O Arauto do Expurgo
Índice
Capítulo I - Visita
Capítulo II - Ataque
Capítulo III - Fuga
Capítulo IV - Desconhecidos
Capítulo V - Escuridão
Capítulo VI - Veraneio
Capítulo VII - Êxtase
Capítulo VIII - Máscara
Capítulo IX - Lucina
Capítulo X - Reincidência
Capítulo XI - Ascensão
Capítulo XII - Queda
Capítulo XIII - Cadáver
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O Arauto do Expurgo
Capítulo I
Visita
Era madrugada. Todos os habitantes da região acordaram com uma sensação de angústia, medo e dor. Terríveis criaturas aladas pairavam sobre aquele vilarejo, produzindo ganidos estridentes. Um garoto curioso se aprumava na janela e espiava o céu, na tentativa de ver os demônios.
– Saia da janela, Sam – disse um viajante que passava pela rua. – Você não sabe que esses bichos trazem má sorte e desgraça por onde passam?
Sam olhou timidamente para o homem e começou a reparar em suas feições. Ele era jovem, tinha estatura mediana e um corpo magro. Seus cabelos pretos, lisos e muito desarrumados, cobriam a sua testa. Usava roupas de outra região e uma longa espada nas costas. O viajante estava muito sujo e cansado, mas trazia consigo um largo sorriso no rosto. Demorou algum tempo para ser reconhecido.
– Ora, pare com isso – falou o viajante, quando percebeu que o garoto estava prestes a desabar em lágrimas. – Como andam as coisas por aqui?
O garoto ignorou a pergunta e o abraçou. Tremia e soluçava muito, inundado em um misto de êxtase, felicidade e agonia. O homem não resistiu ao calor humano e retribuiu o abraço. Fez um afago na cabeça da criança e o incentivou a responder a pergunta. O menino engasgou–se duas vezes na tentativa de falar algo.
– Você... Você voltou... – então reuniu todas as forças que tinha e gritou o mais alto que pode. – O HERÓI VOLTOU! VINCENT ESTÁ DE VOLTA!
***
Uma aglomeração se formou no meio da rua. Pessoas saíam de suas casas para verificar se o que o garoto dizia era realmente verdade. Todos olhavam para Vincent, parecendo não acreditar que o herói da cidade tinha realmente retornado. Uma velha senhora chegou perto do viajante e tocou–lhe a face.
– É você... Depois de tanto tempo... Sabe que veio em boa hora, não é?
– Sim – respondeu firmemente. – Eu vim exatamente para isso. Agora, voltem para suas casas. O Arauto está atrás de mim, ele deve chegar em breve.
Houve um longo silêncio. Todos pareceram congelar ao ouvir as palavras de Vincent. Uma jovem soltou um grito agudo e logo em seguida desmaiou. O barulho conseguiu quebrar o transe que se iniciou depois da terrível notícia, e a jovem foi rapidamente socorrida por seus vizinhos.
No céu, as bestas passaram a voar em círculos, alguns metros acima da aglomeração. De vez em quando, um deles fazia menção de pousar, mas apenas descia alguns metros e grunhia para os humanos. Logo em seguida, voltava ao seu posto.
– E agora, o que será de nos? – indagou Sam, com os olhos firmes em Vincent. As lagrimas ainda escorriam pelo seu rosto. – Você vai acabar com ele, não é? Você é nosso herói, você pode tudo!
– Eu não posso com O Arauto. Mas não se preocupe, pois nada ainda é definitivo. – Respondeu Vincent, sem acreditar nas próprias palavras. Fazia esforço para manter o sorriso e um ar de descontração.
Vincent deu as costas à aglomeração, andou alguns passos, olhou para trás e gritou uma ordem de retirada. O seu grito soou como um trovão e ninguém ousou desobedece-lo. Até mesmo os terríveis demônios se dissiparam no céu. Em pouco tempo, todos estavam de volta ao conforto de suas casas. Sam foi o último a entrar, despediu–se do herói com um olhar mortificado e a boca seca.
***
O Arauto chegou. Não era belo, tampouco humano. Absurdamente alto e magricela, andava gingando, como se não conseguisse se sustentar. Seu rosto era tenebroso: olhos totalmente brancos e vidrados, boca e queixo exageradamente finos, quase sem nariz. Possuía cabelos ralos e a pele negra como a noite, tornando fácil a camuflagem na escuridão. Suas mãos continham seis dedos finos, que mais pareciam garras. Não utilizava vestimentas, mas geralmente permanecia coberto com suas enormes asas lúgubres e putrefatas.
