Esse capítulo ficou enorme, saiu do tamanho médio dos meus capítulos. Eu podia dividir em 2 partes, mas não.
Ficou confuso, é preciso ter atenção para diferenciar verdade de mentira. E algumas coisas aqui ficaram absurdas, o suficiente para fazer o capítulo perder a lógica e talvez qualidade. Ficou um capítulo no mínimo louco.
Capítulo XXIX
Ser Humano
Druid fitou o pleno vazio que preenchia a sala, não deixando qualquer canto ou fresta escapar. O silêncio o incomodava desde a infância, mas ele teve que aprender a se virar com esse incômodo acompanhante. Nem o som do vento cortante lá fora o fazia despertar. Silêncio absoluto. Ele concentrou em idealizar um aproveitamento perfeito para um momento de solidão e quietude como aquele que ocorria na sala de tortura.
Deitou seu corpo todo sobre uma placa de pedra coberta por palha suja e retorcida. O desconforto realmente não o incomodava. Também aprendera a suportá-lo com o decorrer das décadas. Desde sua infância viveu solitário pelas ruas de Thais. Sempre esteve sozinho, até encontrar uma tal de Ders que lhe deu oportunidades de melhorar. E Jack? Jack não era seu irmão de sangue. O maldito pirralho fora adotado por seu pai. “O preferido”. Druid o detestava, fugiu de casa e alegrou-se quando esqueceu-se do pivete. Mas voltou a encontrá-lo na guilda de Ders, e lá aprendeu a gostar dele. Pena que Jack morreu logo.
Ele olhou para o extremo horizonte. Da sala, naturalmente. Sua visão estava limitada por uma parede de pedra, preenchida por correntes e ossadas humanas podrificadas. Um filete de luz solar penetrou por entre as paredes a iluminou parte de sua face. A luz incomodou seus olhos, os obrigando a fechar. Sem sua visão, mergulhou novamente no terror de poucas horas atrás. Seu joelho nem doía mais. Abriu os olhos tentando escapar das lembranças, mas o que viu trouxe-o de volta aos seus pesadelos. A maldita batina esfarrapada.
***
Os olhos cinzentos sem qualquer vestígio de alma arrepiaram a assustada alma de Drago. Seus olhos tentavam enganá-lo, desfigurando a imagem que se seguia dentro da maldita sala. O homem de branco ergueu-se bruscamente de sua cadeira, derrubando-a com um estrondo. Seus olhos sem alma encheram-se de fúria e pavor. Tremores espalharam-se pelos seus membros e um chiado foi emitido da fenda que transformara-se sua boca. Logo após, ele praguejou e chutou a cadeira caída contra a parede desfigurada pelo buraco.
- MERDA! – Sua voz ecoou pelas quatro paredes e espalhou-se pelas ruas da baixa Thais. Drago paralisou-se de pavor enquanto Alia permanecia inerte.
- Maldição! – Gitre voltou a praguejar. Tentou dar um passo a frente, mas sua coordenação estava embaralhada pelo susto. Ele apontou o dedo nodoso para a testa de Drago e falou em uma língua estranha. Depois traduziu – Espalho o mal por entre seu sangue. Teu coração enegrecerá e travará de sobre-salto. Teus pulmões expirarão a última partícula de ar e teu crânio explodirá. Tua morte virá tão rápido quanto tua vida. As sombras do inferno o puxarão para o reinado do diabo e os Caçadores de Sombras despedaçarão tua alma! A SOMBRA GANHA DO VIVO. CEDO OU TARDE A MORTE NOS ALCANÇA!
- NÃO – Drago se viu gritando. Não tinha argumentos a usar contra tais palavras malditas. Cada som penetrara em sua alma e apunhalou-a, sangrando-a por seu corpo. Lágrimas corriam pela sua face, caindo pela grama seca e morta espalhada pelo chão. O coração acelerado parecia que ia explodir, e tudo que seu cérebro ordenava era uma saída imediata do lugar. Mas suas pernas estavam paralisadas. Ele moveu de leve sua cabeça para o lado, e não pôde ver Alia. Ela provavelmente já saíra desembestada por sua vida.
Quando olhou para o buraco, seu coração quase saltou pela boca. Gitre estava o encarando com seus dedos esbranquiçados apontados para seu encéfalo. Drago sentiu como se um toque daqueles dedos fosse expulsar sua vida de seu corpo. Caiu de joelhos diante da parede e escorou-se a ela. Lágrimas caíram seguidamente de seus olhos. Ele passou as mãos pelos cabelos e tentou objetar contra aquelas palavras de Gitre. Mas sua voz ficou presa na garganta.
