Spoiler: Respostas
No último capítulo: Jason Walker descobriu que Eremo é seu antepassado e, mais que isso, seu padrinho, assim designado por seus pais, Lawton e Clarice Walker. O episódio terminou com todos encurralados no acampamento avançado de Femor Hills, e Jason tentando negociar com os soldados de Ferumbras.
CAPÍTULO III – OUTRO LADO
Zathroth entrou de volta na barraca, certificando-se de que todos os seus feitiços de proteção funcionavam adequadamente. Ele apertou a caixa de música próxima ao peito, refletindo sobre se valia a pena morrer por ela.
Sentado na cama no canto oposto, Randal olhava para ele, um pouco ansioso. Quando a tropa de Ferumbras invadiu Carlin, pouco antes do retorno de Jason Walker e dos outros da viagem ao Olimpo, Zathroth decidiu que salvar o demônio era mais importante do que oferecer inútil suporte à cidade. Sabia que Jason tinha condições de sair daquela, e, para os anseios futuros de todo o continente, proteger duas relíquias e impedir que Ferumbras colocasse suas mãos nelas era mais exigível do que qualquer outra coisa.
Ele apertou os olhos quando um anu dourado entrou voando pela cabana, iluminando todos os cantos dela. Randal levantou-se devagar, os olhos também fixos no animal, que não era feito de nada palpável, mas parecia ser feito de fumaça, pura e simples. Ele pairou no ar por alguns instantes, leniente, e se dissolveu um segundo depois.
Finalmente, a voz de Heloise começou a preencher a cabana.
— Jason, John e Leonard fugiram — disse a voz etérea. — Ferumbras matou Bambi. O restante da população foi poupado. Morfeu comanda a cidade de Carlin. Mantenham-se vivos e seguros. Voltamos a conversar em breve.
Zathroth estava prestes a assobiar quando ouviu uma voz do lado de fora.
— Ora, ora, ora.
Voz de mulher.
Ele sacou a espada devagar, e Randal puxou seu inseparável cajado de feitiços. Eles semicerraram os olhos na penumbra, conjecturando.
— Os dois, para fora — ordenou.
Eles se entreolharam e saíram da barraca bem devagar, de armas em punho. Nos arredores, a neve, que somente ia se acumulando do lado de fora do raio do feitiço de proteção de Zathroth, começou a salpicar a barraca também.
Zathroth franziu o cenho e anotou mentalmente o fato. Achava que tinha descoberto algo de relevante ali.
Diante deles, estava uma mulher com outros dois comparsas. A julgar pelo “F” insculpido em seu uniforme, eram funcionários de Ferumbras. Randal sacudiu a cabeça de leve, incomodado. Era impressionante o quão rápido aquele ser tinha conseguido construir um exército de membros leais.
— Zathroth e Randal — disse a mulher, que tinha cabelos curtos e espetados, muito negros. — Com as nossas relíquias. O Inominado ficará feliz.
Randal apertou os lábios, sem responder.
— Existem duas formas de fazer isso — continuou a mulher. — Vocês reagem, e ambos morrem, ou vocês não reagem, e só um de vocês morre. E vou espelhar a bondade no coração do nosso mestre. Permitirei que escolham entre vocês quem morrerá.
— Tenho um acordo melhor — Randal engoliu em seco. — Vocês viram as costas, alegremente fingem que não viram nada e nenhum de vocês morre.
A mulher riu, achando graça.
— Bem… digamos que essa é uma composição que não podemos aceitar.
Randal não esperou. Girando o cajado, ele disparou, arrancando violentamente a cabeça do comparsa da direita. A mulher se retesou somente pelo tempo necessário para Zathroth vencer a distância até eles e cravar a espada no pescoço do comparsa da esquerda.
Quando a mulher começou a bater em retirada, Zathroth estendeu a mão espalmada para ela e proferiu um encanto breve. Um segundo depois, suas pernas se juntaram e ela rolou pelo chão, incapaz de se mover.
