Bom, só posso dizer, que depois deste capítulo a ação começa =D.
Apontem os erros.
4 - Servos do Estado
Quando Alice May desceu para o café da manha no dia seguinte, após uma noite praticamente sem dormir, os outros estavam alegres e animados. Ao fazer uma tentativa de falar sobre o que acontecera, ficou claro que, ou eles não tinham nenhuma lembrança do que haviam presenciado, ou o estavam negando com todas suas forças.
Alice May não se esqueceu. Ela via a estrela prateada reluzindo em seus sonhos e várias vezes acordou com a sensação da coronha do rifle contra o rosto ou o peso implacável dos revólveres nos coldres sobre suas coxas.
Com os sonhos veio um profundo sentimento de pavor. Alice May sabia que as armas e a estrela eram uma espécie de direito de nascença, e com elas vinha consciência de que um dia teriam de ser usadas. Ela temia esses dia e não podia imaginar em quem... ou em que... ela deveria atirar. Às vezes, a ideia de que talvez tivesse de matar outro ser humano a assustava mais do que qualquer coisa.. Outras vezes, ela ficava mais horrorizada ainda com a ideia estranha de que talvez o que ela um dia enfrentaria não fosse um ser humano.
Um ano se passou e o verão chegou novamente, mais seco e quente do que nunca. As plantações da primavera morreram nos campos, e com as pequenas sementes feneceram as esperanças dos fazendeiros de Denilburg e da população que dependia delas para ganhar dinheiro.
Ao mesmo tempo, inúmeros bancos que pareciam sólidos faliram. Foi uma surpresa, especialmente por terem sobrevivido à escassez de crédito de 1930¹ e à explosão da bolha de tântalo dois anos antes. A quebra dos bancos foi acompanhada por um crise de desconfiança na moeda, enquanto o país mudava das moedas de ouro e prata para as de alumínio e cobre, sem nenhum valor real.
Um dos bancos que faliram foi o Nacional Faith, que guardava a maior parte das escassas poupanças dos habitantes de Denilburg, Alice May descobriu tal fato quando chegou em casa depois da aula e encontrou Stella chorando e Jake pálido na cozinha, picando mecanicamente o que devia ter sido uma abóbora.
Por um tempo, parecia que iam perder a farmácia, mas o marido de Janice mantivera um estoque completamente ilegal de moedas de ouro no valor de vinte dólares, aquelas com o retrato da imperatriz Dowager. Vendê-las a um "colecionador de moedas licenciado" gerou uma quantia suficiente para pagar as dívidas dos Hopkins e manter a loja ativa.
Jane, porém, teve de largar a faculdade. Sua bolsa foi afetada negativamente pela inflação, e Jake e Stella não tinham condições de lhe dar nada. Todos esperavam que ela voltasse para casa, mas ela não voltou. Em vez disso, escreveu uma carta dizendo que tinha conseguido um emprego, um bom emprego com um belo futuro pela frente.
Levou mais alguns meses e algumas cartas para que descobrissem que o emprego de Jane era numa organização política chamada Servos do Estado. Ela enviou uma ferrotipia de si mesma de uniforme preto com distintivos e uma braçadeira com uma tocha desenhada. Jake e Stella não puseram a foto no consolo da lareira, ao lado dos retratos que davam conta das vidas das irmãs.
A chegada da ferrotipia de Jane coincidiu com o fato de Alice May - e mais todo mundo - estar refletindo muito a respeito dos Servos. Durante vários anos, eles pareceram um grupo inofensivo. Apenas uma organização política pseudomilitar direitista, intolerante e reacionária, com algumas cadeiras no Congresso e uns dois cargos consultivos no Palácio.
Mas na época que Jane se tornou membro do partido, as coisas haviam mudado. Os Servos tinham encontrado um novo líder em algum lugar, um homem a quem chamavam de Mestre. Ele parecia ser bastante comum pelos jornais, um sujeito baixinho com uma barba esquisita, topete grande e olhos arregalados. Era um pouco parecido com o comediante Harry Hopalong, que tinha o mesmo tipo de cavanhaque muitíssimo bem aparado - só que o Mestre não era engraçado.
