Esse é o relato das histórias de Don e Skar, heróis entre os seus, que foram cantados pelo bardo cego nos muitos anos de guerra e mesmo depois.
Eles eram muitos.
Os orcs eram de um verde sujo, quase venenoso e nos circulavam gritando obcenidades na sua língua perversa. Eu me encolhi, quase certo que não havia como escapar e o garoto se afastou de nós, quando eu olhei para o lado não consegui mais vê-lo. Mas Don não, ele se manteve firme e sacou uma adaga; embora todos ali soubessem que não serviria de consolo contra quatro orcs armados.
Até que um grito de parem fez com que ele se encolhesse. Até hoje eu me lembro daquele grito, e de como os orcs pararam assim que ouviram ele; foi um grito brutal, rouco e seco numa voz estremecida que dava a impressão de sair de uma garganta cortada. Eu tremi.
Foi quando um orc se adiantou e disse em voz bem baixa: - Parem todos.
Eu parei surpreso, não sabia que eles podiam falar a língua comum; nas aulas com meu preceptor e nos livros da grande biblioteca não havia nada sobre orc’s exceto uma grande gravura no nosso bestiário. Eu sempre achei aquela gravura demasiadamente torta, mau desenhada e distorcida, mas depois de vê-los eu comecei a dar mais crédito aquele livro.
- Abaixe o arco garoto.
Olhei para trás e tomei um susto logo atrás de mim nosso guia tinha colocado uma flecha em seu arco e segurava ele de um modo firme.
- Você só tem um tiro.
- E quem vai ser o primeiro? – A voz dele tremia.
- Humm...
Você tinha que admirar a coragem dele, ali, sozinho contra quatro orcs e com apenas um arco. Ele tremia e suava frio, mas a ameaça parou eles, por um tempo. Don se preparou, tentando ficar entre eles, e eu tentei pensar em algo, fazer algo, qualquer coisa; mas não consegui. Tudo que eu pude fazer foi olhar enquanto todos eles avançavam juntos na nossa direção.
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O lobo se alternava entre estados de consciência e deliro.
Ele tentava se arrastar na direção oposta do cheiro dos orcs, mas já não sabia exatamente em que direção eles estavam; sua visão piscava em manchas negras e brancas, deixando-o cego por momentos.
Estava praticamente em cima dele quando se deu por isso.
O lobo se virou com dificuldade e encarou o orc com raiva, se preparando para lutar. Não havia para onde correr, não existia a chance de sobreviver, então ele lutaria. Lutar era a única coisa que tinha lhe restado no fim de tudo.
Mas o orc não era como o lobo, ele era um tipo diferente de caçador.
Ele caçava pela glória de caçar, para mostrar seus troféus aos companheiros e ser reconhecido como sendo o melhor entre os seus. Foi por isso que ele não matou o lobo ali, ao invés disso ele segurou sua boca e o amarrou com uma grossa corda para que ele não mordesse. Então ele gritou por seus amigos e um deles trouxe uma grande vara de madeira, e eles amarraram o lobo de modo que pudessem carregá-lo.
Mas o lobo não prestava atenção nisso, porque enquanto seus captores urravam uns para os outros e comemoravam a captura ele juntava forças para uivar.
Foi difícil juntar ar nos pulmões para aquele uivo, e mais difícil ainda erguer sua cabeça e soltar o ar por entre as cordas. Mas por fim ele conseguiu. Foi um uivo fraco e tremido, quase desesperado, mas foi um uivo que poderia ser ouvido a quilômetros de distância, como todos os uivos de todos os lobos.
E aqueles orc’s não iriam mais caçar nenhum lobo, porque antes mesmo que eles pegassem em armas esse uivo estaria sendo repetido por toda a montanha. Ele aceitou um tapa com um misto de dor e satisfação. Não importava que estivesse morrendo, ele ainda era parte de um bando.
Ainda era um caçador.
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Eu chutei e me debati, acertei um belo soco num deles, mas no fim encostaram uma faca na minha garganta e eu parei.
Fomos amarrados e tiraram minha adaga.
Então eles começaram a nós levar morro acima, e para trás dele e eu vi mais deles do outro lado do morro, não consegui contá-los, mas eram muitos. Eram criaturas odiosas, todos eles, resmungando e berrando sem parar. Nos batiam sempre que tinham a chance.
