Spoiler: Respostas
CAPÍTULO 17 – ALEISTER CROWLEY
Jason, Leonard e Rafael chegaram a uma clareira aberta no coração da floresta devastada, exatamente às margens do rio que serpeava pelo purgatório de fora a fora. Ali, uma fumaça densa saía pela chaminé de um casebre de madeira e surpreendentemente bem cuidado. Logo a porta se abriu, e Randal marchou para fora, olhando para eles com evidente interesse.
Rafael e Leonard não conheciam o aspecto de Randal, mas Jason estava certo de que aquele não era o homem a quem procuravam. Ele sacudiu levemente a cabeça para o arcanjo, que compreendeu o sinal.
O Randal de quem Jason se lembrava era totalmente diferente e visualmente muito mais inofensivo. Aquele homem diante deles tinha a pele muito negra e os cabelos cuidadosamente arrumados em tranças que iam até os ombros. Embora os olhos fossem vermelhos, as íris eram claras; mesmo
que não houvesse dúvidas de que era um demônio, dava a impressão de ser, por algum motivo, pacífico.
— Um arcanjo e dois seres humanos, um deles portando uma relíquia histórica de Crunor.
A voz do homem era ressoante e grave, mas aveludada. Quando ele sorriu, revelou dentição perfeita. Algo não estava certo.
— A que devo a honra? – prosseguiu, diante da falta de resposta.
Rafael girou a cabeça de lado, raciocinando.
— Dizem que, com o pagamento correto, você é capaz de realizar um certo tipo de trabalho – começou o arcanjo.
O homem franziu o cenho.
— Pagamento – ele pensou por um instante. – De que pagamento estamos falando?
Rafael respirou fundo. Precisava prosseguir com cautela, o que passava necessariamente pela verificação de se aquele homem era Randal ou não.
— Transporte – limitou-se a dizer. – Carona.
Ele marchou para fora da casa e torceu a cabeça de lado. Naquele instante, finalmente Jason apreendia o quão peculiar era aquela figura: musculosa dos pés à cabeça, trajando calças de linho muito limpas, sem camisa, o corpo torneado à mostra, um colar de contas pendurado no pescoço.
— Digamos que talvez – respondeu ele, igualmente desconfiado.
Rafael virou-se para Jason.
— Pergunte-lhe algo que somente ele possa responder.
— “Ele” sou eu? – perguntou o homem, confuso.
Jason raciocinou rapidamente.
— Você se juntaria ao Anjo Caído se ele estivesse solto? Se sim, quais seriam suas expectativas?
O homem arqueou as sobrancelhas, em sinal de surpresa. Seus olhos adquiriram um tom de vermelho um pouco mais vívido antes de retornarem ao normal. Ele flexionou os braços imensos, relaxando os ombros.
— Com certeza é a resposta para a primeira pergunta. Quanto à segunda, qualquer coisa que não me obrigue a prestar atenção demais em coisas demais.
— Há boas chances – argumentou Jason, sacudindo a cabeça em sinal positivo.
O arcanjo avançou meio passo.
— Qual é o seu nome?
— Não sei – o homem balançou a cabeça. – Todos me chamam de Randal. Deve ser esse o meu nome.
Jason semicerrou os olhos. Precisava se decidir depressa.
*
O suposto Randal os levou até um ponto, poucos metros adiante de seu casebre, em que a mata não estava queimada. Pelo contrário; tudo florescia de uma forma bastante singela, como se, naquele pedaço de menos de cinco metros quadrados, a natureza tivesse decidido simplesmente seguir seu curso natural.
— Conhece-me? – perguntou Randal a Jason, enquanto caminhavam.
— Talvez. Mas sua aparência não me diz nada.
Randal fez sinal de compreensão.
— Troco de casca constantemente. Somente por tempo suficiente para que o hospedeiro termine seus dias com dignidade.
Jason relanceou um olhar para o demônio, sem responder nada. O que tinha de suspeito, tinha de peculiar.
— Há um certo tempo, iniciei o cultivo de algumas especiarias peculiares neste pedaço do purgatório – explicou Randal, parando diante de 10 ou 11 mudas de plantas enterradas. – É o que chamamos de soil, no inferno. São esferas de energia que garantem determinados acessos.
Rafael agachou devagar, as sobrancelhas franzidas e os olhos fixos no plantio. O arcanjo já tinha ouvido falar dos soil, uma espécie de planta mágica fertilizada no solo com o objetivo de limitar o alcance a alguns pontos da Criação. Nunca, contudo, tinha obtido acesso a um deles; Crunor os banira muitos milênios antes, quando demônios utilizavam a energia dos soil para realizar passagens proibidas.
O fato de que Randal tinha livre acesso ao cultivo dos soil era um ponto extremamente fora da curva, do qual Rafael achou que deveria se ocupar em um futuro próximo. Naquele instante, era necessária a mistura correta.
— Qual deles leva para onde? – perguntou o arcanjo.
Randal riu, achando graça.
— Sério? Assim, de graça?
Rafael endireitou-se e revirou os olhos.
— Nós o carregaremos conosco quando retornarmos à Terra – disse, de muita má vontade. – Embora você tenha acesso aos soil, imagino que, se pudesse utilizá-los para retornar, já o teria feito. Uma presença pura pode ser necessária para realizar a passagem.
