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CAPÍTULO 4 – NAVEGANDO EM ÁGUAS MISTERIOSAS
Jason perdeu-se por um instante no pôr-do-sol, que tanto gostava de parar e admirar. Naquele instante, o sol, que sempre se levantava imponente, ia dando seus últimos ares da graça antes de desaparecer no horizonte para dar lugar à noite com seu manto escuro.
Quando Leonard chegou – surpreendentemente seguido de perto por Margareth –, enfim, a tripulação estava completa.
Eles estavam diante de sete homens e mulheres, cada qual com sua característica particular.
— Apresentem-se ao seu capitão – ordenou Margareth, em tom enérgico.
O primeiro homem, que usava um chapéu muito puído e roupas grossas de viagem, com uma longa barba grisalha, deu um passo à frente.
— Sou Cotton, meu senhor – tinha uma voz grosseira, mas agradável. – Servi à marinha de Heloise por trinta anos antes de me colocar à disposição da iniciativa privada. Tenho conhecimentos de velas, mastros, remos e lemes.
O segundo homem também deu um passo à frente. Este era um pouco mais baixo e atarracado, mas igualmente forte. Totalmente careca e sem barba. Tinha várias tatuagens malfeitas sobre a pele dos braços torneados.
— Sou Gibbs, senhor – sua voz era baixa, mas marcante. – Servi com Cotton por quinze anos, e estou recém aposentado das atividades da marinha. À disposição.
O terceiro componente do grupo era uma mulher. Usava um vestido de linho muito bonito, de todo, e era ligeiramente robusta. O rosto era muito bondoso e os cabelos castanhos haviam sido presos em uma cuidadosa trança.
— Catarina, meu senhor – sua voz era aguda, mas bonita. – Fui disponibilizada pela Rainha Heloise para acompanhá-los nesta expedição. Não há cozinheira neste mundo que seja capaz de me vencer – ela deu uma piscadinha.
Jason, até o momento, tinha achado a presença de Catarina muito mais vantajosa do que a dos demais, mas isso se dava porque ele era mais convencível pela
barriga do que pela cabeça.
O quarto integrante da tripulação era alto e magro, até desengonçado, mas transparecia confiança. Quando sorriu, revelou dentição perfeita.
— Joshua, meu senhor – disse, com a voz firme. – Seus olhos no mastro e no mar.
O quinto integrante era forte como os dois primeiros, mas seus olhos eram curiosamente mais perspicazes. Tinha uma barba rala e a pele queimada de sol.
— Reynold, capitão – disse ele, a voz contida, como quem gostasse de dizer somente o necessário. – Seu condutor no timão.
Já o sexto componente do grupo era consideravelmente mais agradável aos olhos. A garota não parecia ter mais de dezoito anos – Jason anotou mentalmente o fato para cobrá-la depois. Tinha longos cabelos ruivos, jogados para trás, olhos castanhos, corpo esguio, busto farto, bumbum empinado. Vestia-se com uma despreocupação que somente tornava a visão ainda mais bonita. Carregava consigo um arco, uma aljava e duas mochilas.
— Melany, senhor – disse ela, sorrindo. Para Jason, sua voz soou como os sinos de uma igreja ao amanhecer. – Tradicionalmente, sou druida, mas me aperfeiçoei bem trabalhando com ambas as vocações. Da cura ao tiro certeiro, conte comigo.
Jason levou uma fração de segundo constrangedora para desviar seu olhar de Melany e pousá-lo no último componente da tripulação, que era decididamente excêntrico. O homem era magro, utilizava um terno muito bem cortado, com uma gravata fina. Seus cabelos, sedosos, estavam jogados de lado num penteado elegante, e sua barba era tão perfeita que parecia ter sido cortada com uma régua. Os olhos eram da cor azul do céu.
— John, capitão – disse ele, e Jason pensou já ter ouvido aquela voz antes. – Sou o maior cartógrafo deste continente. Consigo designar as horas pela posição do sol, das estrelas e da lua. Oferecerei o melhor caminho com o menor risco.
Jason assentiu, olhando para Leonard.
— Creio que seja isso – disse o arqueiro, sentindo-se ligeiramente embestado pela presunção do homem chamado John. – Vamos partir?
