Spoiler: Resposta
CAPÍTULO 6 – O ARQUEIRO DE CRUNOR
Melany não disse qualquer palavra quando retornou à cela, tampouco quando, para a surpresa dos demais, dois homens de terno abriram as grades e escoltaram os amigos para fora. Rapidamente, a amazona explicou que um homem chamado Cain a havia salvado da tortura engendrada por Apocalypse, e que decidira soltá-los por acreditar que nenhum deles oferecia perigo ao reinado do Anjo Caído.
Por algum tempo, Leonard fez todos acreditarem que ele realmente já havia ouvido falar de Cain no passado, mas a conversa não se prolongou tanto quanto o arqueiro pretendia. Não levou muito tempo para que os quatro amigos fossem postos para fora do palácio, encontrando-se em um terreno absolutamente estranho.
Heloise foi a primeira a notar que o castelo do Anjo Caído havia sido erigido sobre um vulcão. Disse, inclusive, que sentia a lava pulsar lá embaixo, como se estivesse ansiosa para ser libertada. A despeito daquilo, contudo, ninguém parecia fazer a menor ideia de onde estavam, exatamente.
Uma montanha intransponível se erguia onde Leonard supôs ser o lado leste do vulcão e, a oeste, ao norte e ao sul, o oceano, que parecia triste, atirava suas ondas vagarosas e preguiçosas para cima e para baixo.
— Estrutura familiar – disse Svan, checando um corte que tinha no rosto, cujo sangue já estava seco. – Vagamente, mas familiar.
Heloise olhou para ele.
— Já viu este terreno em algum momento?
— Arriscaria dizer que é Goroma. Mas está massivamente distinto daquilo que conheci, quando empreendi missão para cá com Lawton Walker, muitos anos atrás.
Leonard questionou-lhe sobre se Svan conseguia identificar algum ponto, por menor que fosse, em comum com a Goroma que conhecia, mas o capitão não soube dizer. Secretamente, o arqueiro achava que Cain havia sido deveras ardiloso: soltou os quatro para que morressem de fome naquele pedaço de terra esquecido por Crunor.
Svan torceu a cabeça de lado, raciocinando.
— Existe uma passagem no corpo das rochas das montanhas por onde Lawton e eu passamos – disse, os olhos estreitados. – Não me lembro exatamente onde é. Armas em punho, vamos nos dividir e procurar. Melany comigo, no sentido norte; Heloise e Leonard, no sentido sul. Quem encontrar a entrada dispara um feitiço para cima.
Todos concordaram e, então, o grupo se separou. Embora não fosse tocar no assunto, no entanto, Svan notou que a amazona estava mais calada do que costumava ser em outrora. Ao mesmo tempo em que estava alerta, focada na missão de encontrar uma forma de sair dali e voltar para Carlin, Melany parecia também assustada e, por algum motivo, parecia querer ficar sozinha.
Antes que Svan dissesse qualquer coisa, cedo demais, os dois notaram um feitiço sendo disparado para cima, poucos metros ao sul.
— Essa foi rápida – ele sorriu para ela, mas Melany lhe deu as costas em silêncio e começou a andar.
Ele deu de ombros e a seguiu. Surpreendentemente depressa, encontraram-se com Heloise e Leonard, que apontavam para um buraco aberto exatamente na junção das rochas da montanha com o chão de terra.
Svan fez que sim.
— Exatamente por aqui – confirmou.
Lentamente, os quatro desceram pelo buraco, saindo em uma caverna ligeiramente apertada. Aqui e ali, a água do oceano ia se infiltrando, provavelmente oriunda de outros túneis cavados e que vieram a desabar no curso do tempo. Poucos passo adiante, havia um buraco no teto baixo por onde se infiltrava uma parca luz perolada.
Svan deu de ombros e tomou a frente, conduzindo o grupo. Finalmente, chegaram à superfície.
Não podia haver surpresa maior.
Todo o campo visível estava absolutamente soterrado por uma densa camada de neve. Onde a linha do continente se coadunava com o oceano, no extremo leste, pequenos cristais de gelo acompanhavam as ondas, acumulando-se em grandes flocos na costa.
Adiante, próximo dos destroços de um navio que outrora devia ter sido muito funcional, havia um homem velho e muito magro, todo trajado com pesadas roupas azuis e reflexivas. Era uma forma interessante de enfrentar o inverno rigoroso.
O capitão de Heloise o conhecia muito bem. Jack Fate era um fantasma, proprietário do navio que fazia a travessia entre Goroma e Liberty Bay, e que havia sido morto em uma expedição à ilha em uma emboscada armada por trasgos. Ele não parecia fazer conta do frio, mas dava a impressão de estar absolutamente decepcionado.
— Jack – cumprimentou Svan, batendo os dentes.
— Tudo destruído – disse ele, a voz etérea e distante. – Meu navio destruído.
Dos quatro amigos, a rainha e Melany enfrentavam o frio com muita tranquilidade. Provavelmente por causa de suas habilidades especiais de druidas, que utilizavam o gelo como elemento próprio de sua natureza.
— Jack, o que houve?
O capitão do navio olhou para Svan e depois para Leonard, fixando-se no arqueiro. Não disse qualquer palavra.
Svan relanceou mais um olhar nos arredores. O céu estava totalmente encoberto por uma densa nuvem até onde os olhos podiam enxergar.
— O Arqueiro de Crunor – disse Jack Fate repentinamente, sem tirar os olhos de Leonard. – A força da sua criação em ambiente terreno.
Os amigos entreolharam-se e, de repente, o capitão se aproximou de Leonard muito depressa. Não havia trinta centímetros entre a distância do rosto do capitão para o rosto do arqueiro.
— Conhece sua missão, Leonard Saint?
