CAPÍTULO 6 - NADANDO
Pela janela do farol, na Taverna, Svan assistia sorrindo o corpo de Hardek ser carregado por Arksoul. Aos poucos, a Armada Inversa ia deixando a cidade de Carlin pela entrada leste. Com o sobretudo de Melchior nas mãos, recuou alguns passos e olhou para a cama, onde Liana dormia. Sentiu um enorme peso de cansaço sobre o corpo, lembrando-se com alegria da explosão de fúria da garota. Depois do banho, o Capitão não carregava mais as faixas sobre o abdômen e o ombro esquerdo, já que as marcas do ataque de Mercy já haviam desaparecido quase que por completo, as únicas marcas que restavam eram as queimaduras do recente golpe de Hardek. Afundou-se na poltrona confortável do quarto cuidadosamente esculpido sobre a Taverna, cedido de bom grado pela dona da mesma, Bambi Bonecrusher. O quarto era todo pintado de cor creme, o que dava a ligeira sensação de sono ao Capitão, que já estava bastante cansado. O abatimento daquele quarto fez com que ele cochilasse.
Svan descansou por vários minutos, mas não passou de uma hora. Foi acordado por si próprio, de repente, com uma grande idéia na cabeça. Ele sorriu, apanhando seu equipamento e vestindo-o sobre o corpo. Liana ainda dormia, e já eram cinco da tarde.
A Armada Inversa está alarmada... não vão nem me notar - Svan sorria por dentro, tentando fazer o menor ruído possível. Embainhou nas costas sua espada, e tentando não acordar a garota, apanhou o cinto de runas que pertencia a ela. Desceu rapidamente as escadas.
- Capitão... onde pensa que vai?
- Bambi, tenho coisas a resolver. Venha, vou lhe falar rapidamente pois preciso sair.
Desceram até a Taverna, e Bambi o levou até os aposentos da adega interna. O ambiente era confortável, todo de madeira, e dezenas de fileiras de vinho destacavam-se no centro da sala. No canto inferior direito, havia uma pequena sala abobadada, externa à adega. Nela havia uma mesa e cerca de doze poltronas em seus arredores, no canto uma pequena banca com algumas bebidas, e do lado esquerdo uma lareira realmente grande.
Uma sala para reuniões secretas. Sentaram-se e Svan nem sequer se desequipou de suas armas.
- Bambi... eu preciso retirar Olk e preciso matar Arksoul, antes de pensar em dar os próximos passos. Eu sei que Arksoul costuma dormir na torre mais alta do lado esquerdo... vou tentar matá-lo antes de descer às prisões e retirar Olk de lá. Conheço totalmente a arquitetura do Castelo, e eu tenho quase certeza de que não falharei.
Bambi Bonecrusher olhava abismada para o Capitão.
Desafiar sozinho todo o armamento da Armada Inversa, Svan? Você enlouqueceu de vez?. Ouviu o que ele dizia sem se manifestar, até que algo chamou sua atenção.
- ... e eu quero que Josh continue dormindo. Se eu morrer, nomeie-no Capitão da Armada.
- Capitão da Armada de Eloise, Svan? Josh? O garoto tem menos de trinta anos, Capitão!
- Eu sei perfeitamente o que estou fazendo, Bambi. Faça o que estou dizendo.
- E como vai para Thais? De barco?
- Nadando.
Ele enlouqueceu - cada vez mais a mulher tinha essa convicção.
- Ordene aos soldados inferiores para que reconstruam a cidade o mais rápido quanto for possível. Caso faltem recursos, abra os cofres da Armada e gaste o que precisar, você tem a combinação. A Feira das Décadas é amanhã, e apesar de ser inútil para mim, será um marco para a cidade e Eloise, com certeza, deseja que tudo corra bem.
Bambi acenou com a cabeça, observando enquanto Svan vestia um sobretudo azul com um buraco no meio. Quase às seis da tarde, o Capitão deixou a Taverna.