Vincent estava a sua espera, sentado em um barril e encostado na parede de um casebre. O monstro postou–se à frente do herói, estendeu o braço direito e mostrou dois objetos na palma de sua mão.
– Você conhece as regras – disse O Arauto, com uma voz muito rouca. – Não tente me enganar novamente.
Todos os outros demônios tinham se acomodado no telhado de uma casa próxima. Eles observavam o que se passava e permaneciam preparados para qualquer tentativa de fuga.
Vincent pegou os objetos rapidamente e sem hesitação. Eram dados de seis lados. Cubos pretos, com pontos brancos. Emanavam uma energia estranha, possuíam um leve brilho e peso anormal. O herói já estava acostumado com aquele jogo.
– Conheço teu tipo. Faz essa pose, não tira esse sorriso do rosto, mas a verdade é que esta tremendo nas bases. Se pudesse, já teria fugido – O Arauto imitava o linguajar humano e falava de forma debochada, olhando fixamente para ele. – Cê sabe que um dia eu vou ter de matá–lo, não é? Ou pretende continuar assim pelo resto da tua vida miserável?
O demônio sabia que o herói não iria responder, mas não se importava, pois ele tinha certeza que aquelas palavras feriam por dentro. O Arauto era mais eficaz em causar a dor psicológica do que a física. Além disso, ele se divertia muito com o seu trabalho.
De fato, Vincent ignorou completamente o comentário e a pergunta. Levantou-se do barril, deu as costas à criatura e atirou os dados sobre o tampo de madeira. Logo que viu os números sorteados, soltou um suspiro com ar de quem acha que poderia ser pior.
O Arauto não precisou olhar o número. A soma dava sete, e ele já sabia disso antes mesmo dos cubos rolarem. Soltou uma gargalhada ruidosa, pegou os dados de volta, agitou as asas e preparou-se para alçar vôo.
– Dessa vez... – falou Vincent, com uma voz que não parecia a dele. – A vítima sou eu.
A princípio, o monstro não compreendeu. Ficou um bom tempo com seus olhos arregalados, fitando as costas do herói e a sua bela espada, com bainha dourada. Sua cabeça deu um estalo e ele finalmente entendeu o que se passava. Por fim, abriu um largo sorriso.
– Cê que sabe – disse O Arauto, enquanto levantava os ombros em um gesto de que não se importava.
Não se demorou muito mais e foi embora voando. Vincent o acompanhou com os olhos, e antes de vê-lo sumir no horizonte, reparou que fachos de luz passavam entre rasgos nas asas do monstro. Junto com ele, todas as outras criaturas das sombras se foram. Amanhecia.
***
A grande verdade é que o herói estava acabado e triste, mas mantinha sua pose sóbria e um sorriso estampado no rosto, a fim de tranqüilizar os habitantes e irritar os demônios.
Entretanto, ele não agüentava mais. Caiu de joelhos no chão e, chorando lágrimas penosas, deu um soco no chão de terra batida, levantando muita poeira. Pensou no vilarejo, na integridade daquelas pessoas e na sua dor interior. Refletiu sobre sua vida sofrida e as dificuldades em sua jornada, ainda em dúvida se tinha feito a escolha certa.
– Por quê? – perguntou-se em voz muito baixa. – Por que ele faz isso? Por quê?!
O céu já se encontrava claro e límpido, como se aquele fosse um dia primaveril qualquer. Uma brisa fraca dava um ar agradável à rua. Não existia sinal algum dos demônios. Entretanto, nenhum habitante do vilarejo tinha reunido coragem o suficiente para sair de sua casa.
Vincent reparou como o lugar era muito mais bonito sem as bestas por perto. De repente, um sentimento forte de nostalgia o atingiu e ele se lembrou de como tinha vivido uma bela infância e juventude naquela mesma rua.
“Tenho pouco tempo”, pensou. Não resistiu mais, tombou no chão, dormindo quase que instantaneamente. Enfim, podia descansar.
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Marcotonio, valeu pela revisão do Capítulo I e pela ajuda com a gramática.
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