CAPÍTULO 1 - MELCHIOR ESTÁ MORTO, CAPITÃO.
Eram quase seis da tarde, num dia frio no velho continente. Todos caminhavam pela cidade de Carlin com o sentimento de festa e alegria: no fim de semana seguinte, haveria uma feira especial, chamada Feira de Décadas. Como o próprio nome já diz, ocorre a cada década, ou seja, dez anos. Essas feiras eram conhecidas por atrair principalmente os ricos cavaleiros, arqueiros e magos aos comerciantes devido à grande leva de raridades que estariam por eles expostas diante de tantos guerreiros, abarrotados de dinheiro. A feira, que se dava em Carlin, estava a dois dias do seu começo, portanto, era uma quinta-feira especial na movimentada cidade.
- Boa tarde, Melchior. É bom vê-lo.
- Boa tarde, Seymour. Fazendo uma visita a este velho continente?
- É uma Feira de Décadas, Melchior. Quase todos os habitantes de Rookgaard foram liberados por Tibianus para comparecer a Tibia neste fim de semana. Só espero que a feira seja como eu imagino que será, afinal, a passagem de Rookgaard até aqui não foi nem um pouco barata.
O velho fez um sinal com a cabeça e continuou caminhando. O velho mago era conhecido, também, nesta feira - sua família toda tinha passados de bons vendedores em Feiras de Décadas, e sua linhagem era conhecida por sempre trazer novas formas de negociações e ítens cada vez mais raros. O modo pelo qual a família Heavenclaw negociava era cativante, afinal, eles sempre conseguiam vender toda a mercadoria de estoque nestas feiras.
Melchior era um mago conhecido também por suas habilidades com um cajado nas mãos. Era um dos poucos magos que seria capaz de desafiar qualquer um outro no continente. Melchior sabia, de fato, que seu poder não poderia ser superado nem pela Rainha Eloise, mas o Rei Tibianus representava um real desafio, quando num embate frente-a-frente. Obviamente, Melchior nunca ousou desafiar o Rei, mas por diversas vezes se pôs em confronto contra outro poderoso mago: Hardek, o vice-capitão das tropas de Thais. O único motivo pelo qual Melchior estava ameaçado, era o fato de que Hardek foi derrotado por ele no último confronto entre ambos. De fato, Hardek nunca poderia contar o acontecido ao Rei, desde que a missão da Armada Inversa, assim chamadas as tropas de Thais, era apenas perseguir os fugitivos e procurados da justiça thaisiana, e nunca para interesses próprios.
Melchior já era velho, devia ter em torno de seus cinqüenta anos, não menos que isso. A vasta experiência o distingüia de todos os outros magos de sua idade, desde que além de caçador nato, era também um grande comerciante. O sobretudo azul que usava realçava ainda mais seu ar de superioridade, que de fato tinha sobre os magos mais fracos que o viam como espelho. Melchior nunca gostou da fama, mas também nunca a injeitou, desde que tivera feitos que jamais algum outro fizera. Sentia calafrios naquela noite, que com certeza não eram provenientes do frio que fazia. Melchior pressentia que alguma coisa ia mal na cidade.
Essa não foi uma forma de se livrar de seu destino. Às seis e trinta, Melchior sente o baque de uma forte runa o acertar pelas costas, quando cruzava a entrada norte de Carlin. Ajoelhou-se, pois perdeu a força sobre as pernas.
- Melchior, Melchior. Você acha que existem apenas relações humanas com esta morte, meu velho?
- Vai... pro inferno - susurrou Melchior, sem chances de dizer algo aproveitável, àquela altura.
- Bem, Melchior. Sua vida acaba aqui. O Incubo ficará satisfeito - dizia o misterioso homem, sorrindo ironicamente.
Perdendo os sentidos pouco a pouco, Melchior acertou com a face no chão violentamente, pois já não tinha mais controle sobre o corpo. Estirado no chão, de bruços, estava Melchior, morto. Um dos maiores magos do continente, já não vivia mais.
* * *
A correria nas grandes cidades, e as embarcações lotadas, animavam tanto os capitães quanto as hotelarias e pousadas da cidade de Carlin. Cada vez chegavam mais pessoas à grande cidade, em busca de lugares para se hospedar e não perder a feira. As hotelarias e pousadas estavam à toda, e nunca se vira tantas pousadas na cidade de Carlin - imagina-se que cada comerciante via naquilo um novo modo revolucionário de se enriquecer até o dia da feira.
A movimentação pela entrada oeste de Carlin cedeu, por alguns instantes. Por ali, vinha um distinto cavaleiro, levando no rosto as marcas da guerra, não em forma de cicatrizes ou coisas parecidas, mas sim em forma de experiência e exatidão em movimentos. A armadura pesada, que nem sequer fazia diferença ao corpo do cavaleiro, trazia, essa sim, as marcas reais da guerra: arranhões e perfurações. Nas costas, uma espada como pouco se vira, apesar de tantas pelo continente: não era mais que uma
Espada Mágica, que pode ser conseguida pelos guerreiros que desafiam o inferno. Porém, chamar aquilo de uma simples Espada Mágica seria ironia, desde que apesar de todas as situações pelas quais estivera envolvido a colocara em combate, esta não perdia o brilho e o fio, independente de tudo que a faria supostamente se deformar. Tal cavaleiro foi imediatamente reconhecido por Josh Bonecrusher, um dos soldados da Armada de Eloise, que cuidava do portão oeste naquele momento.
- Capitão Svan! Capitão Svan! Bem vindo de volta a Carlin, Capitão!
- Obrigado, Josh. A movimentação por aqui é grande, presumo eu - sucederam-se, então, algumas risadas provenientes de Svan -. É a tal da Feira de Décadas, estou certo?
- Exatamente, Capitão. E o prisioneiro que estava em Folda? Obteve sucesso na captura?
- Quanta bobagem. Ah, não. Ele morreu de frio antes que eu o fizesse. Bom, Josh, vou andando. Devo comparecer rapidamente ao castelo, para que possa fazer um protocolo direto à Rainha sobre o seu magestoso sobrinho foragido. Boa sorte, Josh. Volto mais tarde para checar os trabalhos de perto.
- Foi bom vê-lo, Capitão.
Svan era um exemplo para todos os jovens cavaleiros. Sua mãe morreu quando tinha apenas seis anos, e desde então até os quinze, foi treinado pelo seu pai para ocupar ao menos o cargo de Co-Capitão Chefe da Armada. Svan conseguiu mais que isso: quando chegou aos vinte anos, já era o Capitão dos Capitães na Armada de Eloise, o cargo máximo pelo qual um futuro-sonhador Capitão deve esperar. Svan tinha personalidade forte, apesar de não ser orgulhoso. Quando precisou matar, não hesitou. Obviamente, tentava de todas as formas para que essa fosse a última opção, de fato. Svan completaria exatos trinta e cinco anos, no final de semana. A feira não o caía como um bom presente, porque para ele não passava de besteira.
Quando chegou nas proximidades do castelo, o corpo de Melchior ia sendo removido.
- Bambi! O que está acontecendo por aqui, por Crunor?! - falava Svan, aos berros.
- Ah, Capitão. Bem vindo de volta. Eu apenas...
- Sem enrolações, Bambi Bonecrusher! O que há com Melchior?
- Não existem mais comerciantes como antigamente, Svan. Não há mais decendência, a família Heavenclaw chegou ao fim. Melchior está morto, Capitão.