Volto aqui, demois de tempos longe. XD

Vou ser breve. Esse capítulo serve de continuação para o capítulo IV. Quem não lembra favor ler novamente.

Exiva "Comentário do Tazyo
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Capítulo X
Uma Catedral

Fafnar tentava escapar das garras de Suon em meio ao horizonte. Sem ter por onde fugir, Fafnar escolheu descer ao extremo do inferno, como de costume, para levar Suon para seu território favorito. E com a ausência deles nos esplendorosos céus, a penumbra envolveu como um manto o planeta. As monstruosas sombras da noite invadiam as selvas fechadas e atraiam os mais desesperados espíritos para uma convenção de horror.

Os uivos do vento cortante da noite não assustavam a Etep, que permanecia impassível em sua aconchegante cadeira de madeira. Para quem passara a vida inteira sentado em pedra, de tocaia, o precário móvel era suficiente. Ele abriu sua boca e engoliu um líquido amarelado gelado, que estava repousando em seu copo retorcido.

Ele fechou seus olhos momentaneamente, como um reflexo, e depois os abriu para checar a imagem que via durante algum tempo. Pousou seus olhos no estranho sentado ao seu lado, que bebericava seu Bloody Mary como se não tivesse vontade de ingerir álcool. Etep abafou um risinho, e logo viu que os catastróficos efeitos do Bloody Mary faziam efeito. Ninguém conseguia tomar aquilo. De tão ruim que era.

H.L. permanecia em silêncio profundo, como se ignorasse o estranho fato de estar sentado ao lado de um maluco que se auto denominava “Zak” e que mal podia agüentar o cheiro do drink que pedira. Etep cutucou-o com os pés – obviamente por debaixo da mesa – e abafou uma risadinha de mal gosto. Zak pareceu nem perceber.

Decorridos poucos minutos – eternidades – Etep soltou um suspiro vindo do fundo de seus pulmões e espreguiçou-se. Bocejou longamente e depois escorou a testa na borda da mesa, como se quisesse dormir.
- Se está tentando parecer cansado, faça direito – Disse Zak sem tirar os olhos de seu Bloody Mary.
- Do que está falando? – Disse Etep meio cansado. Ele bocejou novamente e se escorou na cadeira.
- Você esta movimento demais seu pés para quem está cansado – Disse Zak, ainda hipnotizado pelo drink. Ele apontou os pés da mesa e Etep tratou de acalmar seus incontroláveis pés. H.L. soltou uma gargalhada alta que ecoou pelas paredes de pedra da sala.

Zak ergueu os olhos para a escada podre e falou, mal movendo seus lábios:
- Anoiteceu.
H.L. tomou um gole de sua cerveja e concordou com um gesto de cabeça. Ele apurou os ouvidos e espreguiçou-se.
- Parece que vai chover.
- Talvez sim, talvez não. Depende de Fardos – Disse Zak. Ele pegou seu drink e tomou todo o copo – quase cheio – em um só gole. Ele limpou os lábios com a manga do casaco e soltou um sonoro arroto. Etep torceu a face.
- Afinal, quem é você? – Indagou Etep, mirando o estranho.
- Alguém – Ele disse, erguendo-se – Acho que mais do que ninguém, você saberia disso. Venham.

***

Zak saiu do estabelecimento meio encoberto por seu casaco. O vento ululante chicoteava pelo solo em meio ao vilarejo, erguendo nuvens de poeira que bailavam pelos céus. As folhas e galhos – por mais ramosos que fossem – eram arrastados por entre a selva e levados aos extremos do acampamento. Nuvens negras devoravam o céu límpido e ocultavam a beleza da formosa lua que brilhava naquele instante. A luz das estrelas era substituída pela luz ameaçadora dos raios que nasciam por entre as nuvens. Gotas de água caíam vez ou outra, atingindo tudo aquilo que desafiasse o tempo.
- Vai chover – Ele disse, percebendo a afobada movimentação ao seu redor.

Ele virou-se e arrumou seu casaco de modo que cobrisse suas costas. Soltou um risadinha baixíssima – quase inaudível – ao ver a cena que ocorria nas escadas. Etep tentara sair rapidamente, mas acabou prendendo sua capa em um prego saltado na estrutura de madeira. H.L. tentou ajudar, mas acabou resvalando em uma poça de água e caindo sobre a escada, derrubando-a. Etep se equilibrou por um pouco de tempo a mais, e então caiu ao lado do lojista.