Randal avançou devagar, atento, franzindo o cenho ao ver os dois seres humanos mortos. Odiava matar. Mesmo quando era necessário, algo no âmago do seu ser lhe acendia um sinal de alerta sempre que isso acontecia.
Zathroth debruçou-se sobre a mulher, cuja expressão era impassível.
— Como foi que nos encontrou? Proferi encantamentos o dia todo. Repentinamente, surge você com esses dois sacos de bosta nos seus calcanhares. Qual é o segredo?
A mulher sorriu, apertando os lábios.
— Volte para dentro — disse Zathroth para Randal, sem olhar para ele. — E não abra a boca. Tenho uma boa suspeita sobre o que acontece aqui.
Randal não discutiu. Fixando o cajado ao cinto, voltou para dentro da cabana. Um segundo depois, a mulher começou a gritar, e o demônio recolheu-se na cama mais distante da entrada, tapando os ouvidos e sentindo os olhos encherem de lágrimas.
A tortura de Zathroth pareceu ter durado uma eternidade. Quando finalmente ele retornou para dentro da barraca, estava sujo de sangue da cabeça aos pés, vinha com uma sobrancelha erguida e analisava com satisfação o fio da espada, manchada de sangue como ele.
— É o nome dele — disse, respirando fundo. — Por isso ninguém o chama pelo nome. Não é por medo em si. Eles têm uma central operando em Edron com um feitiço fixo. Toda vez que alguém pronuncia o seu nome, o mapa que eles têm do continente se destaca no local em que o nome foi dito, com uma pequena margem de erro na questão da metragem, e eles enviam gente para lá instantaneamente. É ardil, mas é engenhoso. Devia ter feito isso quando costumava causar confusão.
Randal tirou o rosto das mãos.
— Você ainda causa confusão.
Zathroth riu anasalado.
— É, mas agora mantenho-nos vivos quando causo. Agora, se me dá licença, preciso enviar uma comunicação… segura… aos nossos… amigos.
Ele deixou a barraca novamente e Randal apertou o Colar de Contas com as mãos, perguntando-se se teria que enfrentar muito mais antes daquela crise finalmente terminar.
*
Heloise terminava de preencher alguns papéis quando Morfeu entrou em sua sala, as mãos cruzadas atrás do corpo, o rosto mais radiante do que nunca. Seus olhos endureceram um pouco ao perceber que a rainha preenchia documentos oficiais, e, por um longo momento, ele somente permaneceu ali parado, pigarreando, como se quisesse chamar a sua atenção.
— Sugiro que procure um dos nossos druidas, Morfeu — disse ela, sem levantar os olhos. — Sua garganta não está legal.
Morfeu sorriu, achando graça.
— Vai ver é porque Jason Walker chutou o seu rabo há menos de um dia. Leva um certo tempo mesmo para se recuperar.
Ele se sentou na cadeira defronte dela, cruzando as pernas.
— Acha isso engraçado?
Finalmente, ela levantou o rosto, segurando-se para não rir.
— Para falar a verdade, acho muito. Você deve ter, o quê? Um milhão de anos de vida? Um menino de 19 anos o chutou para lá e para cá como se fosse uma bola. Ora — enfim, ela soltou um risinho —, se isso não é engraçado, acabamos redefinindo o conceito de humor.
Morfeu alisou o terno, conjecturando.
— Preciso ser respeitado — ele disse, levantando-se. — Acho que existe uma forma de convencê-la.
Um segundo depois, Heloise tombou para a frente, desmaiando sobre a pilha de papéis.
Ao voltar a si, a rainha viu-se numa floresta úmida, ao pôr-do-sol. Seus olhos demoraram para se acostumar com a claridade. Sob os seus pés descalços, a grama fofa era muito vívida, muito real. Não era possível dizer se estava sonhando ou se aquilo, de fato, estava acontecendo.
Alguns passos adiante na clareira, Jason surgiu. Ferumbras vinha logo atrás, segurando seu ombro. Segundos depois, Morfeu marchou para dentro da clareira também, trazendo firmemente presa a uma das mãos nada menos do que a cabeça de Leonard Saint. O colar de contas de Randal estava pendurado no pescoço do cavaleiro.
