Spoiler: Respostas
CAPÍTULO 16 – A ARCA DO DESTINO
Na igreja central de Senja, Melany sentia-se mais surpresa do que jamais se sentira na vida. Quando Zathroth colocou Jason diante da necessidade de sacrificar o mais amado dos amigos, a garota não tinha dúvida de que Leonard seria o escolhido. Em segundo lugar, talvez a Rainha Heloise disputasse a posição com Margareth. Achava que John poderia ser o terceiro escolhido, e talvez até que Samuel estivesse à sua frente.
Contudo, tão logo o garoto a atacara, a cena no Castelo das Ilusões de dissolveu. Zathroth parecia ter criado um sistema de segurança para obrigar o garoto a fazer um segundo sacrifício caso o primeiro não tivesse obedecido às regras do jogo. No entanto, Jason passara pelo desafio. Ele, de fato, escolhera o mais amado dos amigos para sacrificar.
Todos os olhares convergiram para ela, que não estava menos surpresa que os outros presentes. Contudo, Jason logo ressurgiu na visão de todos, e, agora, não havia qualquer ilusão diante dele.
Ele estava em uma ampla arena, como aquela em que enfrentara Sirius, um dia antes. No entanto, agora, um baú havia sido posicionado no canto oposto do aposento. Não havia mais ninguém.
Em silêncio, Melany fez uma prece a Crunor.
Senhor… tire Jason dessa.
*
Jason correu até o baú, mas foi atirado para trás com toda a força. Rolando pelo chão, ele se colocou de pé com esforço, o corpo finalmente sentindo o cansaço de muitos dias fora de casa.
Zathroth havia retornado, a cabeça pendendo de lado, parecendo mais curioso do que surpreso. Ele agora segurava uma espada muito longa, de ferro negro – uma lendária Espada Mágica. Seus olhos sondaram o rosto de Jason por um instante.
— Curioso – disse, por fim. – Os descendentes da linhagem de Crunor são, realmente, surpreendentes.
— Descendentes de quê?
Zathroth sorriu.
— Sabe, o fato de existirem deuses que coabitam com humanos não ficou restrito somente à Grécia Antiga. Crunor esteve na Terra mais vezes do que ele mesmo gostaria de admitir. A experiência deve ter sido boa. Você é um de seus descendentes.
— Se isso é verdade, então não existem chances de perder um duelo para você.
Jason atacou, brandindo sua espada. Zathroth, de pernas cruzadas e mão direita oculta atrás do corpo, combateu-o tranquilamente, desviando seus golpes com uma facilidade psicopática. Ele dançava no mesmo lugar e dava passos precisos. Sem dúvidas, era um espadachim de primeira categoria – e estava muitos graus adiante de Jason.
Mas o garoto não temeu, tampouco se entregou. Certo de que o resultado da missão era morte, independia se seria vencido pelas circunstâncias envolvendo a Arca do Destino ou pelas mãos do próprio Zathroth. Contudo, quando ameaçou atacar novamente, uma terceira figura se materializou na sala.
O terceiro homem levantou a mão direita e impediu o ataque de Jason, aparando-o com força psicossomática e afastando-o de Zathroth. Era consideravelmente mais jovem que o adversário de Jason, mas os cabelos e as barbas eram idênticos, somente ruivos, em vez de brancos. Seus olhos eram azuis, da cor do céu – da cor dos olhos de Samuel e John.
— O que faz aqui? – perguntou Zathroth, entre os dentes, segurando sua espada com muita firmeza. – Você conhece as regras.
— Regras que você mesmo quebrou, meu ardiloso irmão – disse o homem, a voz fluida e agradável, deliberadamente controlada. – Os desafios são apenas cinco. Vencidos, dão ao vencedor amplo acesso à Arca do Destino.
Zathroth sorriu, sem achar graça.
— Meus desafios, minhas regras, Crunor.
Jason relanceou um olha para Crunor, positivamente surpreso. Em tese, aquele era o Supremo Arquiteto do Universo – a entidade que criara tudo em que viviam e em que cresciam.
— Meu universo, regras naturais, Zathroth – disse Crunor, firme. Zathroth fez uma careta, incomodado. – Abra caminho para Jason Walker. Ele cumpriu as determinações e venceu os desafios.