- Ai – Gemeu H.L. ao conseguir estabilizar-se em pé. Sua perna latejava muito e estava plenamente arroxeada. Ele mancou até o balcão do estabelecimento e requisitou um pouco de gelo. Decorridos poucos segundos, Etep gritou.
- O cara já saiu. Argh, essa porra da doendo.
- Mas porque ele iria sair agora? – H.L. praguejou baixinho e fez um gesto obsceno para o balcão – Vá se ferrar.
- Esculachar o cara que nem ta aqui não via salvar sua perna caro H.L. – Zak gritou do alçapão.
- Tudo culpa sua – Disse Etep. Ele gritou de dor enquanto esfregava seu braço. A última vez que ele levara um tombo feio daqueles fora em sua infância, quando despencara de uma árvore no pátio de sua casa. Naquele dia, ele quebrou o braço. Teve que ficar semanas sem pegar em uma espada, o que certamente o marcou muito. Etep compensou o tempo perdido em um treino mais árduo. Graças ao tombo, ele tornara-se um cavaleiro melhor.

- Eu os convidei para nos retirarmos da taverna – Disse Zak olhando os “restos mortais” da escada de bambu, estatelados no piso de madeira – Podiam ter bebido mais.
- Vamos para minha casa – Disse H.L. ofegando – a taverna possui uma conexão com o subsolo do prédio ao lado a minha loja.
- E como você espera que eu desça ai? – Zak pediu.
- Vá para minha loja. É uma construção modesta ao lado do maior prédio do campo.
- Ta bom Sr. Perna Vermelha – Disse Zak rindo.

***


Zak caminhou pelas ruas desertas do campo fitando as humildes construções erguidas com madeira – contrabandeada, provavelmente. A chuva agora caia como um turbilhão sobre a relva, enlameando o caminho por entre as árvores. Com a paisagem desfigurada pela tempestade, Zak levou um certo tempo para localizar o maldito prédio.

Zak passou os olhos pelo nível térreo do campo, pelas redondezas do tal prédio. Não demorou a encontrar um casebre de madeira podre ameaçando cair ao lado dele. Zak torceu a face e empurrou a porta, que abriu com um rangido.
- Vou lhe apresentar a chave – Ele sibilou para si mesmo. Zak ouviu seus passos ecoarem pelo limitado espaço, dividido em dois ambientes. Um atrás de um balcão imundo, e outro em frente ao balcão imundo.

Atrás do balcão estavam distribuídas estantes de pedra, repletas de papéis, armaduras, armas enferrujadas e outras tantas quinquilharias. Zak sentiu uma pontada no coração. O lugar lembrava muito o escritório de seu pai, na bela Edron. Zak passou a infância lá, até seus pais serem empalados em lanças encantadas por um grupo de necromantes encapuzados a nome de um certo Culto. Os mercenários o perseguiram durante três luas em meio a um bosque escuro e tenebroso. Zak escapou para Cormaya, de onde partiu para Venore. Lá, se criou sozinho pelas ruas, comercializando qualquer porcaria para ganhar o pão de cada dia.

Certo dia ele encontrou um feiticeiro que gostava de explorar as raízes de Tibia. Graças a ele, Zak pode descobrir quem eram os tais necromantes, quem os liderava e quais os planos deles. Desde então, Zak decidiu investigá-los e destruí-los, não apenas por vingança. Mas também para evitar uma tragédia. Zak precisava de aliados para o grande golpe que planejara. E H.L. e Etep seriam esses aliados.

Ele ouviu um som abafado vindo de trás de uma porta mal recostada a um buraco aberto na parede atrás do balcão. Ele colocou sua mão esquerda sobre sua espada e preparou para pegá-la, quando a porta caiu. Uma nuvem de poeira ergue-se, e dela saíram Etep e H.L. Um apoiado no outro.