De repente, Morfeu atirou a cabeça de Leonard para cima e, com um único movimento, Jason cortou-a ao meio, surdo aos gritos de protesto de Heloise. Svan surgiu um segundo depois, leniente, coberto de sangue da cabeça aos pés, e Jason cortou seus membros muito devagar, rindo abertamente enquanto analisava a expressão de angústia e tortura no rosto da rainha.
No instante seguinte, ela estava de volta à mesa de papéis. Rasgara diversos deles na ânsia de tentar se segurar em algo palpável.
— Ilusão ou previsão do futuro? — Morfeu sorriu para ela, e ela se retesou, amedrontada. — Vou deixá-la com esta pequena dúvida. Reflita sobre ela. E cuidado com a língua. Pode ser que Jason Walker a esteja cortando no futuro.
E saiu, batendo a porta atrás de si.
Heloise escondeu o rosto entre as mãos, chorando e soluçando. Quando enfim se recompôs, pôs-se a raciocinar. Morfeu era, de fato, uma criatura poderosa, e desafiá-lo não parecia agora uma ideia tão inteligente quanto fora minutos antes.
Como que para completar as surpresas do dia, uma imensa serpente de fumaça dourada esgueirou-se para dentro da sala, através da janela. Heloise não esboçou reação alguma enquanto ela avançava devagar, arrastando-se e enrolando-se diante dela, os olhos obedientes fixando-a com leve interesse.
No momento em que ela se dissolveu, bem em tempo de surpreender a rainha, a voz de Zathroth falou, distante, preenchendo todos os cantos da sala.
— Não diga o nome dele. É um chamariz, não desfaz qualquer feitiço, mas brilha no mapa como uma lâmpada incandescente. Randal e eu estamos bem. Estamos no rastro de uma relíquia. Não faça nenhuma bobagem.
O som se foi tão rápido quanto veio. Por um instante, a rainha permaneceu parada no mesmo lugar, observando o ponto onde a cobra sumira com saudade. Zathroth tinha sido um grande amigo durante o período em que estiveram e Carlin e, agora, auxiliava a todos na busca pelas relíquias, com o objetivo de contornar aquela crise.
Repentinamente, Morfeu abriu a porta da sala, entrando devagar, atento.
— Com quem conversava?
— Limpe os ouvidos também, além da garganta — ela respondeu impulsivamente, tarde demais para se arrepender. — Está ouvindo coisas.
Desconfiado, ele fechou a porta devagar, deixando para trás uma Heloise cheia de dúvidas e incertezas.
*
Jason acabara de deixar a Espada no chão e estava se endireitando devagar quando três soldados tombaram repentinamente, chamando a atenção dos demais. Foi a deixa que o restante do grupo precisava.
Na altura em que John recuperou seu cajado e perfurou uma cabeça com um feitiço, Eremo surgiu de dentro da floresta rasa e começou a derrubar corpos com uma velocidade impressionante para a idade. O líder do bando, aquele que abordara Jason, adiantou-se contra o menino, que puxou a Espada depressa e passou a combatê-lo.
Nos arredores, Eremo travava uma batalha privada com um feiticeiro particularmente experiente, mas que estava longe de estar aos seus pés. Carl dava cabo de dois soldados, assim como Logan, e Leonard disparava flechas a esmo, errando os colegas por muito pouco, mas acertando pernas, braços e barrigas com muita destreza.
Enfim, Jason desarmou seu adversário e acertou-lhe um bom soco, desacordando-o. Eremo atingiu o coração de seu oponente e o desmontou, ingressando no combate de Carl e dando cabo de um dos seus adversários. Leonard sacou a Lança do Destino e cravou em um deles pelas costas, reduzindo ainda mais seu contingente.
No instante em que Logan cortou sua última cabeça, a batalha terminou. Muito depressa, Eremo venceu a distância até o líder do bando e o amarrou com um bom feitiço. No momento seguinte, Jason o puxava para um abraço longo.