O outro olhou para Jason por um instante, depois para Crunor novamente, finalmente embainhando a própria espada. Com um giro gracioso no ar, ele simplesmente desapareceu, sem deixar atrás de si qualquer indicação de que um dia estivera ali.
Crunor desviou seu olhar para Jason, e seus olhos brilhavam. Ele manteve a postura rígida e firme, os braços cruzados atrás do corpo. Olhando assim, para Jason, ele, de fato, se parecia com um rei, e era exponencialmente mais gracioso que o Rei Arthur, de Thais.
— Muito bem, filho – aprovou ele, sorrindo. – Obtenha sua recompensa e retorne para os seus amigos. Minha lâmina ficou guardada por muito tempo; ninguém conseguiu chegar onde você chegou.
— Tenho uma pergunta…
— Haverá tempo para responder perguntas no futuro – Crunor o interrompeu, mas não era rude. Parecia até gentil demais. – Sua Melany espera por você.
E, então, o próprio Crunor desapareceu.
Jason, agora, encontrava-se diante da Arca do Destino, pouca conta fazendo de quanta sorte tinha, e de quanta competência demonstrara. Zathroth, sem dúvida, tentara impedir seu acesso à Arca, e teria concretizado o próprio plano, se Crunor não tivesse aparecido e refreado o irmão mais velho.
Fato é que, agora, Jason não sabia bem como prosseguir. Crunor mencionara as palavras “minha lâmina”, de modo que o garoto não estava muito certo sobre o que poderia encontrar dentro do baú ancestral. Aquela porta de madeira simples, diabólica, sem maçaneta, o aguardava no sentido oposto.
Jason embainhou a própria espada e avançou para a Arca, ligeiramente trêmulo e só agora tomando consciência de que não iria morrer, de que a missão fora cumprida com sucesso, de que poderia retornar para os amigos e, simultaneamente, viver sua vida com tranquilidade novamente.
Ele tocou a Arca. E algo inesperado aconteceu.
*
— Não… é possível – murmurou John, de olhos fechados.
Melany, que chorava silenciosamente, assentiu uma vez, muito quieta. Leonard mal se movia, e Samuel mantinha os próprios olhos abertos, por demais embasbacado. O caso é que os incandescentes só podiam designar missões a descendentes diretos de Crunor, e, é claro, John e Samuel sabiam muito bem disso. Joseph Walker Prince fora o primeiro descendente vivo do Criador, e tentara expor a verdade ao mundo quando sentira que ninguém iria acreditar em suas palavras supostamente malditas.
Agora, muitas e muitas gerações depois, Jason Walker finalmente tocara a Arca. E, como que num gesto amplo de solidariedade, respeito e obediência, ela simplesmente se abriu ao seu toque. A recompensa, no entanto, fugia à compreensão de qualquer um dos que assistiam o desenlace final da trama.
A Arca do Destino continha uma espada. Mas não era uma espada qualquer, não era uma Espada Mágica e, certamente, não se tratava de uma lâmina feita pelas mãos dos homens. Era um trabalho dedicado de muitos ciclopes, e que, certamente, levara anos a fio para ser fabricada.
O cabo da espada era feito de titânio, enrolado em longos e caprichosos filamentos de ouro. A cruz que dividia o cabo da lâmina era feita do mesmo material, mas duplamente bifurcada nas extremidades, contendo estreitas, mas longas, faixas de prata. A lâmina, no entanto, era o que mais chamava a atenção.
O ferro era muito branco, branco demais para ser feito de ferro. Ela tinha estrias gravadas por toda sua extensão, certamente propositais, porque criavam um efeito agradável aos olhos. Seu cume era afiadíssimo. As inscrições “EXCALIBUG”, em uma das faces, e “CYCMANIA SWORD”, na outra, eram discerníveis, desenhadas em ouro, mesmo à distância.
A lendária Espada Mágica Longa, chamada pelos antigos empreendedores de Magic Longsword, ou Espada de Crunor. A lâmina fabricada pelos ciclopes para agraciar e agradecer a Crunor pela Criação. Nunca antes tocada, nunca antes possuída por ninguém. E, agora, de propriedade exclusiva de Jason Walker.
Um pergaminho antigo enrolado e lacrado com cera também estava presente no baú. Jason o tomou e o embolsou, sem abri-lo.
