Capítulo 15 – A mulher, Jeanette.
Jeanette acordou com um sino de igreja tocando como se fosse o dia do juízo final, quando os mortos se erguiam dos túmulos e as portas do inferno se escancaravam para receber os pecadores. Seu primeiro instinto foi dirigir-se para a cama do filho, mas o pequeno Charles estava bem. Ela só conseguia ver os olhos dele no escuro, que praticamente não era reduzido pelas brasas brilhantes da lareira.
- Mamãe? – gritou ele, estendendo os braços para ela.
- Fique calado – disse ela, acalmando o menino, e depois correu para abrir os postigos. Uma leve luz cinzenta aparecia acima dos telhados do leste, e depois passos soaram na rua e ela inclinou-se na janela para ver homens saindo correndo de suas casas com espadas, bestas e lanças. Uma trombeta soava na direção do centro da cidade, e então mais sinos de igreja começaram a soar o alarma numa noite agonizante. O sino da igreja Virgem estava rachado e emitia um barulho desagradável, semelhante ao de uma bigorna, que era ainda mais aterrorizante. Jeanette viu bolas de fogo que explodiram de uma só vez e depois um tiro negro acertou um dos melhores besteiros da cidade na muralha, que tombou. Os thaisenses ovacionaram e ela viu Havoc Bohun.
- Madame! – gritou uma criada enquanto entrava correndo no quarto.
- Os thaisenses devem estar atacando. – Jeanette esforçou-se para falar com calma. Ela não vestia nada além de uma camisola de linho e de repente sentiu frio. Apanhou rápido uma capa, prendeu-a no pescoço e depois pegou o filho no colo. – Não vai lhe acontecer nada, Charles – tentou consolá-lo. – É só Thais atacando de novo.
Só que ela não tinha certeza. Os sinos estavam tocando com muita agitação. Não era o dobrado compassado que em geral sinalizava um ataque, mas um clangor de pânico, como se os homens que puxavam as cordas estivessem tentando repelir um ataque por seu próprio esforço. Ela olhou pela janela outra vez e viu as flechas thaisenses passando por cima dos telhados. Dava para ouvi-las penetrando no sapé com um ruído surdo. As crianças da cidade achavam que era uma boa brincadeira apanhar as flechas inimigas e duas tinham se machucado ao escorregarem dos telhados. Jeanette pensou em se vestir, mas decidiu que primeiro deveria descobrir o que estava acontecendo, de modo que entregou Charles à criada e desceu as escadas correndo.
Uma das criadas na cozinha encontrou-a na porta dos fundos.
- O que está acontecendo, madame?
- Mais um ataque, só isso.
Ela tirou a tranca da porta que dava para o quintal e correu para a entrada particular para a igreja, no exato momento em que uma flecha atingiu a torre da igreja e caiu no quintal com um tinido. Jeanette puxou a porta da torre, abrindo-a, e seguiu às apalpadelas pela escada que seu pai tinha construído. Não fora simples piedade que inspirara Luis Halevy a construir a torre, mas também a oportunidade de olhar rio abaixo para ver se seus navios estavam se aproximando, e o alto parapeito de pedra proporcionava uma das melhores vistas de La Roche-Ogre. Jeanette ficou surda com o sino da igreja que oscilava na penumbra, cada batida socando-lhe os ouvidos como um golpe físico. Ela subiu para além do sino, empurrou a porta do alçapão que ficava no topo da escada e, com uma certa dificuldade, subiu para as placas de cobertura.
Os thaisenses haviam chegado. Ela viu uma torrente de homens em torno da beira do muro que dava para o rio. Eles vadeavam para lama e passavam por cima das estacas quebradas como um bando de ratos. Nossa Grande Bastesh, pensou ela, nossa Grande Bastesh, mas eles estavam dentro da cidade! Ela desceu as escadas correndo.
- Eles chegaram! – gritou ela para o padre que puxava a corda do sino. – Eles estão na cidade!
- Destruição! Destruição! Banor! – gritavam os homens de Thais, a palavra que os estimulava a saquear.
Jeanette atravessou o quintal e subiu as escadas correndo. Tirou depressa as roupas do armário e voltou-se quando as vozes davam os sinais para o uso de violência embaixo de sua janela. Ela esqueceu as roupas e tornou a pegar Charles no colo.
- Bastesh – rezou ela -, olhai por nós agora, olhai por nós. Grande Bastesh, salvai-nos.
Ela chorou, sem saber o que fazer. Charles chorava porque ela o apertava e demais e ela tentou tranqüilizá-lo. Gritos de regozijo soaram na rua e ela voltou correndo para a janela, vendo o que parecia um rio negro incrustado de aço correndo em direção ao centro da cidade. Ela caiu junto à janela, soluçando. Charles gritava. Mais duas criadas estavam no quarto, de algum modo achando que Jeanette poderia protegê-las, mas agora não havia proteção alguma. Os thaisenses tinham chegado. Uma das criadas colocou a tranca na porta do quarto, mas de que adiantaria?
Jeanette pensou nas armas do marido escondidas e no fio aguçado da espada de Batalha, e imaginou se teria coragem de colocar a ponta contra seu seio e arria o corpo contra a lâmina. Seria melhor morrer do que ser desonrada, pensou ela, mas então o que seria do seu filho? Chorou desesperada, e ouviu alguém batendo na grande porta que dava para o pátio. Um machado, pensou ela, e ficou ouvindo os golpes triturantes que pareciam sacudir a casa toda. Uma mulher gritou na cidade, depois outra, e as vozes de Thais berravam exaltadas. Um a um, os sinos das igrejas foram se calando, até que apenas o sino rachado martelava seu temor pelos telhados. O machado ainda mordia a porta. Jeanette ficou imaginando se eles iriam reconhecê-la. Ela exultara ao ficar em pé nas defesas, disparando a besta que pertencera ao marido contra os sitiantes, e seu ombro direito estava machucado por causa disso, mas sentira prazer na dor, acreditando que cada seta disparada tornava menos provável que Thais invadisse a cidade.
Ninguém pesara que eles poderiam fazê-lo. E fosse como fosse, por que sitiar La Roche-Ogre? A cidade nada tinha a oferecer. Como porto, era quase inútil, porque os navios maiores não podiam aportar, nem mesmo quando o nível das águas chegava ao máximo. Os habitantes da cidade acreditavam que os homens de Thais estavam fazendo uma demonstração petulante e em pouco tempo iriam desistir e retirar-se furtivamente. Não precisava da ajuda de Carlin.
Mas agora eles estavam ali, e Jeanette gritou quando o som dos golpes de machado mudou. Eles tinham arrombado a porta, e sem dúvida tentavam erguer a tranca. Ela fechou os olhos, tremendo enquanto ouvia a porta raspar as pedras do pavimento. Estava aberta. Estava aberta. Oh, Bastesh, rezou Jeanette, ficai conosco agora. Ajudai-nos, amaldiçoai-vos.
Os gritos vieram do andar de baixo. Pés bateram nos degraus. Vozes de homens berram numa língua estranha.
Ficai conosco agora e na hora de nossa morte. Thais havia chegado.
Previsão? Leia o tópico anterior.
Sem mais;
Asha Thrazi!![]()
Publicidade:
Jogue Tibia sem mensalidades!
Taleon Online - Otserv apoiado pelo TibiaBR.
https://taleon.online







Curtir: 