Sem jeito, o druida retribuiu, sentindo-se ruborizar. Compreendia que Jason se sentia grato, mas achava que aquele abraço, tão fraternal, não tinha qualquer relação com o combate recente. O garoto o soltou e o afastou para olhá-lo melhor.
— Velho miserável — ele sorriu, enxugando as lágrimas. — O que pensa que está fazendo?
— Salvando o seu rabo — Eremo sorriu de volta, encabulado. — De novo.
— Oh, sim, vamos gastar todo o nosso tempo com abraços, beijos e muito romance — John revirou os olhos, impaciente. — Caso não tenham notado, nosso esconderijo já não se encontra mais tão escondido assim. Parece simples, mas não é. Estamos expostos aqui.
Jason baixou os olhos para o líder, que começava a despertar, confuso. Irritado, o cavaleiro o arrastou de qualquer jeito até a parede mais próxima, pressionando-o com violência. Os olhos dele arderam por um instante ao perceber quem estava defronte dele, mas, ao contrário de como estava há alguns minutos, agora sua desvantagem era latente.
— Como nos encontrou?
Ele aproximou o rosto de Jason, mordaz.
— Esse é o meu trabalho.
— Seu trabalho será tocar o inferno se não me der uma resposta satisfatória.
O homem ergueu uma sobrancelha, sarcástico. Entrementes, todos se surpreenderam quando uma imensa cobra de fumaça dourada se esgueirou devagar, aproximando-se do centro da roda.
Jason arqueou as sobrancelhas quando ela se dissolveu, especialmente quando a voz de Zathroth pode ser ouvida. Etérea, distante, mas muito clara.
— Não diga o nome dele. É um chamariz, não desfaz qualquer feitiço, mas brilha no mapa como uma lâmpada incandescente. Randal e eu estamos bem. Estamos no rastro de uma relíquia. Não faça nenhuma bobagem.
O cavaleiro ainda tentava assimilar o que acabara de acontecer quando o soldado de Ferumbras retomou as rédeas da conversa, como se nada tivesse acontecido.
— Você tem muito o que aprender, moleque — e cuspiu no chão. — Faça o que tiver que fazer. Não há nada, absolutamente nada, que você possa fazer contra mim que seja pior do que aquilo que ele prepara para quem se intromete em seu caminho. E, antes que me esqueça… lembranças da casca de Ferumbras.
John adiantou-se e cravou seu cajado na cabeça do homem, sacando-o depressa.
— Ouviram o que Zathroth disse — explicou, às pressas. — Vamos embora. Desta vez, vieram 12. Não sei quantos virão da próxima.
Jason achou que as informações transmitidas por Zathroth faziam certo sentido. Afinal, o receio de se pronunciar o nome de Ferumbras parecia conter algo além do medo puro e simples, e o fato de seu nome criar uma espécie de feitiço de localização dava a impressão de ser bastante esclarecedor.
Agora, existia outra preocupação: Zathroth mencionou que ele e Randal estavam rastreando outra relíquia. Tinham uma vaga noção de onde estavam o Cajado de Moisés e a Varinha Mestra, mas onde estariam o Capacete dos Anciãos, a Túnica Rubra e o Bracelete de Anúbis? Seria possível que estivessem no rastro das mesmas relíquias? E, mais: poderia haver algum tipo de conflito por causa de alguma delas?
Após cerca de 200 metros de caminhada a partir do local onde Logan e Carl mantinham o acampamento, uma explosão pode ser ouvida. Jason relanceou um olhar por sobre o ombro e notou que o acampamento, agora, estava em chamas. Tentou não tocar no assunto quando Carl baixou os olhos, triste, e Logan manteve fixo seu olhar na direção em que caminhavam, obstinado.
Afinal, se deviam favores a Eremo, estariam confortáveis com a missão, certo?
Fato é que marchavam rumo ao desconhecido, buscando o imponderável, criando previsões apocalípticas do futuro e ansiando por um tempo de paz que não estavam certos sobre se viria.
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