Dando as costas, ele se dirigiu para a porta de saída, e a ligação estabelecida entre os amigos e ele se quebrou. Todos se levantaram rapidamente e, ignorando o fato de que o sol já raiava, dispararam na direção do castelo de Senja.
*
O navio estava em festa. Cotton, Gibbs, Reynold e Joshua haviam acabado com o estoque de cerveja de Donald, deixando para ele uma generosa quantia em dinheiro. Aqui e ali, os pontos de neve iam derretendo e dando lugar a uma vegetação rasteira, que sorrateira e inexplicavelmente crescera sob o manto gelado por todos aqueles séculos. O nível dos oceanos automaticamente subiria, pelo que a população de Senja começara a construir barreiras e pequenos piquetes ao longo de toda a costa.
Dois dias já se haviam passado. Jason dormira por quase quarenta e oito horas consecutivas, e a Espada passara de mão em mão até desaparecer. Quando John começou a se preocupar, Jason desceu as escadas da hospedaria com ela nas mãos, embainhada. Aparentemente, alguma mágica ancestral antirroubo funcionava no sentido de devolver a Espada às mãos de seu real possuidor caso ele a perdesse.
A bordo do navio, o estalajadeiro Donald, que, souberam, era muito versado em magia, enfeitiçou o timão para que seguisse o trajeto mais curto e mais seguro de volta ao continente, sem que ninguém precisasse manuseá-lo. De posse de suas cervejas, a tripulação se reuniu no convés, onde Jason, em cujo braço direito Melany estava pendurada, preparava-se para romper o lacre do pergaminho e ter acesso ao seu conteúdo.
Ele pigarreou, e todos se silenciaram.
— “Caro Jason” – começou, surpreendendo-se com o fato de que seu nome estava previamente escrito ali. – “Escrevo esta missiva para que você entenda, ambos, o fardo e a dádiva que estão sobre seus ombros neste momento.
“Os ciclopes da antiga Thais fabricaram esta lâmina em segredo, porque as tropas de Zathroth avançavam impiedosamente por toda a Planície do Caos, devastando tudo que viam pela frente. Meus guerreiros sofriam baixas sucessivas e intermináveis, mas muitos deles conseguiram preparar uma contraofensiva e resistir na entrada de Venore. Seus espíritos foram elevados a mim, e todos foram condecorados com honra.
“A Espada possui regras muito específicas, porque os ciclopes a fabricaram para que pudesse somente ser empunhada por mim, fato que se alterou posteriormente, quando declinei a intenção de permanecer com ela. Eles pareceram compreender, e aplicaram normas sobre a manutenção da Espada, cujas quais é importante que você conheça.
“Caso você seja permanentemente desarmado em combate – abrindo-se um ferimento sobre o braço que empunha a Espada, fazendo com que você a perca durante uma luta –, o agressor tomará a propriedade da Espada para si, e ela passará a responder a ele. Esta lenda é desconhecida, nem mesmo Zathroth sabe sobre ela, portanto, guarde o segredo com afinco.
“A Espada não foi feita para matar, contudo, ela absorverá tudo que puder fortalecê-la. Assim, recomendo firmemente que você delibere com cautela antes de derramar sangue humano utilizando-a. Grandes poderes trazem grandes responsabilidades¹, e seu fardo já é deveras intenso para que você carregue algo mais sobre seus ombros.
“Finalmente, parabenizo-o pela excelente performance no Castelo das Ilusões. Você é um fiel guerreiro, e suas honrarias ultrapassarão o imaginável. No mais, confie em seus amigos e cuide deles. Eles são a base do seu sucesso.
“Com amor, Crunor”.
Nenhuma palavra extra foi necessária. Leonard levantou-se devagar e ergueu sua cerveja, dizendo “A Jason”, ao que todos repetiram e tomaram um longo gole, satisfeitos.
Jason deu um beijo estalado na testa de Melany, que abraçou seu braço ainda mais firmemente. Ao largo de Vega, eles perceberam a neve que também derretia por ali, nos arredores do casebre destruído de Sirius.
Finalmente, tudo parecia estar em seu devido lugar.
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¹Ainda que seja dispensável explicar, a referência é para a fala de Tio Ben na série O Homem Aranha.
Ainda teremos o epílogo da série. Postarei em breve.
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