Sentiu as sombras do inferno adentrarem por sua boca e arranharem seu corpo por dentro. Sentiu como se estivesse sangrando e caiu de lado. Começou a se contorcer para se livrar dos demônios, mas as malditas pragas ousavam em adentrar em seu corpo frágil.
Arrastou-se pela vegetação morta e caiu na rua de pedras. Arranhou seus membros por suas pontas e sentiu sangue quente espirrar em suas vestes. Ficou em pé – meio cambaleante – e apoiou-se em uma árvore podre. Roçou sua face em seus espinhos e chorou lágrimas de sangue. Tentou correr para longe, mas seu corpo desistiu de fugir. Caiu ali mesmo, desejando acima de tudo uma morte rápida e indolor.
***
Druid esfregou a face com a palha na qual deitara-se e tentou clarear suas idéias. A imagem da batina esfarrapada não saia de sua mente. Fotos travadas apareciam e desapareciam rapidamente em sua mente, de forma a montar um filme que ia e voltava. As imagens ali contidas o envergonhavam.
Desistiu de lutar e mergulhou no pensamento. Viu Zivrid falando as mentiras que ocuparam temporariamente o vazio no cérebro de Druid. Explicações razoáveis, mas todas falsas e vis. Ele acreditou em cada maldita palavra profanada pelos lábios imundos do monge. Engoliu cada explicação como água, mas no meio do caminho notou que era indigesta. E quando se deu conta, era tarde, O veneno havia penetrado em sua carne.
E vendo que enfim a verdade vinha a tona, Zivrid escapou. Da mesma sórdida maneira que fizera seu mestre. Escapou enganado Druid e o afundando em uma poça de farsas e mentiras.
O druida sentiu-se acabado e atirado como um pano sujo. Sujo como as vestes usadas pelo filho-da-puta do monge. Ele as rejeitou e preferiu fugir nu. Preferia mostrar seu imundo e fétido corpo do que andar por ai com vestes manchadas por seu próprio sangue. Deixara a batina para Druid lembrar de como fora crédulo e patético. Agora o torturador estava jogado como um preso. Se pudesse, cortaria seus pulsos e acabaria com a dor.
Druid tentou futilmente impedir a fuga do desgraçado, mas acabou tropeçando e acertando seu joelho na parede. Sentiu o osso espatifar-se – felizmente nada mais que impressão - e caiu no chão, com as dores tomando conta de seu corpo. Sua respiração ficava cada mais fraca e ele só queria morrer.
***
Drago lamentou ter sido um fraco. Lamentou nunca ter feito nada para salvar as vidas dos grandes amigos que partiram. Lamentou ter desistido de viver após sentir o fim próximo. Lamentou ser humano. Imaginou-se sentado em um trono de ouro, com fogo saindo das nuvens que formavam um ciclone ao seu lado. Guardas com armaduras reluzentes feitas de ossos de demônios dilacerados por lanças encantadas pelas lágrimas de Fardos.
Imaginou como se fosse um supremo imperador do extremo infinito. Os camponeses vinham lhe oferecem frutos recém colhidos, e seus guardas vinham lhe congratular pelas conquistas de uma nova terra. Ele estava mergulhando em uma banheira repleta de ouro. As moedas caíam por seu corpo e limpavam sua alma. Ele jogou moedas para seu povo. As faces encardidas pelo trabalho na lavoura iluminaram-se de felicidade.
Os sorrisos foram a maior recompensa de Drago. Para comemorar, ordenou um grande banquete para todos os que quisessem vir. Distribui mesas de carvalho por seu castelo no topo da montanha – de frente para o vilarejo. Não faltaria comida para ninguém. Sentiu-se mais leve ao ver as jovens crianças de seu reino saboreando uma bela lagosta no centro da mesa. Virou-se para beijar sua bela esposa, mas quando ergueu o véu de seda que cobria sua face, viu um crânio podre manchado de sangue com vermes rastejando por tudo. Abriu a boca para gritar, mas uma mão negra saiu do olho quebrado do crânio e desceu por seu esôfago. A mão dilacerou seu corpo e arrancou seu coração, esmagando com seu punho.