Leonard tentou recorrer aos amigos, mas nenhum deles se manifestou.
— Mate o comandante, assuma seu lugar – continuou Jack Fate, aparentemente em transe.
— Que comandante?
Jack sorriu, revelando a ausência de vários dentes.
— Mate o comandante, assuma seu lugar – repetiu.
Leonard abriu a boca para argumentar novamente mas Jack o interrompeu.
— Mate o comandante, assuma seu lugar! – ele gritou, falando muito depressa, alucinado. – Mate o comandante, assuma seu lugar! Mate o comandante, assuma seu lugar! Mate o comandante, assuma seu lugar!
O arqueiro estava prestes a sair correndo por puro desespero quando Svan sacou sua espada e atacou o fantasma, que desapareceu instantaneamente. Leonard sabia como o capitão fizera aquilo: ferro puro em contato com um fantasma afasta-o por algum tempo. Seria o suficiente para que Leonard colocasse suas ideias em ordem.
Jack Fate estava em Goroma havia mais de mil anos e já devia ter visto absolutamente tudo na vida – ou na morte. “O Arqueiro de Crunor”, ele dissera. Todos sabiam que Jason era o detentor da Espada, que era descendente de Crunor e que era seu escolhido. Leonard não fazia ideia de o que significava ser o Arqueiro de Crunor.
Além disso, a qual comandante o barqueiro se referia? “Mate o comandante, assuma seu lugar”, ele havia repetido incessantemente. Svan era capitão. Afora isso, não conhecia mais ninguém que ocupasse alguma posição de comando em qualquer cadeia militar.
Naquele instante, Svan, que havia caminhado até o navio para checar suas condições, já vinha retornando com dificuldade, abrindo espaço pela neve alta. Ele sacudiu a cabeça em tom positivo.
— Algumas das estruturas da embarcação estão conservadas. Embora não seja possível navegar, talvez possamos passar a noite.
Como o capitão chegara à conclusão de que estava anoitecendo, Leonard não tinha a menor ideia. O céu, naquele lugar, parecia sempre denso e sempre negro. Era difícil de identificar a diferença entre o claro e o escuro ali.
Os quatro chegaram ao navio puído e quase totalmente dominado por algas, que se agarravam e cresciam aqui e ali, e subiram as escadas para o convés. Svan tinha razão, aquele navio não estava apto para navegar. A amurada estava parcialmente destruída e faltavam várias tábuas no convés, além do que outras tantas estavam soltas e todos precisavam se atentar ao pisar em qualquer uma delas.
Parte da embarcação estava encalhada na neve, onde havia um imenso rombo no casco, que parecia ter sido atingido por uma bala de canhão gigantesca. A pequena parcela do navio que encontrava-se na água não era funcional e estava corroída em vários pontos.
Os amigos subiram até a cabine de comando e empurraram a porta, que estava intacta. Lá dentro, à exceção da poeira que se acumulava no chão e nos móveis gastos, não havia qualquer outro sinal de vida. Três redes empoeiradas haviam sido estendidas entre os mastros que cortavam a cabine.
Heloise e Melany limparam o lugar rapidamente com o uso de magia. Os quatro se assustavam sempre que o feitiço saía mais forte do que o necessário e fazia ranger as estruturas do navio; porém, não levou muito tempo para que a cabine estivesse temporariamente habitável novamente.
— Alguém terá que dormir no chão – observou Svan.
Leonard sacudiu a cabeça.
— Faremos um revezamento das redes. Um de nós sempre deverá estar de vigia, então, não haverá prejuízo para ninguém.
O capitão fez menção de tomar o primeiro turno, mas Leonard sacou o próprio arco e o impediu.
— A guarda inicial é minha. Descanse. Fazemos o primeiro revezamento em uma hora e meia.
Svan não discutiu e logo assumiu uma das redes, sendo espelhado por Melany e Heloise, que não tardaram para adormecer. Ele estava certo, pensou Leonard, quando saiu para o frio enregelante: estava escurecendo muito rapidamente. Logo, a noite lançou seu manto intransponível sobre eles, por cima daquele nevoeiro que não arredava pé.
Pouco mais de meia hora depois, o fantasma de Jack Fate ressurgiu, mas não subiu no navio. Em vez disso, o maluco se manteve lá embaixo, de costas, gritando “mate o comandante, assuma seu lugar”, até que Leonard perdeu a paciência e atirou um mancal de ferro contra ele, fazendo-o desaparecer.
O arqueiro se recostou na amurada parcialmente destruída e tentou entender o que estava acontecendo.
Inutilmente.
*
Apocalypse entrou na sala fria de Cain e olhou para todos os cantos, ligeiramente enojada. Ele não fez menção de ter notado sua presença, mas logo não houve mais como fingir.
— Comandante – ela concedeu, de má vontade.
— Pois não, soldada.
Ela torceu o nariz, irritada.
— Tem noção de que deixou escapar o Arqueiro de Crunor?
Cain assentiu uma vez, analisando longamente o fio do punhal que segurava entre as mãos nodosas. Sua barba tremeu um pouco, como se ele estivesse fazendo esforço para não rir.
— Não tem receio de que…
Ele se levantou e se aproximou dela, que não pode evitar se retesar.
— Não sou como vocês, demônios imundos, que dão a bunda para não perder a vida – disse ele, mordaz. Apocalypse recuou um passo. – Chama-se “dividir para conquistar”. Se Jason Walker estiver aqui, Leonard Saint vai recorrer a ele cedo ou tarde.
Apocalypse não respondeu, tampouco conseguiu sustentar o olhar de Cain.
— Saia da minha frente, ralé, antes que perca minha paciência definitivamente e tranque você na jaula de Lúcifer.
Ela lhe deu as costas e saiu caminhando, um pouco confusa.
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