- Achei que tinham morrido – Zak disse ocultando sua arma no casaco. Ele ajudou H.L. a sentar-se sobre o balcão e deu as costas para Etep.
- Igualmente – Disse o cavaleiro fazendo cara de nojo. Ele viu Zak encarar o nada por algum tempo, e depois virou-se.
- A julgar pela tempestade – Zak começou a falar, fitando o assoalho – Nosso tempo é curto. Por isso vou tentar ser o mais breve possível.
Zak tirou um livro do casaco e abriu-o sobre o balcão. H.L. e Etep se aproximaram para ver melhor. Zak folheou até encontrar um papiro meio amassado e rasgado. Ele pegou e exibiu para os dois. Havia o desenho de uma catedral, feito a carvão.

- Isto meus amigos é o que um dia foi um símbolo de poder que marcou época na história das Planícies do Caos. Lhes apresento meus caros, a formosa e esplendida Catedral da Irmandade!
H.L. olhou para as formas retorcidas retratados no tal papiro. Forçou os olhos para identificar a vista frontal de algo que assemelhava-se a uma construção com duas torres nada humildes sobre sua cobertura. Não havia cores para imaginar a estrutura em si, muito menos o interior do lugar. Mas ao que o desenho transmitia, a catedral não era pobre tanto em arquitetura quanto em recursos artísticos, uma vez que era plenamente possível ver algo que parecia uma vitral em uma das paredes frontais dela. A porta era simples e mal era vista de tão pequena, Sem dúvida isso retratava a imponência da catedral em meio ao cenário que se desenvolvia ao seu redor, que, segundo o desenho era uma área campestre com algumas poucas árvores brotando ao seu lado.

Etep soltou uma exclamação de admiração pelas formas da catedral. Em todas suas trinta e duas primaveras ele nunca vira nada igual, ou que tivesse a honra – ousadia, diga-se de passagem – de desafiar a beleza da estrutura. Etep encheu-se de algo maravilhoso que ele mal podia explicar. Era uma sensação boa, que o fazia ficar extremamente leve, sorrindo, e de bem com tudo e todos ao seu redor. Ele até esqueceu-se de como aquele dia fora, no mínimo, estranho. Ele sorriu e passou as mãos pelo papiro, admirado. Nunca ele havia se admirando tanto com um réles desenho feito a carvão.

Zak recolheu o papiro e guardou-o cuidadosamente dentro do livro. Fechou-o e guardou sem suas vestes. Soltou um suspiro e voltou a falar.
- Vejo que encantaram-se com a bela catedral. Estou certo?
- Não posso dizer que me encantei – Disse H.L. se recompondo – Mas certamente nunca vi nada tão...
- Imponente – Completou Etep, quase em um sussurro.
- Claro, claro – Disse Zak andando em círculos pela sala, Ele pegou uma espada da estante ao seu lado e fez alguns cortes no ar, como se lutasse contra inimigos invisíveis.
- Boa espada – Ele disse. Guardou-a em seu devido lugar e encarou Etep – Mas não tão boa quanto um daqueles espadins feitos de gelo.
- Espadins de gelo? – H.L. soltou uma risada alta, e de tanto ri quase caiu do balcão – Não existem espadins de gelo sua besta!

- Lamento acabar com sua onda caro amigo – Zak disse, mantendo a calma costumeira. Nem sempre ele fora tão calmo. Desde a morte de seus pais tivera que aprender a controlar as emoções. Principalmente nos momentos de fuga em meio a floresta fechada – Existem espadins de gelo.
- É impossível usar uma arma feita de gelo – Etep intrometeu-se, ficando em pé – Ela derreteria.
- A menos que..
- Fosse encantada – Disse H.L. cético.
- Bingo – Disse Zak, sentando-se ao lado do lojista – Era aqui que queria chegar. O espadim de gelo é uma arma não muito grande. Idêntica a uma daquelas adagas comuns em todos os aspectos. Menos sua lâmina, que é feita do mais puro gelo. Mas naturalmente que uma arma dessas derreteria com facilidade, não é mesmo?
Etep concordou, com ar de superioridade.
- Bom. Essas armas são encantadas por um tipo de magia sinistra que eu infelizmente desconheço. Mas parece-me que com essa feitiçaria, a arma não derreteria, mas mesmo assim quebraria após um único ataque.
- Tornando-se inútil – Disse H.L., como se esperasse receber um prêmio e título de “macho alfa”.
- Errado – Disse Zak, puxando outro papiro das vestes – Pelo contrário. A feitiçaria presente na arma a tornaria poderosa ao extremo. Mas ela quebraria após revelar seu extremo poder. Enormes quantias desse espadim certamente fariam um bom estrago.
Zak abriu o papiro sobre a mesa e revelou seu conteúdo. Outro desenho, desta vez de um espadim simples, mas com uma lâmina reluzente e retorcida, preenchida de azul. Era um espadim de gelo. A primeira vista a arma pareceria pouco útil, mas se os relatos do forasteiro fossem corretos, ela seria uma lenda.