— Jason, uma palavrinha – disse Margareth.
O cavaleiro fez sinal para que todos embarcassem e o aguardassem.
— Este trabalho não é nem remotamente parecido com aqueles que você já desempenhou até hoje, querido. Estamos concordantes quanto a isso?
O menino assentiu.
— Trate o desígnio do incandescente como se estivesse protegendo sua própria vida porque, afinal de contas, é exatamente o que você está fazendo. E, se trouxer a honraria para cá… será o cavaleiro mais lendário da história deste continente, até seu desfazimento total.
Ela deu um beijo desajeitado no topo da testa de Jason, que o correspondeu como pode, com todos aqueles metros de mulher diante dele. Dando-lhe as costas com um aceno, ele embarcou.
De fora, Margareth sorriu ao ouvir o jovem garoto bradar “levantar a âncora, içar as velas, cães sarnentos! Este navio serve para quê? Para navegar ou para aguardar a boa vontade do senhor Gibbs de parar de lançar suas artimanhas perigosas contra a jovem Melany?”
Rindo, a bibliotecária deu um último aceno àquele que, por procedimento, decidira adotar como afilhado.
E mais do que isso, Jason. Que Crunor esteja convosco, te guiando, te guardando e concedendo sempre as melhores alternativas diante das eventuais dificuldades com as quais você venha a ter contato com sua aventura.
*
A noite já lançara seu véu sobre o antigo continente na altura em que o navio chegou ao alto mar, onde já não se podia mais discernir a terra. A tripulação dormiria em redes no subsolo; Catarina e Melany dividiriam um quarto no convés; na popa, John requisitara presunçosamente um quarto somente para si; Leonard e Jason dividiriam a sala do capitão, na proa.
O magrelo desengonçado chamado Joshua prontamente assumiu sua posição no cesto do mastro, com uma luneta antiquada nas mãos. Cotton, Gibbs e Reynold haviam trabalhado nas velas para que elas operassem a pleno vento. John, por sua vez, tornara-se um misterioso ser recluso tão logo recebeu os mapas, sob o pretexto de que os deveria analisar. Catarina já estava trabalhando na cozinha e Melany, segurando uma curiosa combinação de varinha e arco, fazia o patrulhamento no navio de proa a popa.
A sala do capitão era bastante suntuosa. Tinha um grosso carpete vermelho, fofo, que revestia todo o chão, e duas redes penduradas em quatro mastros equidistantes. Havia uma escotilha de frente e outras duas de lado, e duas escrivaninhas sólidas com duas cadeiras de chintz haviam sido juntadas no centro do aposento. Ali, Jason e Leonard, agora, analisavam febrilmente um mapa parco do oceano e os escritos de Joseph W. Prince.
Leonard coçou a cabeça, confuso.
— Quer dizer que o incandescente é guardião dessa Arca do Destino.
Jason fez que sim, utilizando um esquadro e um compasso para mensurar a distância no mar.
— Existe a informação de que Oblivion foi o último cavaleiro custeado pela Coroa de Thais a buscar a relíquia em uma expedição – disse Jason, concentrado. – Desde que saiu, há mais de cinquenta anos, nunca mais se ouviu falar dele. A expedição destinava-se a Senja, então faremos o trajeto ao largo daquilo que Oblivion planejava fazer.
— Jantar – gritou uma voz feminina lá de fora.
Jason e Leonard saíram para o ar da noite, bastante frio. O céu estava inteiramente salpicado de estrelas e somente a imensidão do oceano sem fim era visível através das amuradas. Eles cruzaram o convés e desceram a escadaria para o subsolo.
Ali, quatro redes haviam sido estendidas entre os mastros, e uma pesada mesa continha uma sucessão de alimentos. Imediatamente, Jason sentiu o cheiro de galinha assada, arroz de forno, batatas coradas e alguma coisa que parecia porco frito, o que fez seu estômago roncar e lembrá-lo de que ele tinha muita fome.
Jason sentou-se à ponta da mesa, com Leonard do seu lado direito e John, do esquerdo. O restante da tripulação se distribuiu nos demais lugares disponíveis. Por um instante, ninguém falou muito; Catarina era, de fato, uma cozinheira de mão cheia, e conseguiu manter as bocas mais preenchidas com comida do que com fala.
