
Postado originalmente por
Legiao
Entendo que o Brasil carece de investimento em ciência, isso é inegável.
Mas os pesquisadores não deveriam estar lutando por mais liberdade economica e para que a iniciativa privada entrasse na pesquisa?
Sou bem leigo, mas já vi muita gente falando que o Brasil é horrível na questão de benefícios para empresas investirem e virarem coautoras de projetos ciêntificos.
Eu não tenho a menor idéia mas o meu esteriótipo preconceituoso é o pesquisador que em sua maioria é de esquerda, comunista, pedindo mais governo, votando no PT e reclamando que não tem investimento em ciência. Não tem e eles querem mais Estado ainda...
É assim que funciona mesmo Bob?
O corpo academico do Brasil é composto em sua maioria por "Socialistas de Iphone" ou o pessoal também luta por liberdade economica e lberdade de investimento?
Se sim...
Porque esse investimento não acontece? Do governo eu entendo porque.
Mas porque as empresas não investem em criar tecnologia no Brasil?
Porque uma Tesla, Apple da vida não criam campos de pesquisa aqui?
EDIT:
Sobre o assunto:
Mais uma vez o Brasil mostra sua face Pátria Educadora, só que não. O alvo agora é um Clube de Astronomia que cometeu o pecado de querer participar de uma maratona de observação solar. Conseguiram uma doação de 2.600 óculos de papel. Sim, papel. Resultado? A doação foi retida pela Receita Federal e ainda levaram uma senhora multa. Bem-feito, acha que vai promover ciência no Brasil e sair impune?
https://tecnoblog.net/meiobit/318628...bservar-o-sol/
Opa, vamos lá, desse assunto eu gosto.
Bom, antes de tudo, vamos definir o seguinte:
defender o liberalismo e a liberdade não é defender a falta de Estado. É muito importante que isso fique claro, para que entendamos que o Estado é necessário já que, por mais que o mercado de trocas voluntárias seja a representação material mais justa da vontade humana, não necessariamente vai corresponder às expectativas da sociedade em termos éticos, culturais e históricos. Ou seja, a principal função de um Estado capitalista pode (e deve) ser um catalisador para os processos sociais de desenvolvimento.
Dito isso, eu afirmo:
não existe ciência sem Estado. Em 2014, o Pirulla já fez um vídeo muito legal com o título
"Quem financia a ciência no Brasil". Lá ele coloca algumas perspectivas (ainda bem atuais) sobre os problemas do financiamento da ciência brasileira e coloca em perspectiva esse investimento feito por outros Estados pelo mundo. A conclusão é de que, no contexto acadêmico,
os maiores investimentos mundiais em ciência provém dos governos.
Um artigo do Jornal da USP mostra isso em dados. Você pode conferir lá as fontes mas vou deixar o resume em imagens, olha só:
Quando comparamos esse investimento a nível de PIB, a realidade é mais esmagadora: os EUA investem quase o dobro que o Brasil em relação ao proporcional (2,7% contra 1,3%). Sem contar que o PIB dos EUA é 6 vezes maior do que o nosso.
Podemos ainda ver o caso de países onde o investimento estatal em ciência e tecnologia foi fundamental para tirá-los do subdesenvolvimento ou de uma situação econômica ruim. O caso mais emblemático é o da Coreia do Sul.
Tem um artigo que postei nesse fórum a alguns anos atrás que detalha um pouco o histórico da revolução educacional econômica da Coreia, que foi fruto de um misto de
investimento estatal massivo em educação básica, parceria do Estado com a iniciativa privada na educação superior e investimento sólido em empresas de tecnologia nacionais.
Enfim, entendido que não existe ciência de ponta sem investimento estatal, podemos tentar imaginar os motivos. Talvez o principal seja que
não é barato investir em ciência. As empresas que o fazem ou tem o desenvolvimento tecnológico como principal negócio ou são tão capitalizadas que podem se dar ao luxo de investir em pesquisa. Tirando isso, não é raro que as empresas que investem em ciência pelo mundo o fazer em parceria com governos ou centros de referência não-governamentais (que também podem receber verbas públicas como fomento). O Google no Brasil utiliza fomento público para formar pesquisadores na UFMG, por exemplo.
Outro motivo é que
ciência de base nem sempre é lucrativa. Ciência de base é aquela movida apenas pela curiosidade do pesquisador, sem necessariamente estar atrelada a algum projeto de desenvolvimento de tecnologia ou produto. E para que a ciência de base exista, é preciso existir uma massa de pesquisadores. A maioria dos trabalhos gerados vai ser inútil ou inócua mas, no longo prazo, alguns desses trabalhos podem vir a servir de base para alguma nova tecnologia. Basta vermos o trabalho feito com o Corona Vírus, que se iniciou nos anos 2000 sem qualquer perspectiva de uma grande pandemia que gerasse uma necessidade trilionária de desenvolvimento de remédios e vacinas. Mas ter que gerar milhares de artigos ruins e sem aplicação para gerar UM que vai ser importante em décadas não parece ser um investimento muito atrativo para uma empresa que depende de lucro.
Enfim, respondendo sua pergunta principal, "pesquisadores não deveriam estar lutando por mais liberdade economica e para que a iniciativa privada entrasse na pesquisa?".
A minha resposta é SIM. Se você assistiu ao vídeo do Pirulla, viu que existem diversas dificuldades criadas pelo Estado brasileira que impede o maior investimento do mercado privado na ciência do país. Para piorar, nossa iniciativa privada é fraca e a burocracia estatal e a complexidade tributária acabam ainda mais com a possibilidade de investimentos.
Agora, se a pergunta fosse
"o maior problema do país é a falta de investimentos privadas em ciência", minha resposta seria
NÃO. O maior problema da ciência do país hoje é não ter projeto de investimento e ela não ser levada a séria tanto politicamente quanto socialmente/culturalmente. Não é apenas grana, é repensar em organização, funcionamento, processos e métricas. Para isso, é preciso de um projeto de longo prazo que esteja desligado de governos e que seja suprapartidário. Um projeto de nação. É preciso entender que a ciência não funciona na lógica da política. Qualquer conquista é coletiva e leva tempo, não pode ser capitalizada por governo X ou Y.
Quanto à questão:
"O corpo academico do Brasil é composto em sua maioria por "Socialistas de Iphone" ou o pessoal também luta por liberdade economica e lberdade de investimento?". Depende. Não acho que existe uma uniformidade dentro da academia no Brasil apesar de, sim, o pensamento de esquerda (não necessariamente comunista/socialista) ser predominante. Mas não atribuo a ineficiência do país nesse sentido à ideologia do pesquisador. O sistema é ineficiente por si só. Não existe sequer um levantamento mostrando que pesquisadores "de direita" sejam mais produtivos que os pesquisadores "de esquerda". Muito pesquisador "de esquerda" espera a possibilidade real de iniciativas envolvendo entidades privadas. Ser de esquerda não é necessariamente ser comunista, assim como não é ser comunista entender que o Estado é fundamental no financiamento da ciência no país. Nesse sentido,
utilizar ideologia para justificar o problema é um subterfúgio de político populista para tirar de si a responsabilidade por melhorar o sistema. Esse é um golpe que tem gente ainda caindo.
Desculpa o textão, tentei ser o mais sucinto possível. Posso debater horas sobre cada ponto levantado, é um assunto ao qual dedico a maior parte da minha "atuação política". Acredito de verdade que melhorar a ciência e a educação no Brasil é o único meio do brasileiro ter uma realidade social e econômica melhor.