- Ele está ficando louco! Crunor, proteja nosso Capitão!
* * *
Svan deu algumas braçadas dentro da água em direção a Edron, onde encontrou o bote que Josh prometeu que estaria lá, preso a uma leve âncora. Ele desprendeu-no dela e em seguida pôs-se a remar em direção à cidade de Thais. O plano era perfeito: o sonar marítimo geral não detectava pequenas embarcações. Sendo assim, ele aproximaria-se da metrópole sem ser notado, entraria na cidade sem precisar assinar o visto, e poderia agir livremente desde que nenhum guarda da Armada o reconhecesse. Depois de um bom tempo remando, Svan chegou à margem oposta. Retirou do cinturão de runas uma pequena pedra acinzentada e com um desenho estranho, transparente, no centro. Disparou-na contra o bote e este tornou-se transparente. Colocou o capacete pessoal - este que não era o mesmo da Armada -, e cobriu a cabeça com o capuz do sobretudo.
- Com licença, senhor - um soldado da Armada Inversa aproximava-se -, preciso de seu nome e de três moedas de ouro pra que trafegue por aqui.
- O que acha de um pequeno golpe, e esquecemo-nos do nome?
O soldado franziu o cenho e recuou dois passos. Mortal e eficaz, Svan sacou a espada e cravou-na no estômago do guarda. Tomou suas roupas e escondeu as que usava em outro local. Naquele momento, o inocente soldado jazia no fundo do oceano. Em alguns minutos, Svan era oficialmente um soldado da Armada Inversa, infiltrado.
A cidade de Thais é a maior do continente - não era por menos, era a residência do Rei -, e era também a mais movimentada e de mais longa existência. O Rei sempre fez as Feiras de Décadas em sua cidade, mas perdeu no parlamento geral esse direito naquele ano para a Rainha Eloise. No desespero, o Rei tentou dizer que a cidade não tinha estrutura para abrigar esse montante de pessoas, mas foi em vão: Carlin é quase tão grande quanto Thais.
- Crunor - Svan sofreu um baque mental. - É por causa dessa maldita feira que estamos em guerra!
Caminhou rapidamente por um longo caminho de paralelepípedos, que dariam nos fundos do Castelo. Svan só pensava em procurar Mercy, apesar de seu objetivo ali ser outro. Escalou uma árvore que dava direto no quarto de Arksoul, a fim de poder entrar. Seus olhos percorreram totalmente a torre do Castelo, até encontrarem a janela, que estava aberta. Segurou-se em um galho e lançou seu corpo adentro, mas não avistou ninguém dentro do recinto.
- Maldição - praguejava -, Arksoul ainda não veio para o quarto!
Avançou alguns passos, quando sentiu uma aproximação às suas costas. Um leve som de metais se chocando foi ouvido, e ele sabia que alguém estava desembainhando uma espada, mas não houve tempo para ficar de frente à pessoa que se aproximava atrás.
- Parado, Capitão. Vire-se de frente, bem devagar.
Aos poucos, ele foi girando nos calcanhares, cuidando de cada movimento para não ser interpretado como agressivo.
Droga, estou na mira desse maldito e completamente rendido. Quando virou-se totalmente, Svan sentiu seu coração gelar. Um jovem rapaz corpulento para sua idade, de cabelos médios e avermelhados, segurava uma espada em sua direção.
- Josh?
- Ah, Capitão! Tão sombria a traição dos homens, não é? Ah, Svan... foi tão fácil, acredite!
Svan não acreditava no que via. Josh estava na sua frente, com arma em punho, pronto para matá-lo.
- JOSH? VOCÊ É O TRAIDOR! DESGRAÇADO!
- Ah, meu doce Capitão... na situação em que está, recomendo que não fale muito alto. Eu aguardei aqui exatamente porque queria este momento, nenhum dos soldados da Armada Inversa tem conhecimento de seu pequeno passeio em Thais.
- Josh... como pôde?
