Acordar
Naquela noite, me deu vontade de sair de casa. Assim mesmo, do nada e pra lugar nenhum, sozinho no Rio de Janeiro. Não foi uma daquelas vontades de ir pra alguma festa, chamar amigos e essas coisas. Foi uma vontade espontânea e misteriosa, de sair por aí caminhando acompanhado apenas de seus próprios pensamentos, que na verdade eram tão ou mais misteriosos que a própria vontade.
Não que isso seja estranho, apenas parece estranho. No fundo no fundo, ninguém sabe exatamente no que está pensando ou no que quer, nós só estamos na vida pra caminhar mesmo.
E foi assim, nesse espírito, que eu cheguei na praia. Não posso saber se era aquele mesmo o meu objetivo, porque, como eu já disse, a gente nunca sabe. Joguei a havaiana no calçadão e desci descalço, sentindo a areia fofa, a brisa marítima, o sereno daquela noite estranha e ouvindo o mar sussurrar palavras que não existem. No dia seguinte, já fora daquele transe, eu me arrependi de ter desperdiçado um chinelo assim, sem objetivo. Mas enquanto “aquilo” durou, eu não conseguia pensar em nada, decidir nada por mim mesmo. Era apenas o meu corpo tomando decisões e agindo por si próprio.
Cheguei bem perto do mar, onde eu pudesse sentir aquelas ondas quebrando na areia, e lá na frente o mar se misturando ao céu, de modo que os dois parecessem uma única coisa. Aquela era a magia da praia à noite.
Tudo estava tão perfeito, tão harmônico, até que o som do mar começou a se misturar com o
riff inicial de
Shiny Happy People. Será que eu estava mesmo ficando tão maluco assim? Fiquei um tempo acompanhando a melodia com a cabeça, até que finalmente acordei.
- Alô?
- Não tô conseguindo falar com o Marquinhos, tu tem o telefone do
buffet aí?
- Quê?
- Tu tem o telefone do
buffet aí, cara?
- Como?
- O evento cara! Trabalho! Tu tem o telefone da porra do
buffet?
- Ah, trabalho... não tenho não. Liga pro Felipe.
O evento, trabalho... eu quase tinha me esquecido. Fui até o mar, peguei um punhado de água com a mão e joguei na cabeça. Depois, voltei pra casa, tomei banho, fiz umas ligações e dormi. E a realidade, sempre nos acordando.