Fechou seus olhos e mergulhou na noite eterna. Mas ouviu uma voz que insistia em o chamar e abriu seus olhos. Estava em uma gruta imunda e obscura, em lugar algum. Demorou a reconhecer que Alia estava sentada em sua frente, aliviada ao ver o amigo vivo.
- O que houve? – Ele tentou falar. No final das contas, Drago não sabia se havia saído som ou não.
- Você desmaiou no meio da rua. Achei que estava morto. Tive que encontrar forças para arrastá-lo pra cá – Ela disse. Sua voz suave como seda aconchegou Drago, que tentou sorrir ao perceber a suavidade das palavras de Alia.
- Temos que sair daqui – Drago esforçou-se para falar.
- Não podemos. Temos de ficar.
- Mas por quê?
- Os Caçadores de Sombras estão atrás de nós. Ele mandou uns caras atrás de nós. Ele nos quer mortos! Drago, eu não quero morrer aqui! Ele é louco!
O silêncio preencheu os vazios na sala. A tocha presa na parede apagou-se e tudo ficou negro. Drago tentou chamar por Alia, mas sentiu sua boca escancarada e coberta de terra. Engoliu uma pedra e engasgou-se. Sua alma gritou por ele e um punhal de prata penetrou seu coração.
***
Uma mão acolhedora pousou sobre o ombro de Druid e aqueceu-o. Ele sentiu sua alma salva e seu coração normalizado. A dor em seu joelho cessou e ele sentiu-se mais jovem do que nunca. Sentou-se e pela primeira vez naquele dia sorriu. Sorriu ao ver a face de quem o despertara de seu calvário de pensamentos.
- Que bom que está aqui – Ele disse, sorrindo. Seu corpo encheu-se de algo bom, ele pareceu flutuar – Achei que estava morta.
- Nunca falho em serviço – A mulher disse. Deu-lhe um beijo na face e abraçou-o – Velhos amigos nunca abandonam uns aos outros.
Druid sorriu e assentiu.
- Estou preocupado com Drago e Alia – Ele disse – Sumiram faz tempo.
- Ficarão bem – Ela disse, sem dar credibilidade as palavras – Creio eu.
- Descobriu alguma coisa?
- Não, lamento. A identidade daquele maldito permanece um mistério.
- Mas que merda – Druid praguejou. Perdeu seu momentâneo ânimo e ficou em pé. Expirou com todas as suas forças e começou a caminhar em círculos pela sala – Nunca vou descobrir isso!
- Você é humano Druid – A mulher disse, calmamente – Não se crucifique pela imperfeição do plano.
- HUMANO? – O druida urro – Eu preferia estar morto! Tudo dá errado nessa porra de vida! TUDO!
- Não é motivo para cortar os pulsos. Se acalme, tenho a impressão de que tudo dará certo no final.
***
Drago abriu seus olhos relutante. Preferia ficar na escuridão do que encarar a realidade. Havia sido só um delírio. Desde que a tocha se apagara. Ele não pôde reconhecer nada em meio a escuridão absoluta, mas teve a nítida impressão de estar na mesma sala de antes. Chamou por Alia e não houve resposta. Chamou duas, três vezes e nada. Seu coração disparou. Tateou as cegas por ai. Tentou ficar em pé, mas seu joelho doía muito. Ouviu um som esganiçado seguido de um baque surdo. Uma nuvem de poeira ergueu-se em meio a escuridão. Drago tossiu e aguardou seus olhos se acostumarem com a falta de luz.
Decorridos poucos segundos, uma figura feminina apareceu atirada no chão de terra.
- Alia? – Drago tentou chamar. Estendeu sua mão para tocar nela, mas seu braço não ia tão longe.
- Ai, to bem – Ela disse erguendo-se – Tropecei numa pedra. Você parece assustado. Está tudo bem?
Drago refletiu por um momento e respondeu, temeroso.
- Mi me lançou uma praga. Vou morrer Alia, vou morrer.
- Não diga isso!
- Eu estou vendo! Estou vendo minha morte! ESTOU ME VENDO MORTO!
- Drago, porra, você não vai morrer... Morrer... Morrer... Morra... Morra Drago Aaril, morra... A sombra ganha do vivo... Mais cedo ou mais tarde a morte nos alcança... Morra... Corra Drago, corra... Corra pelo vácuo eterno... Corra... Morra...