O demônio fez que sim.
— Precisamente, minha nobre e dinâmica criatura celestial. Para onde precisam ir, antes de mais nada?
Jason e Leonard trocaram um olhar receoso.
— Inferno.
Randal levantou a cabeça de uma só vez, estalando o pescoço.
— Inferno? Vão fazer o que no inferno?
Rafael sacudiu a cabeça.
— Não faz parte do serviço esse tipo de informação. Transfira-nos para lá e, quando voltarmos, vamos viabilizar seu transporte de volta conosco.
O demônio não fez maiores perguntas e puxou pela raiz a planta que se encontrava na extrema direita no cultivo. Atrelado a ela havia uma esfera de energia violácea, brilhante e que espiralava conforme o vento lhe tocava. Era muito pequena, talvez do tamanho do bulbo de um cogumelo comestível.
— Toquem nela. Vocês têm duas horas.
Rafael, Leonard e Jason trocaram mais um olhar, sem bem saber o que esperar. No instante seguinte, todos tocavam a esfera, que lhes devolvia somente um brilho pulsante, com insolência.
— Só isso? – perguntou Jason.
Randal sorriu.
— Boa viagem.
*
Jason rolou pelo chão e logo sentiu um cheiro insuportável de ovo podre. Quase ao mesmo tempo, o dedo mindinho de sua mão direita começou a ferver e queimar, como se ele tivesse colocado a mão em uma panela de água fervente.
Por puro reflexo, o garoto se jogou para trás, rolando um pouco mais. Adiante dele, havia um pequeno filete de água, escuro como a noite, correndo para a esquerda. Não havia dúvidas de que estava na antecâmara de uma imensa caverna rústica e tosca, como se tivesse sido aberta no coração de uma grande montanha.
Leonard e Rafael chegaram segundos depois, passando mais ou menos pela mesma experiência, à exceção do arqueiro, que acabou aterrissando no pequeno córrego de bunda. Embora sua reação tivesse sido muito engraçada, Jason não via motivos para rir naquele momento.
A caverna, na verdade, era muito intencional, no final das contas. A abóbada do teto disparava em todas as direções, mas não havia dúvidas de que era circular. O córrego que avançava para a esquerda e vinha da direita era constante, e vez ou outra borbulhava. Seu conteúdo era muito espesso.
O cavaleiro olhou para o arcanjo, que assentiu uma vez, confirmando. Agora, era questão de saber onde estaria John. Randal lhes dera duas horas, para que retornassem exatamente ao ponto onde aterrissaram, ou ficariam presos pela eternidade. Era hora de agir.
Os amigos seguiram o curso do rio no sentido da esquerda, por uma questão de escolha livre. Adiante, o córrego era interrompido abruptamente pela borda do planalto, desaguando lá embaixo, onde havia uma grande clareira preenchida por um líquido de cor transparente. Rafael torceu o nariz.
— Água benta. O córrego traz as almas condenadas. Esse é o primeiro estágio de sofrimento, não deve durar menos do que um milênio.
Jason pensou naquilo por um instante, antes que uma voz masculina ressoasse às suas costas.
Diante deles estava um homem careca, de meia idade, usando um cavanhaque bisonho. Seus olhos eram negros como duas opalas. Usava roupas rasgadas.
— Arcanjos e humanos, no inferno – disse, a voz grave e baixa. – A que ponto chegamos?
— Aleister – Rafael o reconheceu de pronto. – Ganhou uma promoção? Primeiro no comando? Você está aqui e ele está lá em cima. Não me parece justo.
O homem chamado Aleister deu de ombros.
— Cada qual com sua incumbência. O anjo. É quem vocês procuram, correto? John Walker. Um incandescente de primeira. Não entendo qual era a intenção de Crunor ao mandá-lo para cá, mas não posso deixar que o levem.
Jason tombou a cabeça de lado.
— Qual a serventia dele? Um condenado que não foi condenado?
Aleister virou seus olhos para Jason de má vontade e sacou duas armas de fogo, uma de cada lado da cintura. Pistolas.
— Não sou eu quem condena. O juiz é Crunor. Só faço o papel de executor da pena. Se John Walker está aqui, foi condenado. Se foi condenado, deve pagar sua penitência.
O cavaleiro sacou a Espada de Crunor e ficou satisfeito ao ver Aleister se retesar por um instante diante do brilho da lâmina. A verdade é que não estava sequer minimamente interessado no julgamento de Crunor. Fora até ali para resgatar John e cumpriria a missão, independentemente de quem o tivesse posto naquela situação ultrajante e torturante.
— Vai lutar comigo, Jason Walker? – Aleister sorriu, tentando aliviar a tensão que sentia. – Então faremos isso nos meus domínios.
*
Jason e Aleister desapareceram, e Rafael e Leonard saltaram para trás, assustados. O arqueiro disparava os olhos para todos os cantos e corria de lá para cá, mais nervoso do que nunca. O arcanjo, no entanto, pôs-se a raciocinar. Aleister tiraria vantagem de lutar em casa e, se não quisesse ser encontrado, ao menos naquele lugar, não o seria.
Calmamente, Rafael sentou-se no chão de pernas cruzadas e orientou o arqueiro a fazer o mesmo.
— Aquele feitiço de localização. Ainda sabe usá-lo?
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