabel...E Malor? Será que já se resolveram?

— Aparentemente, não — Respondeu Sírio com tristeza — Humanos interessados nos gênios ainda têm que escolher seus lados.

O velho soltou um suspiro decepcionado.

— Bem, ao menos fui o menor dos problemas deles... — Ele soltou um riso triste — Pois bem, os senhores devem estar interessados nas facções... Prestem muita atenção, pois o que vou lhes falar pode salvar suas vidas.

Sentamo-nos, de pernas cruzadas, sob o chão de arenito e mármore, prontos para ouvir aquele antigo aventureiro.

Djanni'hah — Ele falou lenta, mas firmemente — Esse é o cumprimento tradicional de Djinn. Qualquer um deles. Se você pronunciar essa palavra, um Djinn pode parar para ouvi-lo, mas não adiantará nada se ele estiver extremamente irritado e prestes a cortar-lhe fora a cabeça. Bem, são duas facções: Marid e Efreet. Uma vez escolhida, não se pode voltar atrás. Cada facção terá suas próprias regras e testes para provar se você é ou não de confiança. Nunca, nunca, jamais, nunquinha em suas vidas tentem transgredir a primeira regra, ou vocês terminarão cegos como eu.

Assentimos afirmativamente, mostrando ao ancião que entendíamos o que queria dizer.

Pois bem — Ele continuou — Os Marid são comandados por Gabel, seu rei; ele outrora foi o senhor de todos os Djinns, mas um incidente envolvendo a ele e seu general, Malor, fez com que se separassem as facções.

— Que incidente foi esse? — Indaguei.

Daraman — Respondeu-me Melchior — Antes de conhecê-lo, Gabel era igualmente cruel como Malor, desprezando totalmente as outras formas de vida. Um dia, porém, eles capturaram nosso bom profeta e, após submetê-lo a várias formas de tortura sem obter dele um único grito, uma única súplica por misericórdia, apenas seu sorriso sereno e piedoso, Gabel sentiu-se tocado pela força de vontade do homem e o libertou, causando a fúria de Malor, que tentou aprisioná-lo em uma lâmpada mágica que Fah'rahdin, o braço direito de Malor, portava.

Eu e Sírio queríamos ouvir mais, e nos inclinamos para perto do velho.

— Preciso tomar cuidado ao falar, sabe? Tenho receio de que eles descubram que ainda vivo e que partilho com outros tudo o que sei. — Ele fez uma pausa para beber um pouco de água — Onde eu estava? Ah, sim! A lâmpada! Sim, a guerra entre os Djinns fora deflagrada, e os Marid passaram a combater seus contraparentes, os Efreet, quando Malor tentara trocar a lâmpada de Gabel pela lâmpada amaldiçoada de Fah'rahdin. Por sorte, a tramoia fora descoberta no ato, e Fah'rahdin fora instruído a entregar a lâmpada ao Rei dos Ogros, que nutria, e ainda nutre, ódio dessa raça mágica.

— E por quê? — Indagou Sírio — Se o rei os odeia, por que decidiu ajudar?

Porque ele tem o mundo dos Djinns nas mãos — Respondeu Melchior com sinistro sorriso — Sem perceberem, os Djinns deram ao rei dos Ogros o artefato que ele precisava para realizar sua vingança contra eles, que o transformaram naquela poça de limo e gosma disforme. A lâmpada está com o Rei, e ele só entregará a uma das facções se a guerra voltar ao seu terreno.

— Como assim? — Confuso, indaguei.

— Psssh! — Melchior sinalizou para que fizéssemos silêncio — Falem mais baixo! Eles podem nos ouvir!

O velho fez um sinal para que nos afastássemos dele. O homem se levantou e nos deu um sorriso triste.

— Desejo-lhes sorte, rapazes — Ele disse com melancolia — E que esses gênios não lhes destruam a vida. Por causa de minha cobiça, perdi minha esposa, filhos e netos. Perdi tudo aquilo que um homem tem de mais precioso; hoje, perto do meu leito de morte e imerso na eterna noite, eu consigo enxergar melhor que em meus tempos de juventude. Que vocês consigam reverter essa situação... Para o bem de todos nós, que seja feita a vontade de nosso bom senhor Daraman.

Nós apertamos a mão do bom velho e o deixamos com seus pensamentos. Meu coração doía, pois me compadeci com a dor do velho. Ele era a prova viva de que poder e posses não deveriam ser tudo na vida de um ser humano. Meu semblante tornou-se ligeiramente melancólico, e Sírio percebeu.

— Tudo bem com você, Ireas?

— Hã? — Perguntei saído do transe — Sim...Sim! Estou bem. — soltei um discreto suspiro — Estou bem...

Estava pensando naquele Yalahari, não é? — Ele me fitou nos olhos e meu rosto enrubesceu.

— Não... — Menti — Estava pensando em como deveria ter sido a família de Melchior... Pobre homem.

— De fato... — Assentiu Sírio — Bom, as informações que ele nos deu são vitais, mas ainda faltam algumas peças nesse quebra-cabeças do deserto. E eu acho que sei quem pode nos fornecer mais respostas.

— Tothdral? — Indaguei.

— Não! — Sírio disse em tom debochado e brincalhão, buscando arrancar de mim um sorriso — O Califa de Darashia, Kazzan! Eu já conhecia a história dos Djinns antes de chegar a essas bandas, e sei do interesse que o califa tem em um apaziguamento entre as raças. Vamos falar com ele; talvez algo bom resulte de tudo isso.