Drago esfregou o olhos e a noite dominou seu olhar. Tudo ficou negro. Ele olhou para os lados e viu o vácuo dominar tudo e avançar contra ele. Tentou correr, mas quanto mais corria, menos ele saía do lugar. O vácuo não acabava. Não havia fim no túnel. Uma luz imponente brilhou em frente a Drago. O fim do túnel! Ele correu até lá, e quando chegou, viu-se sentado na cozinha do Salão Sangrento. Havia alguém sentado a sua frente. Era Tom.
Tom o encarava seriamente. Uma voz ecoou pela imagem e logo Drago reconheceu sua própria voz. O Drago imaginário estava falando, mas sem mexer seus lábios.
- Por que isso está acontecendo comigo?
Tom o fitou e disse friamente. Disse sem mover os lábios, igual a Drago.
- Porque você é humano. Você corre riscos como qualquer um. A morte o assombra desde sua vida.
- Foi o Mi, ele praguejou e...
- Não. Por pior que seja, Mi ainda é humano. E por isso, não pode praguejar pelo fim de sua vida. Drago, não ouça as palavras envenenadas da sombra. Ou você vai morrer. Não ouça a sombra.
Drago abriu os olhos e gritou. Estava na sala. Alia estava a sua frente, escutando os sons externos. Ele estava todo suado e arrepiado. Demorou a perceber que era outra alucinação. Drago estava sendo tomado pelas palavras de Mi. E isso iria matá-lo. Drago não podia cair nos truques da morte. Não podia. Ele cerrou os punhos e olhou firmemente em direção a Alia.
- Temos de sair daqui. Antes que a sombra nos mate.
***
Drago e Alia correram pela planícies ao sul de Thais, fugindo do inevitável. Drago explicou a Alia que Mi estava tentando o fazer crer que estava amaldiçoado. E estava funcionando. Todas as visões eram fruto de sua mente assustada. Uma espécie de aviso. Um aviso para que Drago acordasse. Acordasse de todo seu passado tenebroso.
A morte de Tom ainda o perturbava, incomodava. E ele sabia que se continuasse perdendo-se nos caminhos entre a loucura e a razão, jamais sairia vivo do poço onde se metera. Mi estava apenas tentando acabar com sua auto-estima para fazê-lo afundar mais e mais. Mas ele conseguira despertar do transe. E perceber que tudo que ele via não passava de mentira.
Drago precisou ver as cenas sádicas que sua própria mente produzira para entender que não podia viver no passado. O hoje e agora precisavam dele para lutar pelo amanhã, pelo depois. Ele precisava brigar contra si mesmo antes de tentar lutar contra Mi. Drago não iria morrer. Não podia permitir. Não sem lutar, não sem levar pelo menos Mi com ele. E depois dessa, era pessoal.
Ele ouviu um zunido cada vez mais próximo. Parou de correr e levou um tempo para interpretar o som, e quando enfim se deu conta do que era, podia ter sido tarde demais.
- ABAIXA! – Ele gritou com todas as suas forças. Jogou-se por cima de Alia num movimento brusco e os dois tombaram sobre a lama que cobria o solo. No exato momento em que Drago pulara, uma lança vinda do meio da floresta roçou pela sua perna esquerda. Se ele não tivesse ouvido o som produzido por ela cortando o ar, sua cabeça não seria nada naquele exato momento.
- MERDA ESTÃO AQUI! – Ele se viu gritando. Ergue-se e ajudou Alia a fazer o mesmo.
- Por aqui! – Disse a amiga desesperada. Ela apontava para uma cadeia montanhosa confusa e traiçoeira. Por aqueles caminhos seria fácil se perder. Ou no mínimo despistar os caçadores. Eles se meteram nas pedras em uma corrida para sabe-se lá onde. A cada passo dado, Drago podia ouvir passos amassando as folhas caídas atrás dele. E cada vez mais, os sons se aproximavam.
Alia abaixou-se perante um galho seco e desequilibrou-se, projetando-se contra uma ladeira embarrada. Ela rolou de lado e atingiu um pequeno riacho que corria ali. Drago resvalou pela ladeira e ajudou a amiga.
- Tudo o.k.? – Ele perguntou. Ela gemeu e esfregou o braço. Drago viu que as vestes da área estavam rasgadas e que o cotovelo sangrava muito – Merda.