Era óbvio que o Mestre tinha um carisma que não podia ser captado pelo processo de ferrotipia ou reproduzido em publicações. Ele viajava o país constantemente e, onde quer que aparecesse, influenciava os políticos locais, os empresários importantes e grande parte da população. Prefeitos deixavam seus partidos políticos e se uniam aos Servos. Barões do petróleo e do tântalo faziam doações generosas. Professores escreviam ensaios apoiando as teorias econômicas do Mestre. Multidões se aglomeravam para aplaudir e venerar os avanços do Mestre.
Em todos os lugares em que a popularidade do Mestre crescia, havia assassinatos e incêndios criminosos. Os adversários dos Servos morriam. Minorias de todos os tipos eram perseguidas, especialmente os Primeiros Povos e os adeptos das principais heresias. Mesmo os templos ortodoxos, cujos Arúspices² não concordavam que o destino estava a favor dos servos, eram queimados completamente.
Assédios, espancamentos, assassinatos, incêndios e estupros não eram investigados de maneira adequada quando eram praticados por Servos ou em nome deles. Se investigados, os casos nunca eram levados a julgamento com sucesso, fosse no Tribunal Estadual ou Imperial. A polícia local deixava os Servos agir como bem entendessem.
O imperador, homem já muito idoso que ficava abrigado no palácio em Washington, nada fazia³. As pessoas falavam com nostalgia de seus tempos de glória, quando liderava batalhas nos topos dos montes e atirava em ursos. Mas isso já fazia muito tempo e agora ele estava senil, ou perto disso, e o príncipe herdeiro da Coroa sofria de uma preguiça quase terminal; era um bufão sorridente que não podia ser incitado a tomar qualquer tipo de atitude.
Em Denilburg, Alice May se sentia isolada do que estava acontecendo nos outros lugares. Mas, mesmo naquela cidade pequena e pacata, ela viu a ascensão dos Servos. As duas lojas pertencentes ao que os Servos chamavam de Outros - basicamente as pessoas que não eram brancas e não os cultuavam com regularidade - tiveram tochas vermelhas pintadas em suas janelas e perderam a maioria dos clientes. Em outras cidades seus proprietários teriam sido espancados ou jogados em alcatrão e cobertos de penas, mas em Denilburg ainda não havia se chegado a esse ponto.
Pessoas que Alice conhecera a vida inteira falavam a repeito da Conspiração Internacional dos Outros e de como eles eram culpados pelo insucesso dos bancos, das plantações e de todos os outros insucessos - especialmente seus próprios insucessos nas coisas do dia-a-dia.
Alice May compreendeu que algo muito grave estava acontecendo no dia em que seu tio Bill Carey passou em frente à casa dela vestido não com uniforme verde e azul de chefe de estação, mas, sim, com o preto e vermelho dos Servos. Alice May foi à rua para perguntar-lhe que diabos ele achava que estava fazendo. Mas quando parou em frente dele, notou um estranho vazio em seu olhar. Não era o Bill Carey que ela conhecia desde bebê. Instintivamente, soube que algo havia acontecido com ele, que o tio adotivo que conhecia e amava tinha mudado, que sua humanidade natural estava sendo soterrada por algo horrível e venenoso.
- Louvado seja o Mestre - soltou Bill quando Alice May o olhou. Sua mão subiu até o ombro e bateu contra o peito, na saudação de golpe de faca dos Servos.
Ele não disse mais nada. Seus olhos estranhos fitavam o nada, até que Alice May deu um passo para o lado. Ele andou a passos largos e ela correu para dentro de casa, sentindo-se mal.
Mais tarde ela soube que ele tinha ido a Jarawak City, a capital do estado, no dia anterior. Tinha visto o Mestre discursar, só por curiosidade, assim como outras pessoas de Denilburg. Todos eles retornaram como Servos leais.
1- Referência à crise de 29.
2- Sacerdote existente nos templos romanos.
3- Esta história se passa em um mundo alternativo, onde os EUA são um império hereditário.
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