
Postado originalmente por
Ozco
Todo país que legalizou a maconha medicinal teve um aumento de usuários e de gente fraudando doença pra comprar maconha, e outros pouco depois legalizaram o uso em geral, então os crentelhos não estão muito longe da realidade, posso até ver a molecadinha do ADHD fazendo isso.
Se esse é o único argumento contra (e não é, na comissão especial apareceram alguns ainda mais lamentáveis), então a posição contrária é muito frágil, simplesmente porque esse argumento é muito ruim. Resumindo, ele é um apelo emocional falacioso, baseado em nada e de quem não leu a PL. Eu até entendo ele vir de gente que está por fora mas ele foi proferido por deputados que foram apresentados ao texto e às evidências, então só posso crer que é posição baseada em má-vontade, crença ou desonestidade.
Vou colocar alguns pontos aqui, se não tiver com saco pra ler, é só ir pro final.
Primeiro, falta consistência lógica ao argumento. Por exemplo: podemos facilmente inferir que todo país que inseriu dentro de suas opções de fármacos novas drogas obviamente passou a ter mais usuários dessas drogas, pessoas fraudando receituário e potencial consumo ilegal por menores de idade. Isso é uma conclusão óbvia, acontece com drogas MUITO mais nocivas do que a maconha, como por exemplo, qualquer tipo de benzodiazepina, estimulantes derivados de anfetamina e esteroides anabolizantes. O debate intelectualmente honesto é: os ganhos em termos de saúde e recursos clínicos ultrapassam esses riscos?
Segundo, que ele infere algo que não foi demonstrado de forma consistente em nenhuma revisão sistemática (que, vamos concordar, são muito melhores em termos de evidência do que "vi em algum lugar que na Holanda...").
A mais recente, que foi realizada nos principais cenários de legalização/descriminalização/regulação pelo mundo, mostra que existem levantamentos estatísticos com conclusões mistas (muitos por problemas de metodologia, inclusive). Mas observe na figura, as evidências relativas à análise de lugares em que a regulação do uso medicinal foi feito nos moldes da nossa PL (linha 3):
Algumas evidência majoritária de pouca percepção de dano social, algumas evidências do aumento de uso não tão grande. Pouca ou nenhuma evidência de usos irregulares e, quando existe, ela demonstra um decréscimo. Se a maconha medicinal fosse um bicho papão, isso deveria salta aos olhos nos levantamentos estatísticos.
Aí vem o outro lado do argumento: os derivados da cannabis são realmente úteis, clinicamente falando. Posso postar aqui se necessário mas é fácil achar algumas dezenas de revisões sistemáticas recentes da utilização da cannabis para tratamento de doenças. Sem falar que não é nem possível encontrar mais benefícios no Brasil, já que, da forma que a lei está, até o cultivo para pesquisa é proibido.
Resumindo: não existe nenhuma evidência de que a liberação da produção de substâncias farmacológicas produzidas a partir da maconha tenha efeitos sociais que sejam dramaticamente maiores do que qualquer outra droga medicinal (consumo por menores e aumento do tráfico, por exemplo).
Além disso, existem fartas evidências sobre o funcionamento das substâncias (CBD e THC), para o tratamento de doenças crônicas, além de evidências que demonstram pouco ou nenhum potencial de abuso dessas substâncias isoladas (principalmente o CBD). Ou seja, não tem nenhum argumento que sustente a maconha ter um tratamento diferente em termos de produção para uso medicinal do que outras drogas que já são regulamentadas e produzidas no país.