Assenti afirmativa e animadamente. Como não havia ainda um capitão para levar-nos de navio, a saída encontrada foi andar deserto acima e atravessar a passagem que havia pelas montanhas ao norte, no horizonte a perder de vista. O vento soprava gentilmente em minha nuca a medida em que andávamos. Estranhamente, tal fenômeno produzia em mim a sensação de estar sendo observado...

***

Nossa viagem a Darashia fora relativamente tranquila. /desde os tratados de apaziguamento que promovi, assaltos e ataques de nômades tornaram-se muito mais raros, ainda que alguns continuassem escondidos e resistentes quando a Ankrahmun.

Darashia era uma cidade interessante, um verdadeiro souk; não havia muros a rodear a cidade, e as casas seguiam um mesmo desenho, onde tinham de dois a quadro andares com telhados de folhas de coqueiro secas e entrelaçadas sob as paredes de tijolo e calcário com vigas de madeira a sustentar o interior.

Ouvi gritos de ofertas, preços e mercadorias de todos os tipos. Pessoas conversavam perto do centro da cidade, algumas sentadas na beira da fonte que lá havia, funcionando como um oásis artificial.

O palácio de Kazzan não era menos belo que o restante da cidade; havia belas pinturas, móveis e arabescos em seus vários aposentos. Sírio guiou-me até o salão do califa, que parecia já nos esperar.

— Ireas Keras! — Bradou com alegria — Que prazer tê-lo conosco! Em que posso ajudá-lo?

— Na verdade, quem lhe indaga isso sou eu — Respondi com um sorriso — Gostaria de oferecer meus serviços como diplomata. Sei de sua preocupação em relação aos Djinns e a constante ameaça de uma guerra total. Sendo esse o caso, e sabendo que não escolhi um lado ainda, gostaria de sua permissão para interceder em seu nome.

— Certamente! — Respondeu-me com alegria — As fortalezas deles ficam para o lado de Ankrahmun, dentro de cavernas no lado oeste das montanhas, nas cordilheiras que nos separam de Tiquanda. Falem com cada um e vejam o que têm a dizer sobre minha oferta de paz.

Eu e Sírio assentimos e demos meia-volta. Quando estávamos para sair do palácio, ele me cutucou o ombro.

— Não poderei ir com você — Ele me disse.

— Por que? — Indaguei, levemente desapontado.

Sabe a questão da falta de um capitão em Ankrahmun? — Ele indagou de forma retórica — Eu consegui resolver. Hoje mesmo chega o novo capitão do porto de Ankrahmun, e eu preciso recebê-lo. É um amigo de longa data, que conseguiu um novo navio recentemente. Espero que entenda.

Assenti afirmativamente e o deixei partir. Nos separamos no deserto; ele foi para o sul, retornando a Ankrahmun e eu fui para o oeste em direção às fortalezas. Por um momento, fiquei admirando as entradas, que eram simples como as de qualquer caverna. De uma delas, um cheiro de açafrão e jasmins podia ser sentido, causando um pouco de ardência em meu nariz, e acabei por espirrar. No que fiz isso, senti uma mão forte encostar-me o ombro.

— Enfim, sós. Não acredito no tanto que você me fez esperar!

Virei-me e vi Wind atrás de mim. Ele sorria para mim; o vento do deserto gentilmente acariciava seus cabelos. Meu rosto se avermelhou uma vez mais.

— O cheiro de açafrão vem da fortaleza dos Efreet — Ele disse — Eu não sabia que você era alérgico a isso. — Ele soltou uma discreta risada — Sei que você ainda acredita que eu lhe quis mal e que escrevi toda aquela sorte de maldades, mas, apesar da minha inocência, estou disposto a me “redimir”.

Eu o olhei com um pouco de raiva. Como ele ousava brincar com aquilo? Ele se ajoelhou aos meus pés e fitou-me o rosto.

— Conheço essas fortalezas como ninguém — Ele declarou — E estou oferecendo meus serviços como guia. Em uma delas, eu tenho livre acesso; na outra, há muito não posso mais pisar. Em todo caso, posso te mostrar o caminho e até revelar uma coisa ou outra...

— Qual seu preço? — Indaguei-lhe com um sorriso sinistro.

— Meu preço... Meu preço... — Ele pôs-se pensativo — Deixe-me ver: seu perdão, talvez.

— É justo... — Para a surpresa dele, assim repliquei — Mas não lhe será dado prontamente. Você terá que passar por outras provações além dessa para mostrar que merece meu perdão. No momento, não estou tão certo de que você seja confiável.

— Aceito seus termos — O Yalahari respondeu —Então, vamos começar por quem? Pelos Efreet?

— Sim, claro! — Repliquei — Esse cheiro está me deixando nauseado. O quanto antes me livrar dessa parte da tarefa, melhor.

Wind ergueu-se da areia e guiou-me pelas escadarias; eu andava atrás dele com a finalidade de vigiá-lo. O vento do deserto soprava gentil sobre nós; creio que Daraman estava nos observando, e era a favor de nossa missão.

Olhei para o homem que estava a minha frente; pro mais mágoa que tivesse me causado, ele simbolizava uma nova etapa da minha vida, que acabava de se iniciar. Apesar do meu receio, busquei não temer entrar no domínio dos Gênios...

Fim do Primeiro Pergaminho