Batráquio, o Bonelord
"A literatura humana, por meros detalhes de ego, desinteresse e problemas em compreender linguagens numéricas, não contém registros relativos ao ciclo de vida da raça dos "Bonelords", o que implica em um severo desconhecimento de suas peculiaridades, tais como a expectativa de vida dos indivíduos desta raça, métodos de reprodução e informações sobre a existência ou não de um período conhecido como "meia-idade", um mal que aflige os humanos há seculos e que já foi observado em elfos e anões. De fato, nada se sabe se os Bonelords apresentam ou não algo equiparável a uma crise de meia-idade, mas, se apresentam, então o infeliz Batráquio certamente a possui em elevado grau de severidade.
Acometido de uma irritante e inesgotável crise de tentaculite no segundo tentáculo esquerdo, Batráquio passa seus dias enfurnado em sua gruta particular em alguma esquina da Grande e Velha Montanha no coração do Continente, sob a qual foi escavada a cidade de Kazordoon. Além de suas dores musculares e do infinito tédio que o consome, Batráquio também sofre com vícios doentios em colírio, garrafas de leite de coco e biscoitos roubados pelos seus servos defuntos das tendas dos anões. O amuado Batráquio, cuja simpatia e apreço pelas coisas vivas apenas ultrapassam a inteligência de um troll, vê na escrita seu passatempo mais fiel; ainda que a inexistência de braços o impeça de efetivamente escrever, o Bonelord dita suas críticas ácidas à sociedade humana aos seus servos, que as escrevem em interessantíssimos artigos e crônicas, com o intuito de os mesmos serem publicados em periódicos humanos, o que tornaria Batráquio o primeiro escritor de sua raça a ser lido pelos pelados de dois olhos. Infelizmente, o escritor tem encontrado dificuldades em localizar servos mortos que possuam alguma capacidade motora e cognitiva para efetivamente reproduzir suas palavras em alguma forma inteligível de escrita, o que tem seriamente limitado sua produção literária e servido apenas para comprometer seu ânimo e acentuar seu vício em colírio.
Como o universo é regido por misteriosas leis incompreensíveis que os estudiosos mais respeitados chamam de "justiça" e "karma", o intrépido cronista encontrou um problema maior do que a escassez de leite de coco no mercado ao se deparar com uma estranha feiticeira durante uma andança pelo Pântano da Garra Verde. Infelizmente para Batráquio, a bruxa idosa era infinitamente mais sábia e poderosa do que ele jamais poderia ter previsto ou admitido, e, ao se deparar com tamanha grosseria em forma de Bonelord, a ilustríssima sacerdotisa da magia não teve dúvidas quanto à punição adequada para um feiticeiro tão mal educado: transformou-o naquilo que o mesmo mais despresa, ou seja, em um humano.
Preso a um corpo molenga com dois braços, duas pernas e a vergonhosa quantia de meros dois olhos, Batráquio vaga pelo Continente tentando encontrar uma solução para seu problema. Como bom Bonelord que é, o cultíssimo cronista tem encontrado grandes dificuldades para desfazer o feitiço da "vaca esclerosada" (como nosso querido e carismático escritor se refere à sua algoz), uma vez que ele é incapaz de aceitar o fato de que outras raças podem guardar a resposta que ele, em meio ao seu vasto conhecimento em magia, desconhece. Para piorar ainda mais sua situação, Batráquio acabou por descobrir que seus problemas musculares migraram do seu extinto tentáculo para o braço esquerdo, de modo que o feiticeiro tem encontrado grande dificuldade e desconforto em manusear escudos, preferindo assim a companhia dos bons e velhos livros de feitiços.
Presentemente, Batráquio pode ser encontrado perambulando pelas ruas de Thais, eternamente dividido entre a certeza de que ele é capaz de encontrar uma forma de voltar à sua antiga forma sozinho e o desejo de recrutar algum outro feiticeiro poderoso que seja capaz de lhe auxiliar em sua busca. Paralelamente, o Bonelord também esconde outros segredos ainda mais bem guardados que o castigo que lhe foi conferido, alguns dos quais lhe causam muito, muito mais rancor e vergonha do que sua transmutação forçada. Mas este que vos escreve não crê que alguém, algum dia, será capaz de extrair deste necromante tais segredos.
Mas quem sabe uma dose cavalar de leite de coco e biscoitos resolva."