Um som agudo foi ouvido e Drago desviou-se de uma lança. Mas ela raspou em sua perna provocando uma sensação de dor incontrolável. Ele caiu no chão gemendo. Passou as mãos pela cocha e notou um sangramento. A área atingida ardia muito. Um formigamento espalhou-se pela perna toda e Drago teve a idéia de amputar a perna ali mesmo.
- Fim da linha – Disse uma voz obscura e controlada. Ele encarou o homem que produzira a voz e logo o reconheceu. Era Bruno.
Drago ergue-se com dificuldade e capengou até Alia. Ela olhava apavorada os caçadores no alto da ladeira. Eles pareciam prontos para disparar projeteis e acabar com eles. Ele olhou a sua volta em busca de alguma arma para combatê-los, mas não achou nada. O sangue quente jorrava de sua cocha. Ele havia tentado estampar o sangramento usando um pedaço de suas vestes, mas o pano já estava encharcado.
Seu cérebro estava quase explodindo, o coração parecia que ia estourar, os pulmões ardiam e o corpo todo deixava de obedecer aos reflexos mais simples. Ele não conseguia pensar em nada, ou fazer algo. Estava pronto para a morte. Pelo jeito ele percebera o perigo tarde demais. Ele recuou até encostar-se a uma árvore fina e cheia de musgo. Alia fez o mesmo. Bruno riu do medo dos dois e deu um passo a frente. Foi ai que Drago viu. Uns dois metros de seu pé, a lança disparada contra ele jazia cravada na terra, inerte.
Com o treinamento que recebera, conseguiria fazer um bom estrago com aquilo. Ou talvez não. Ele apenas tinha um tiro contra milhares dos caçadores. E até pegar a lança, já teria sido perfurado o suficiente para parecer um queijo suíço. Ele ignorou todos os sinais de alerta que seu cérebro tentava dar, ignorou as dores musculares e tentou acalmar o coração. Era agora ou nunca. Olhou para Alia pelo canto do olho, tentando transmitir alguma confiança. Não podia se dar ao luxo de morrer ali.
Alia pareceu perceber que o amigo tinha um plano, e assentiu com um leve aceno de cabeça, quase imperceptível. Ou ela confiava nele ou estava tentando dizer “Adeus Drago”. Ele preferia a primeira opção. Esperou o momento certo. Bruno deu dois passos a frente. Os mercenários descansaram as armas por um leve instante. Era chegada a hora. Ele atirou-se para o lado. Rolou pela relva até chegar na lança, que empunhou. Virou-se rapidamente e mirou a lança na face de Bruno. Tudo fora tão rápido que o capanga nem percebera. Quando enfim processou a informação, Drago estava pronto para lançar.
- Merda. Matem-no! – Ele ordenou. Os assassinos empunharam e miraram os arcos. Drago podia ver mais de cinco projeteis mirados em sua cabeça. Fora uma lança encantada – Preparar... Apontar... FOGO!
***
Druid ergueu-se pela escada de ferro, sendo acompanhado de perto por sua informante. Ele ainda estava meio vacilante, ora errava o degrau, ora resvalava e quase despencava. A mulher já podia projetar sua imagem despencando da escada graças a um chute acidental de Druid.
Ele apareceu em uma gruta disfarçada no interior negro de uma pequena montanha. Caminhou até uma trilha de cascalho que o tirou dali. Pouco tempo depois, a mulher irrompeu pela montanha, brigando com teias de aranha presas em seu cabelo.
- Tira essas merdas daqui – Ela falou movimentando furiosamente seu cabelo.
Druid abafou um risinho e foi respondido com um gesto obsceno. Fez uma careta e encarou um imponente prédio quadrado diretamente a sua frente.
- O Salão Sangrento – Ele sussurrou.
- Credo – A mulher disse – Esse lugar deve estar uma zona. Da última vez que vim aqui nem deu pra entrar.
- Claro...
Druid caminhou pelas planícies até chegar na porta de madeira. A mulher atrás dele. Ele girou a maçaneta e entrou.
***
Matar ou morrer. Drago acabara de descobrir uma face oculta de um instinto assassino controlado pelo medo. Quem disparasse primeiro iria ganhar. Mas Drago sabia que não tinha chances. Estava com seis projéteis mirados em sua testa e uma simplória lança de madeira com um osso retorcido na ponta mirada para o coração de Bruno. Pelo menos deveria ser o coração.
