Ira Eterna sob a Tumba de Horestis
Parte Inicial
.....Lembro-me da criança que fui e dos contos que ouvi. Vejo a figura branca de meu pai em minhas memórias antigas a tagarelar as mais incríveis histórias sobre Ankrahmun antes de botar-me na cama. Existia uma preferida, a que eu pedia para ser recontada quase todas as noites. A história de Horestis. Sinto ecoar em minha cabeça sua voz rouca me embriagando de infância e saudades.
.....“Horestis” ele dizia “foi um grande Faraó da ilha de Darama, Kevin, muito poderoso e influente nas decisões reais. Ele foi tão cruel que é temido até hoje”.
.....“Como assim, pai? Mas ele não morreu?” Lembro-me do meu eu pequenino perguntar.
.....“A tumba do faraó ainda existe e dizem que se alguém perturbar seu sono, toda a ilha irá se arrepender, pois ele irá voltar para castigá-la”.
.....Agora estou aqui, vinte anos depois, ouvindo entre copos de cerveja que isso é real.
.....“Cê não tá acreditando em mim, né?” o taverneiro dizia nos intervalos dos tragos no cigarro. “Tá todo mundo dizendo que a tumba do Horesitis foi encontrada e saqueada. Cê tá vendo a nuvem preta que se aproxima? É a maldição, Kevin. É a maldição”.
.....Arito, o taverneiro, muitas das vezes era meu único amigo. Bebíamos juntos enquanto ele me contava as histórias que sabia. Essa última não pareceria ser história, muito menos estar no passado. Eu abanei a fumaça que ele tinha acabado de soltar.
.....“Cê tem certeza, Arito? Disseram-me que a tumba tava cheia de mortos-vivos. Isso é verdade? Acho então que Horestis voltou e...”.
.....“E não é isso que eu tô te falando faz uma hora, seu louco?!”
.....“Eu vou entrar, Arito. Eu preciso entrar. Se essa maldição existe eu p...”
.....Ele sorriu. Arito sabia exatamente o que eu ia dizer. A troca de silêncios que se seguiu substituiu uma conversa de semanas. Ele me olhou e deslizou pelo balcão um objeto embrulhado em um tecido vermelho. “Isso vai te ajudar, Kevin. Boa sorte”. Olhei o conteúdo do embrulho e retribuí o sorriso. Isto estava guardado por séculos em sua família e ele estava me confiando. Senti seus olhos em sorriso me acompanhando enquanto eu descia as escadas e suas orações silenciosas engrandecendo minha alma.
.....Antes de partir para o deserto, equipei-me com flechas, runas e poções mágicas. Respirei fundo e senti minha mente preparar-me para morrer a qualquer momento. Ainda sim, eu tinha confiança. Sabia que podia não voltar, mas as aventuras anteriores me davam força para acreditar que eu poderia fazer isso. Atravessei Kha'labal na direção dada por Arito. Fafnar parecia cozinhar toda aquela areia em seu tédio eterno. Parecia ter raiva e castigava Darama por isso. Mesmo assim eu rezei pra ela. Ter os deuses a meu lado, até mesmo Fafnar, seria de grande ajuda.
.....Aproximei-me da entrada da tumba, um buraco no chão marcava o fim do deserto e o começo da maldição. Ouvi gritos mórbidos vindos de dentro. Já tinha enfrentado alguns mortos-vivos, mas os berros raivosos destes pareciam estar acumulados por milhares de anos. Segurei minha primeira flecha no engaste e saltei para a ira eterna do faraó Horestis.
.....Suspiro.
.....O escuro tomou meus olhos. Meu primeiro disparo foi dado por medo. Atingi uma hiena que babava correndo em minha direção. Estalei meus dedos e pedi luz a minha mana: “Utevo Lux”. Não havia monstros fortes neste andar, apenas alguns arruaceiros prontos para roubar o que encontrassem de valor e hienas com cérebros à mostra. Não perdi tempo com seus xingamentos e grunhidos. Parti aos gritos.
.....Desci para o andar inferior, o cheiro de carne pobre dançava uma marcha fúnebre pelas paredes da tumba. O primeiro morto-vivo correu em minha direção, tinha sede de sangue. A flecha saiu do meu arco e mergulhou no peito do cadáver, ele desceu em câmera lenta descrevendo um arco perfeito e bateu com força no chão entregando minha posição. Olhos vermelhos me prenderam em alvo.
.....Começou.