Acreditem meus ouvintes, eu me arrependi de não ter feito minhas lições naquele momento.
Meu pai era um tingidor de renome em minha cidade, e tínhamos algum dinheiro; era por isso que eu estava ali, naqueles caminhos do sul. Eu tinha demonstrado interesse em aprender as letras e minha família tinha condições de pagar um tutor, tanto quanto a de Don e de tantos outros que estudavam conosco.
Eramos 8 e aprendíamos diversos tipos de coisas, como classificar os animais da terra e do mar, distinguir a diferença entre os tipos de rochas, diagnosticar pequenos males do corpo e da alma, como escrever letras e saber seus significados ocultos e o mais importante: magia.
Eu sempre fui fascinado pela magia, embora nunca tivesse sido o melhor de todos nós nesse assunto. Eu queria testar a magia, queria aprender a usá-la. Sonhava com coisas incríveis, como ficar invisível, meu mentor nunca tinha nos ensinado nada assim, mas a verdade é que algo muito mais simples poderia me salvar.
Ele tinha nos ensinado 3 pequenos feitiços, que nós deveríamos decorar e conseguir usar antes da primavera. Um deles era um pequeno e aparentemente inútil feitiço que movia objetos de lugar. Olhei para os orc’s, eram muitos, mas já estava ficando escuro e se eu conseguisse desamarrar a minha corda e correr em direção ao posto de vigia eles só me alcançariam quando fosse tarde demais.
Nesse momento eu me dei conta de uma coisa: como eles tinham chegado ali?
Nossa amada cidade de Altanahi era completamente defensável, na entrada de um vale grandioso, os únicos caminhos para se chegar a ela eram a rota norte, que levava a minha cidade natal e essa saída sul, que dava para o vale aonde nós estávamos.
Mas no fim do vale havia uma única saída, aonde ficava o posto de vigia. Eu não estava vendo uma coluna de fumaça, então o posto estava a salvo. A grande pergunta era: como demônios eles tinham entrado aqui?
Não haviam passagens, não haviam saídas, e o mais importante: com a guerra acontecendo a maioria da guarda estava no portão norte e além, lutando. O que significava que o posto de vigia era o único lugar aonde existiam soldados prontos pra combate e mantendo uma guarda fixa.
Eu congelei por meio segundo e levei um tapa de um orc agigantado.
Olhei para os orc’s e contei quantos deles, calmamente dessa vez. Estávamos amarrados em um bastão que servia de apoio para uma pequena tenda de guardar mantimentos. Eles eram quase 30 deveriam estar ali a um dia, talvez dois. Nós provavelmente tínhamos passado por eles sem os ver no meio da floresta.
E não existia nada entre eles e Altanahi.
Eu olhei para Don assustado, tentando imaginar se ele tinha percebido isso. Mas Don não estava assustado, porque ao contrário de mim ele tinha talento para a mágica:
- Uteta.
Ele tinha desamarrado a sua corda.
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O lobo oscilou de novo, e acabou acordando diante de humanos.
Estava fraco demais para fazer qualquer coisa, então simplesmente olhou para aqueles 3. Dois quase homens e um garoto, amarrados e surrados. Presas dos orc’s tanto quanto ele. Ele sabia que qualquer um deles poderia matá-lo sem piedade, e ele poderia matá-los se tivesse forças.
Mas surpreendentemente um deles se aproximou e colocou uma mão diante do seu focinho.
Sentiu o seu cheiro e olhou para aquele homem estranho que se apresentava para ele como se fosse um lobo, mas devia estar imaginando coisas porque tão rápido quanto aquela mão tinha surgido ela desapareceu.
Um orc chegou próximo aquele lugar por um momento, olhou as redondezas e foi embora. O lobo nunca soube quanto tempo se passou enquanto ele fazia isso porque sua vista ficava piscando e sua cabeça oscilava.
Então o lobo chorou.
Não era um choro de mágoa, não era um choro de dor, embora fosse bem possível devido aos ferimentos. Era algo diferente de tudo que aquele lobo já tinha sentido. Porque enquanto ele sua perna sangrava de modo horrível e doloroso e ele era aprisionado pelas mais cruéis das criaturas junto com três humanos imberbes ele olhou por um momento para o céu e viu algo impossível.
Neve.
Então o lobo entendeu que ele chorava de esperança.
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