Drago não sabia se podia matar Bruno com a lança. Nem se podia picar o dedão do pé de Bruno. Mas ele tinha que lutar. O plano era simples. Disparar contra Bruno e esquivar-se dos projéteis sem comprometer o ferimento, agarrar Alia e sair correndo pro meio do mato antes que os caçadores disparassem novamente e sem checar se Bruno fora atingido ou não.
Mas se essa era a idéia, porque não ficar parado ali? Esperando para que seis pontas afiadas penetrassem e dilacerassem seu crânio. Ele ia morrer cedo ou tarde, porque não se apressar com isso? Bastava soltar a lança, fechar os olhos e esperar.
NÃO! Era sua mente lhe pregando peças novamente. Ele não podia abaixar as armas – no caso, a lança. Tinha que lutar até o fim. Se bem que caso Bruno fosse atingido, não faria diferença. Havia ainda outros 5 assassinos. Mas se Drago fosse atingido, a coisa mudava de perspectiva.
- FOGO! – Ele ouviu Bruno gritar. Seu pensamento disparou e endoidou. Uma sensação de pânico invadiu suas veias e o suor frio cobriu seu corpo. Ele ouviu um zunido alto vindo em sua direção e jogou-se para o lado oposto a Alia. Cinco flechas e uma lança atingiram e despedaçaram a árvore onde Drago estivera. Ele agarrou a lança e se recompôs.
- CORRE! – Ele gritou. Alia assentiu e correu para o meio das árvores. Ele mal mirou e atacou. A lança foi direto para o alvo. Mas Drago preferiu não ver o impacto. Virou-se e saiu para o meio da floresta.
- ARGH! – Ouviu alguém gritar.
***
Druid acomodou-se em uma cadeira na cozinha e tomou um gole de chá.
- Quer? – Disse ele oferecendo a informante. A mulher olhou com repulsa ao líquido e recusou com um aceno de cabeça – Melhor pra mim.
- Bom – A mulher começou a falar, com uma voz serena – Precisamos descobrir qual é o próximo passo do Exército.
- Achei que esse fosse seu trabalho – Druid disse tomando um gole de chá.
- Deveria ser. Mas não consigo localizar aquele descarado.
- Existem magias para isso.
- Existem, mas são pouco exatas. E não podemos esquecer que o filho da mãe possui disfarces.
- Teoricamente.
- Teoricamente – Concordou a informante. Ela ouviu passos não muito distantes e se levantou de sua cadeira – Tem alguém aqui.
Druid apurou os ouvidos a tempo de ouvir os passos cessarem. Segundos depois, a porta do Salão explodiu e dois vultos irromperam na cozinha. Ambos sujos e completamente acabados. Um deles, uma mulher, caiu sobre uma cadeira. O outro tossiu um pouco e começou a falar.
- Druid – Ele disse. O druida logo reconheceu a voz de Drago – Precisamos conversar. Ele na verdade é o...
E Drago parou de falar ao erguer os olhos para a mulher ao lado de Druid. A serenidade presente em seu rosto transformou-se para uma apreensão facilmente discernida pela sua visão amedrontada. Ela deu a passo para trás e tentou ocultar sua face com uma das tapeçarias vermelhas penduradas ao lado da porta, mas o estrago já estava feito.
Era realmente impossível que Drago não reconhecesse as feições simples e belas da mulher. Seu longo cabelo que caía pelo corpo, chegando ao cotovelo. Ele reconheceu o corpo escultural que deixava qualquer mortal louco, os olhos azuis e penetrantes, que transmitiam confiança e loucura ao mesmo tempo, os lábios carnudos e vermelhos, a pele branca levemente bronzeada. O estilo excêntrico de vestir-se. Por um momento, Drago teve certeza que era sua mente enganando-lhe, mas percebeu que todos na sala podiam ver a mulher. Achou estar ficando louco, esfregou os olhos mas ela estava ali. Em carne e osso. Bem a sua frente, estava Ders de Candia.
***
- COMO? – Drago se viu gritando. Estava sentado em uma cadeira de madeira ao lado de Druid e Alia. Ders permanecia em pé, meio sem jeito – COMO É QUE VOCÊ ESTÁ AQUI, NA MINHA FRENTE?
- Drago, eu – Ders começou a falar, a voz levemente hesitante. Ela brincou com uma mecha de cabelo e procurou as palavras certas. Abriu a boca, mas antes de pronunciar qualquer som, Drago voltou a berrar.
- EU TE VI MORRER! TE VI QUEIMAR NA MALDITA SALA!