Ao fim do jantar, todos se sentiram demasiado preguiçosos e exaustos por um momento. Finalmente, John sacou um maço de papéis e os estendeu diante de si na mesa, voltando suas atenções para Jason.
— Capitão, existem duas rotas que podem ser adotadas no interregno do nosso ingresso nas ilhas geladas – disse ele, em tom profissional. Jason piscou duas vezes e olhou para ele, aguardando. – A rota mais rápida é entre Folda e Vega, já que Senja é a última ilha, mas passaremos por uma região com relativo risco de emboscadas ou enfrentamento de picos de gelo.
Jason assentiu, compreendendo.
— Minha sugestão é a de darmos a volta por fora de Folda, e, então, passaremos ao largo de Vega e, finalmente, chegaremos a Senja.
— Qual a diferença de tempo no trajeto?
John franziu os lábios, reflexivo.
— Hoje é terça-feira – disse, pensativo. – Se fizéssemos o trajeto de risco, chegaríamos na sexta-feira. Pelo trajeto alternativo, se não fizermos paradas no caminho, podemos chegar no sábado pela manhã.
Jason fez que sim, e Leonard espelhou seu movimento, ambos raciocinando. A intenção de Jason era a de concluir a jornada até o domingo, quando, se tudo corresse bem, estariam aptos a retornar para Carlin.
— Pelo caminho alternativo, portanto – disse Jason, colocando-se de pé. – Catarina, precisa de ajuda com a cozinha?
Ela piscou com um olho, conspirativa.
— Nada que um pouco de magia não possa resolver, meu capitão.
Surpreendentemente, a cozinheira tirou de dentro das vestes um cajado curto e fez um gesto no ar. Os pratos se ergueram e se dirigiram até a pia, onde uma escovinha com sabão começou a lavá-los sozinha.
— Excepcional – ele aprovou, sorrindo. – Cotton, Gibbs, Reynold e Joshua, gostaria que vocês se revezassem entre o timão e o cesto durante esta noite, começando com Gibbs no timão e Reynold, no mastro. Leonard, Melany e eu faremos a troca de patrulha; Leonard fará o primeiro turno. Os turnos serão de uma hora. Dispensados.
Todos se levantaram e começaram a sair, quando Jason puxou John pelo braço. O cartógrafo olhou para ele, surpreso.
— O que você sabe sobre as três ilhas geladas?
John respirou aliviado, por algum motivo.
— Folda, Senja e Vega são criações de Crunor, que as utilizava, inicialmente, para o plantio. Durante a Primeira Grande Guerra, Zathroth conseguiu tomar as ilhas para si, e colocou sob o governo dos seus três maiores demônios: Bellatrix, em Folda; Sirius, em Vega; Samuel, em Senja. Desde então, nunca mais se fez dia naquele canto do mundo, e a era glacial tomou conta de cada centímetro.
Jason fez que sim, olhando para todos os cantos para verificar se alguém os ouvia.
— Temos a missão de resgatar a Arca do Destino – confidenciou em voz baixa, para a surpresa total de John, que arregalou os olhos. – Porém, tenho alguns planos um pouco mais audaciosos.
— Surpreendente – John aprovou, sorrindo. – És um guerreiro de alto patamar, capitão. Quais são os demais planos?
O cavaleiro mordeu o lábio inferior, calculando.
— Creio que possamos libertar as ilhas do comando de Zathroth. Consegue levantar informações a respeito das potenciais fraquezas desses demônios?
— Certamente que sim – o cartógrafo aprovou, puxando uma caderneta e lançando nela uma anotação rápida. – É certo que os cidadãos nos serão eternamente gratos.
— É isso, então – Jason colocou-se a caminhar, seguido por John. – Levante as informações para mim e, depois, discuto o plano com a população.
Lá em cima, Leonard fazia a ronda em um movimento circular, com uma cigarrilha presa aos lábios. Gibbs manuseava o timão, com os mapas de John nas mãos, e Reynold utilizava a luneta de Joshua para analisar tudo que conseguia ver.
Já na cabine, Jason se sentou. Acabara de tomar uma decisão importantíssima.
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