- Onde quer chegar com isso? – Etep disse, babando pelo espadim.
- Etep – Zak disse, recolhendo o papiro – Me diga alguma sociedade que possua feitiçaria desse nível.
- A Academia de Magia de Edron? – Ele arriscou, levemente desconfiado da pergunta.
- Errado. O certo seria dizer o Culto.
- Culto? – H.L. repetiu e novamente caiu na gargalhada. Dessa vez Zak fulminou-o com o olhar – Desculpe.
- Sim, o Culto. O Culto é uma sociedade nem tão secreta formada por feiticeiros e feiticeiras que descendem do alto escalão dos necromantes da Irmandade dos Ossos. Já ouviram falar dela?
- Quem nunca ouviu? – Disse H.L. sério – Aqueles merdas acabaram com os Cavaleiros do Pesadelo na guerra das planícies. Usurparam os tesouros deles e juraram ter o mundo em mãos e trazer os sete cruéis de volta a terra.
- Parabéns H.L. – Disse Zak forçando algumas palmas – Pelo menos alguém aqui estuda. Bem, esse culto teria como objetivo ressuscitar e concretizar os ideais da Irmandade. Para isso, eles usam uma feitiçaria desconhecida e complexa. Com ela, desenvolveram coisas como os espadins de gelo, a varinha de conjurador, as botas de andar na água, alguns anéis como o anel temporal, e por ai vai. Com esse poder, nem Fardos sabe do que esse culto é capaz.

- E o que temos a ver com isso? – Disse Etep, mais desconfiado que antes.
- Eu sou um pesquisador de um grupo anônimo que pesquisa e desvenda casos místicos para normais que acontecem por ai. Nos envolvemos com todo tipo de magia negra e vodu que vocês possam imaginar.
- Você é dos caça fantasmas? – Disse Etep. Só ele riu.
- Sim, e você do clube das mulheres frescas – Ele disse com desprezo – Isso é sério. Temos uma forma de invocar a magia da ambiente para descobrir onde uma anomalia está ocorrendo. E duas semanas atrás os medidores piraram. Encontraram uma anomalia bizarra nunca antes vista. Isso quer dizer que uma grande concentração de magia negra está agrupada em algum lugar.
- E que lugar seria esse? – Pediu H.L. sério.
- A Catedral da Irmandade. Tenho quase certeza que é lá que esse tal culto se reúne. Preciso averiguar.

- Averiguar? – Disse Etep, como se perdesse um braço – Então foi pra isso que veio até nós? Vai nos arrastar pra essa catedral.
- Eu estava em busca de aliados – Disse Zak, sem se alterar – Acreditei que vocês dois pudessem ir comigo.
- Nós dois? – Pediu H.L. – Mas porque nós dois? Porque não seus amigos desse grupo ai?
- Duas luas depois da descoberta os necromantes nos atacaram e mataram todos. Eu fugi pra cá em busca de ajuda. Simples assim. Encontrei vocês, certamente pessoas aptas a embarcar nessa aventura. Já ouvi falar muito das habilidades de Etep como espadachim. Um valoroso cavaleiro, sem dúvida.
Etep estufou o peito como se ganhasse o dia.
- E H.L. um conhecedor de diversos campos sobre tudo. Vai ser muito útil nessa jornada.

H.L. permaneceu impassível. Ele suspirou e disse:
- E onde fica essa catedral?
- Me admira que você não saiba – Zak disse. Ele virou-se e olhou pela janela. Os tempos estavam pra mudar. E Etep e H.L. mal podiam imaginar que Zak não os escolhera apenas pelos seus dons.