Finalmente....
7 - O Mestre
Era Jane. Alice May sabia que era Jane e mesmo assim seu dedo se comprimiu contra o gatilho.
- Olá, Alice May – disse Jane. Ela não olhou para os recém-mortos que havia à sua volta nem se deu o trabalho de desviar da poça de sangue que se alastrava. – O Mestre disse que você viria. Devo deter você, porque não atiraria em sua própria irmã.
Ela sorriu e pegou uma pistola de cima da mesa. O dono havia escorregado, deixando um rastro molhado de sangue, pele e tripas nas costas da poltrona.
O dedo de Alice May puxou o gatilho e ela atirou em Jane. Apenas um último e desesperado esforço de vontade desviou o alvo do peito da irmã para o seu braço direito.
- O Mestre está sempre certo – repetiu Jane com uma serenidade confiante. Começou a erguer a pistola.
Dessa vez Alice May não foi forte o suficiente para resistir ao impulso inexorável do rifle. Ele estava apontado diretamente para o peito de Jane e não havia como virá-lo para outro lado.
O tiro soou mais alto que todos os outros e seu efeito foi mais terrível. Jane desabou no chão. Estava morta antes mesmo de juntar-se aos corpos empilhados no chão.
Alice May pisou nos cadáveres e ajoelhou-se ao lado de Jane. Lágrimas escorriam pelo seu vestido como a chuva no vidro. O tecido branco não ficava manchado. O sangue e a pele dilacerada se desviavam dele, assim como a poeira.
“Mas com suas mãos era diferente”, pensou Alice May. Suas mãos nunca mais estariam limpas.
- Nada acontece em Denilburg – Alice May sussurrou.
Levantou-se e abriu a porta que dava para o balcão traseiro. Para a cidade reunida e o Mestre.
Ele estava berrando quando ela saiu, os braços erguidos acima da cabeça, descendo para bater com tanta força no balaústre que ele tremia sob seus punhos.
Alice May não escutou o que ele disse. Ela apontou o rifle para a parte de trás da cabeça dele e puxou o gatilho.
Um clique seco e triste foi o único resultado. Alice May puxou a alavanca. Uma bala foi expelida, o metal tilintou e rolou do balcão para os trilhos lá embaixo. Ela puxou o gatilho mais uma vez, ainda sem resultado.
O Mestre parou de falar e se voltou para olhá-la.
A estrela de Alice May resplandeceu. Ela teve de cobrir os olhos com o rifle para poder enxergar.
De perto o Mestre não parecia grande coisa. Era mais baixo que Alice May e seu cavanhaque era ridículo. Era só um homenzinho engraçado. Até que se olhasse em seus olhos.
Alice May queria não ter feito isso. Os olhos dele eram como o corredor sem fim, estendendo-se até algum lugar inominável, um vazio onde nada humano poderia existir.
- Então você matou sua irmã – disse o Mestre. Sua voz era quase um murmúrio, e os gritos e clamores haviam sumido. Não havia dúvida de que todos, do lado de fora do trem, ainda podiam ouvi-lo. Quando queria, ele tinha uma voz que se projetava sem esforço. – Você matou Jane Elizabeth Suky Hopkins. Assim como matou Everett Kale, Jim Bushy, Rosco O’Faln, Huberth Jenks e o velho Lacker. Isso sem mencionar meus homens que estavam no trem. Você seria capaz de matar a cidade inteira para chegar até mim, não é?
Alice May não respondeu, apesar de ter ouvido a multidão se mover e arfar. Ela soltou o rifle e sacou um revólver. Ou tentou. Ele ficou preso no coldre. Ela tentou o da esquerda, mas este também estava emperrado.
-Não é tão fácil assim, não é? - sussurrou o Mestre, inclinando-se para falhar-lhe em particular. Seu hálito tinha o mesmo odor da sala que ela havia deixado para trás. De sangue e merda e terror. – Há regras, sabe, entre o tipo de gente que nós somos. Você não pode sacar a arma até eu sacar a minha. E por mais que seja rápida, eu sou mais. Tudo o que você fez foi por nada. Todas essas mortes. Todo o sangue em suas mãos.
Alice May recuou para lhe dar espaço. Não ousou olhar para a multidão, nem olhar para os olhos do Mestre novamente. Em vez disso, olhou para as mãos dele.
- Você pode desistir, sabe – o Mestre murmurou. – Ocupar o lugar da sua irmã, a meu serviço. Até mesmo na minha cama. Ela gostava disso. Você também vai gostar.
O Mestre lambeu os lábios. Alice May não olhou para sua língua comprida, pontuda, parecendo de couro. Ela observava suas mãos.
Ele recuou um pouco, ainda sussurrando.
- Não? É sua última chance, Alice May. Junte-se a mim e tudo ficará bem. Ninguém vai culpar você por matar Jane e as outras pessoas. Pois eu vou lhe dar um...
A mão dele fez um movimento rápido. Alice May puxou a arma.
Ambos atiraram ao mesmo tempo. Alice May sequer sabia de onde ele tinha tirado a arma. Sentiu um golpe brutal em seu peito e bateu contra o balaústre do balcão. Contudo, manteve o revólver apontado para o Mestre em centro fixo e a mão esquerda erguia o cano enquanto ela puxava o gatilho uma... duas... três... quatro... cinco vezes.
O revólver estava vazio. Alice May deixou-o cair no chão e ela também caiu, apertando o peito. Não conseguia respirar. Seu coração martelava com a consciência de que tinha sido baleada, de que aqueles eram seus últimos segundos de vida.
Algo caiu na mão dela. Era quente, quente a ponto de queimar. Ela contemplou aquilo com um olhar estúpido, enquanto a palma de sua mão ardia. Por fim, viu que era uma bala, um projétil disforme que não era de chumbo, e sim uma espécie de pedra branca e pálida.
Alice May soltou a bala, mas não tão depressa a ponto de evitar uma queimadura profunda, que deixaria cicatriz. Tentou respirar mais uma vez e conseguiu, embora sentisse uma dor aguda e penetrante nos pulmões.
Olhou para o peito, esperando ver sangue. Mas seu colete continuava limpo como sempre, à exceção de um buraquinho redondo no lado direito, paralelo com a estrela de prata que se apagava à esquerda. Cautelosamente, Alice May tateou ali. Mas suas mãos só sentiram os fios entrelaçados. Não havia buraco no vestido, nem sangue.
Alice May sentou-se. O Mestre estava deitado de costas do outro lado do balcão. Agora ele parecia apenas um homenzinho morto. O pavor que Alice May sentira por causa dele já desaparecera.
Ela rastejou até ele, mas antes que pudesse tocá-lo, sua carne começou a vibrar e se mexer. Ele rastejava e tremia o rosto passando de rosa avermelhado a prateado desbotado. Em seguida, o corpo do Mestre começou a se liquefazer, a se tornar prata líquida de verdade, da mesma cor. O líquido se esparramava por suas roupas, derramava pelo chão e caía num ralo de bronze que havia no canto. Logo não havia nenhum rastro dele, afora a pistola automática, uma pilha de roupas e um par de botas vazias.
Publicidade:
Jogue Tibia sem mensalidades!
Taleon Online - Otserv apoiado pelo TibiaBR.
https://taleon.online







Curtir: 




Responder com Citação
