"Aux armes, citoyens, Formez vos bataillons - Sem Título", ganhador do concurso de melhor conto 2008, através deste tópico: http://forums.tibiabr.com/showthread.php?t=270347
Aux armes, citoyens, Formez vos bataillons
Alguma região da Alsácia, inverno de 1915.
O dia amanheceu cinzento. Ainda que já fosse inverno, a triste melancolia do outono ainda pairava no ar. Estava frio, menos de dez graus. Toda a região estava quieta, morta. A camada de neve ultrapassava cinqüenta centímetros. O vento uivava, levantando pequenos flocos de neve, que se arrastavam preguiçosamente pelos troncos nus das poucas árvores que ali estavam.
Jacques tentava inutilmente acender um fósforo na sola das botas desgastadas. A sola já estava se desfazendo, assim como a parte de cima de couro. Quando o fósforo pegou, o soldado procurou no bolso das vestes sujas o cigarro que comprara. Mas, infelizmente, este havia desaparecido. Xingando baixinho, o francês apagou o fósforo no chão lamacento da trincheira.
O fedor já não incomodava mais o soldado, há de dois meses naquele buraco detestável. Metade do seu batalhão já tinha perecido, quase todos por doença ou congelados. A dura realidade da guerra era essa. O que mais matava eram as condições miseráveis a que os soldados eram submetidos. Pequenos ferimentos provocados pelos estilhaços das armas inimigas eram mais eficientes que as próprias armas.
Jacques coçou a barba, pensativo. Apesar de ser uma regra militar a obrigação de raspar a barba e o bigode, a falta de água limitava o acesso dos soldados aos banhos e outros cuidados higiênicos. O homem seguiu rastejando até junto do seu amigo Pierre. Este estava jogando cartas, sozinho. O baralho era roto, algumas cartas nem poderiam ser reconhecidas, mas Pierre cantarolava o hino francês enquanto jogava paciência.
Jacques chamou o amigo, que parou imediatamente de jogar. A face magra de Pierre estava mais evidenciada pelas profundas olheiras e a palidez do rosto. Jacques pediu um fósforo e um cigarro ao companheiro. Este concedeu de bom grado o fósforo, mas fez um gesto negativo, indicando que não tinha nenhum cigarro.
O soldado continuou rastejando, a procura de outro amigo para lhe dar um cigarro. Quando começou a sentir o cheiro de bebida, adivinhou que estava perto de Charles, o sargento que sempre vivia embriagado. A guerra tinha levado a família inteira de Charles, assim como seu controle sobre o álcool. O soldado passou direto, se acendesse fogo perto de Charles era provável que o sargento queimasse até a morte.
De repente, como que saudando a manhã que se levantava, um clarim soou alto no ar frio. Jacques desistiu da busca ao cigarro e foi com os outros até o espaço central da trincheira. A respiração provocava pequenas nuvens prateadas em volta das cabeças. O capitão estava acocorado, esperando que todos se reunissem. A expressão era de melancolia, que se enquadrava bem à paisagem desolada.
O capitão Du Bois explicou a situação: as trincheiras alemãs estavam desgastadas e a artilharia inimiga sem munição. Comandaria ele um esquadrão para capturar mais meio quilômetro do território francês ocupado. Por isso, precisava contar com o patriotismo dos soldados da nação francesa. A mãe pátria estaria olhando para seus bravos soldados, estava dependendo deles. O discurso inflamou um pouco os ânimos. Pierre começou a cantar o hino, sendo imitado pelos outros.
A artilharia francesa começou a trabalhar, abafando o canto. Du Bois ergueu-se e transpôs a cerca de arame farpado, momentos antes derrubada. Foi seguido pelos seus subalternos, que gritavam enquanto corriam em direção à outra trincheira. Os gritos morreram quando os obuses explodiram de novo, levantando a providencial fumaça, que encobriria o ataque. Flocos de neve caiam, auxiliando a empreitada.
O rifle pesava nos ombros de Jacques, seu braço direito tremia de vez em quando. O homem ouvia um estranho zumbido, provocado pelo barulho da artilharia. A boca secou e as entranhas pareciam geléia. O soldado obrigou-se a correr agachado, junto com os outros. Os tiros já não eram ouvidos, os olhos se encheram de lágrimas por causa da fumaça. Só era meio quilômetro, quinhentos metros. O hino francês ecoava pela mente dele.
Tropeçou numa pedra, que não tinha visto. Caiu de cara na neve pisoteada pelos companheiros. Levantou-se e correu de encontro a eles. Mas, num átimo de segundo, os ouvidos de Jacques voltaram ao normal. Podia ouvir os gritos dos seus amigos. Mas estes já não eram patrióticos, eram gritos de dor. Já não se ouvia os obuses amigos. Um som terrível preenchia o ar. O som da morte. Os tiros da metralhadora não paravam. Todos os soldados franceses foram caindo, um por um. No final, Jacques estava estendido no solo frio de inverno.
Sua barriga estava aberta, de onde jorrava uma profusão de sangue. Suas mãos tentavam inutilmente estancar o líquido vermelho que vazava. Uma dor dilacerante tomou conta do soldado. Uma lágrima solitária saltou dos seus olhos, caindo pela face suja até a barba cheia de pulgas. Seus lábios já não estavam ressecados, úmidos pelo próprio sangue. Seus olhos fitaram pela última vez o céu francês. A neve caia em flocos brancos.
Ai está o conto.
(obrigado Holvest pela ótima idéia do título)
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