- Ah, Svan - Josh começava a rir. - Foi tão fácil. Meu plano foi perfeito, incriminar Mercy e limpar minha barra. Mercy nunca me deixou agir, sempre esteve no meu encalço! Maldito... mas foi fácil tirá-lo do meu caminho. Quando você foi nos contar sobre o plano para pedir ajuda à Olk, minha feição de cansado foi tão bem ensaiada quanto possível. Você me mandou dormir, Mercy se antecipou a mim e veio para Thais, na esperança de me deter. Não teve muito êxito: ficou um bom tempo correndo dos soldados. Em Venore, fui comandar as ações na captura por Olk, mas Mercy novamente estava lá, testando minha paciência. A partir daí, foi fácil: uma mentira ou outra, e você caiu como um pato!
Pela primeira vez, Svan sentiu remorso. Ele havia incriminado falsamente um inocente, e o orgulho era muito grande mas foi abalado naquele momento.
Preciso pedir desculpas a Mercy antes de morrer.
- Ah - Josh continuava -, como você vai morrer aqui, muito obrigado. Serei o novo Capitão da Armada. Arksoul sabia que você faria isso, meu doce Capitão... o plano foi perfeito. Uma coisa pela outra. O Rei queria a cabeça de Eloise, e eu queria o seu cargo. Uma troca de favores. Perfeito.
O corpo de Svan gelou-se novamente.
Errei, redondamente! Josh é muito inteligente! Coloquei o futuro de Carlin em risco! Instantaneamente, Svan sacou sua espada e estava com ela cruzada com a de Josh. O movimento foi muito rápido, e não houve tempo para que o mais jovem o golpeasse. Svan teria uma luta, não morreria como um covarde. O som de espadas tinindo e passos ríspidos sobre o chão arenado fizeram com que a luta tomasse calor rapidamente. Svan golpeou na altura da cabeça, mas foi facilmente neutralizado por Josh. O mais jovem contra-atacou com um golpe na cintura, que foi facilmente driblado pelo mais velho. Svan então deferiu um golpe profundo na carne do braço direito de Josh, que contra-atacou cortando-lhe a barriga. A luta já tomava boa proporção. Um baque surdo, o Capitão havia acertado com a lâmina da espada num dos mastros da cama, rachando-no no meio. Quando uma das espadas caiu no chão. Svan estava desarmado, e a mira da espada de Josh fazia-se presente em seu pescoço.
- Capitão, Capitão... esperei mesmo que fosse um dia fácil. Adeus, Capitão!
Josh avançou com a espada em punho, mas aconteceu o inesperado. Svan moveu-se rapidamente se desvencilhando do golpe e empurrou Josh contra o mastro quebrado. Uma parte da madeira estava pontiaguda. Foi a parte que penetrou nas costas de Josh, fazendo surgir à frente, no peitoral. Svan fechou o punho e cerrou-no contra a mão aberta, na altura dos olhos, fazendo assim o símbolo real da Armada Inversa.
- Vitória limpa, Josh.
Agonizando, o garoto morreu lentamente. Svan retirou o corpo do garoto e o atirou pela janela, vendo-o prender-se contra as árvores que estavam ao lado da torre de Arksoul. Tomou sua espada e se esgueirou vagarosamente para a escada que seguia em direção às prisões do Castelo.
* * *
Mercy estava na cela ao lado de Olk nas prisões. Deitado na pequena rede de pano esticado, observando o teto de pedra moldada, ouviu a voz seca que vinha da cela ao lado: a cela de Olk. Levantou-se e aproximou-se da grade para entender melhor.
- Mercy? Está me ouvindo? - Olk cochichava.
- Sim, Guerrilheiro - a altura de voz era recíproca.
- Dê parabéns a Svan quando ele chegar aqui embaixo, Mercy. Josh está morto, neste momento.
Mercy arregalou os olhos.
Velho macumbeiro....
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Ainda aguardo por comentários, amigos. O roleplay está se aproximando do fim. Obrigado.