- Drago, você não viu – Disse Alia, a voz fraca e chorosa. Ela fez uma careta de dor e evitou encarar Ders – Ninguém viu. Vimos a explosão. E ninguém mais lá.
- MAS EU VI ALGO SER QUEIMADO NA LAVA!
- Ders – Druid disse estranhamente calmo, sem tirar os olhos de seu chá – Poderia explicar a eles?
- EXPLICAR O QUE? – Drago voltou a gritar, ficando em pé e derrubando a cadeira – QUE VOCÊS NOS ENGANARAM? QUE SAM SUMIU PORQUE ESSA VACA MENTIU PRA ELE? QUE NOS SOFREMOS POR PORRA NENHUMA?
- CALA A BOCA – Dessa vez Ders gritou. Drago cambaleou – VOCÊ NÃO SABE COMO FOI VIVER ESCONDIDA DURANTE DIAS, MESES! VOCÊ NÃO SABE O QUE NOS LEVOU A ISSO. PORTANTO, QUIETO!
A sala silenciou-se. Ninguém ousou pronuncia uma palavra. Ders bufava e Drago também. Druid e Alia nem se metiam.
- O que veio me dizer aqui? – Disse Druid, erguendo os olhos para Drago.
- Eu e Alia vimos uma reunião do Exército.
- O que? – Ders sussurrou. Todos a ignoraram.
- Ele é o Mi. Mi nos enganou esse tempo todo! – Alia disse, chorando.
A sala ficou em silêncio novamente.
- Nós imaginávamos – Disse Ders. Todos na sala a encararam – Eu e Druid. Mi estava muito estranho, e sempre que Ele atacava Mi sumia. Desconfiávamos que estivesse juntos. Por isso armamos tudo aquilo.
- O QUE? – Drago gritou – ARMARAM ISSO PRA PEGAR O MI?
- É – Druid disse – Eu lhe falei que Ders estava tentando sair de cena para fugir do Exército e investigar Mi. Então, certa noite, ela ouviu uma conversa sua com Sam. Imagino que você se lembra da conversa. Bem, Ders me falou tudo, e juntos tivemos a idéia de “matá-la”;
- A desculpa seria que eu estava abalada – Disse Ders – Com o que ouvi. Meio louca, pensei em fazer o Aniquilador, Lá, eu forjaria minha morte.
- MATOU TRÊS INOCENTE PRA SE FINGIR?
- Não foi bem assim – Ders objetou – Eu tinha que fazer aquilo. E eles iam morrer igual. Embora o plano fosse que eles completassem o Aniquilador. Não morressem. Mas morreram, fazer o que.
Alia se impressionou com o sangue frio de Ders. Meses antes, ela admirava a líder dos Cavaleiros Sombrios, mas depois dessa declaração fria e calculista, toda aquela admiração converteu-se em nojo. Como alguém poderia ser tão indiferente ao fato de três vidas terem sido varridas da face da terra por um capricho desnecessário de uma piranha.
- Como você fez? – Indagou Drago, tentando manter a calma e a lógica – Como fez para sair viva de lá?
- Tudo teve que ser rápido. Quando o demônio disparou aquele ataque de energia, ele chocou-se com bolas de fogo enviadas por outros demônios. Isso causou aquele clarão. Nesse exato momento, eu joguei o escudo na lava e lancei-me por baixo das pernas do demônio contra a porta. A arrombei com um chute e entrei nela. Simples assim. E ainda sai de lá com alguns dos tesouros.
Ela riu. Ninguém a imitou.
- Nos enganaram por nada? – Alia disse com a voz quase sumida, um verdadeiro sussurro.
- Como nada? – Ders objetou.
- Obteram algum resultado nessa merda toda? – Alia pediu – Eu respondo. Não.
Ela virou-se a saiu da cozinha pisando fundo. Deu pra ouvir ela subindo as escadas para chegar ao seu quarto.
- E Zivrid – Drago pediu – Como está?
- Fugiu – Druid disse, lentamente.
Drago fez um gesto obsceno e uma careta. Saiu da cozinha cabisbaixo. Druid encarou a porta e soltou um suspiro.
- Vai demorar pra que eles voltem a falar conosco – Druid disse. Ders assentiu – Volte para seu esconderijo. Já tivemos surpresas demais por hoje.
Mas Druid nem imaginava que as surpresas estavam apenas iniciando-se.
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