Capítulo 3 – O adeus e o perdão.
- Mais rápido! Está parecendo uma moça! Vamos Argos, força nesse braço rapaz! – gritava Donovan enquanto desferia seqüências de golpes com uma clava de madeira. O garoto girava rápido e bloqueava os ataques com o escudo de bronze do seu mestre, porém o impacto às vezes o derrubava e ele recebia críticas sobre o seu movimento. O céu negro, repleto de estrelas finalmente mostrava que o tempo acabara.
Desde que Donovan Skyhole havia sido escolhido como mestre do pequeno Argos, ele não havia descansado. Parando apenas para se alimentar e dormi quando suas forças não eram mais suficientes para deixá-lo em pé. Sem perceber Argos melhorava, sua habilidade com o escudo havia surpreendido seu próprio mestre, tinha facilidade para bloquear e uma boa visibilidade e raciocínio quando atacado. Porém, não havia progredido muito com a clava, muito menos com a espada que seu mestre havia conseguido para tentar treiná-lo. Donovan não entendia porque o rapaz não tinha facilidade com armas, às vezes se perdia em pensamentos: “Quem sabe um druida, ou até um mago?”. Era melhor nem pensar em situações assim, Donovan não era um grande amante da magia e resolveu que seu pupilo seria um guerreiro, assim como ele.
O dia seguinte amanheceu nublado, uma chuva fraca molhava o gramado e as árvores da cidade, as ruas não ficavam tão movimentadas em dias assim. Um barco acabara de aportar em Rookgard, e foi recebido por Cipfried que sorria como sempre.
- Novatos? – perguntou Cipfried ao capitão do barco que o cumprimentou com um gesto de cabeça.
- Não, encomendas. E muitas delas. A maioria direcionada a um rapaz chamado Aletch, conhece? – disse o capitão, desconfiado.
- Sim, Aletch Elthan. Esse rapaz recebe muitas encomendas, você não é o primeiro a ficar surpreso senhor capitão, pode ter certeza disso. – sorriu o monge, enquanto abria caminho para que os marujos descarregassem os pacotes.
- Bom dia. – uma voz rouca e grave chamou atenção de Cipfried, que olhou para na direção da mesma.
- Ah, bom dia Donovan! – sorriu o monge e o cumprimentou – Olá Argos. Seymor me disse que você está se dedicando muito ao seu treinamento, e por causa de sua força de vontade Donovan agora é seu mestre! Levou muita sorte rapaz... – fez um cafuné nos cabelos do garoto, enquanto sorria.
- Estou treinando muito, quase o tempo todo. – disse o garoto orgulhoso enquanto seus olhos chegaram até as pilhas de pacotes que havia se formado ao lado do monge – Encomendas do continente?
- Sim meu rapaz, mas quase todas são camisas bordadas à mão com o emblema da família dos Elthan. – mostrando algumas pilhas de pacotes que o marujo descarregara – Aletch Elthan é um dos melhores guerreiros da ilha, aposto que o Oráculo concorda comigo. Mas ele insiste em dizer que precisa fazer algo aqui antes de ir, a escolha é dele, certo?
- Desculpe Cipfried – disse Donovan, interrompendo o monge – Mas preciso levar meu garoto para descobrir o quão forte ele está. Não vou mostrá-lo aos ratos, vou testar as habilidades dele com algo mais forte.
- Testar? Você encara Argos como uma peça? – comentou indignado – Ele deveria enfrentar ratos como todos os outros, até os ratos são perigosos para ele.
- Não, não encaro, e também sei que ele não precisará enfrentar ratos. A primeira criatura que ele irá enfrentar será mais ameaçadora do que aqueles animais estúpidos que habitam os bueiros dessa cidade.
- Eu já enfrentei ratos... – comentou Argos, sem dar muita atenção ao que dizia – Demorei algum tempo para derrubá-los, mas não sofri um ferimento sequer.
- Já enfrentou ratos e eu não sabia? – perguntou Donovan, gargalhando – Ouviu isso Cipfried? Por esse motivo que quero descobrir o tão forte que este rapaz é, e testar suas habilidades com ratos não será suficiente. O Oráculo vai aceitá-lo antes de qualquer outro novato que veio na última remessa do continente, tenha certeza disso. Vamos Argos. – e se virou, seguindo em direção a ponte norte do continente, para sair da cidade.
Argos o seguiu, se despedindo com um aceno de Cipfried, seu mestre então mudou a rota e entrou à direita.
- Loja do Obi? – comentou baixo, enquanto seguia o seu mestre.
- Bom dia, caro Obi! – cumprimentou Donovan, entusiasmado.
- Bom dia Donovan. – apertou a mão do homem – Posso ajudá-lo?
- Bem, uma calça e uma armadura de cota de malha. Meu jovem aqui – disse mostrando Argos – irá enfrentar bons desafios hoje. Certo?
- Certo. Bem, são vinte moedas de ouro. – disse Obi, enquanto colocava a armadura e a calça sobre o balcão.
- Aqui está. – entregando um saco com vinte moedas.
- Obrigado Donovan, e volte sempre meu amigo. – sorriu Obi, enquanto Donovan saia de sua loja.
Donovan seguia seu caminho, enquanto Argos ao seu encalço vestia a armadura de cota de malha. Quando desceram do outro lado da ponte, Argos viu que a ilha era muito maior do que ele imaginara até o momento: todos os lados que ele olhava só era possível ver terra, árvores e alguns veados que pastavam por ali. Viu também alguns guerreiros que caminhavam para o leste da cidade, muito bem armados, com poções de vida e algumas pedras de símbolos estranhos, a qual Argos não tinha a mínima idéia do que se tratava. Donovan continuou seguindo ao norte, chegando nas ruínas de uma casa. Um rio passava logo à esquerda da casa, e ao norte dela havia uma montanha.
- Uma vez me contaram que as pessoas que moravam aqui fizeram um caminho subterrâneo, em busca de tesouros nessa ilha. Porém, o máximo que encontraram foi uma morte dolorosa, creio eu. Tenho só a agradecer, por abrir esse túnel por todos nós. – gargalhou Donovan e desceu as escadas, com a maça em punho.
Argos terminou de vestir as calças de cota de malha que seu mestre havia comprado, e desceu com sua clava de madeira logo atrás de Donovan. O local era escuro e úmido, tinha um odor estranhamente mal-agradável e conforme andavam o garoto tropeça em corpos de seres muito grandes, de pele cor de terra.
- O que são isso? – comentou Argos, com um tom de medo na voz.
- Trolls. Não precisa temer, eles não são muito inteligentes e parece que bons guerreiros passaram por aqui. Estão todos mortos. – sorriu Donovan, enquanto tirava uma tocha de sua bolsa, acendendo-a.
Argos apertou mais a mão contra a clava enquanto andava, agora a tocha iluminava a caverna o suficiente para o garoto se preparar caso alguma criatura apareça. Quando enfrentou os ratos, também teve medo. Mas ratos não tinham dois metros de altura. Donovan estava com ele, não precisava temer.
- Bem, vamos descer aqui. – disse Donovan à Argos, guardando a maça e descendo as escadas, seguido pelo jovem.
Novamente um corredor fétido e longo surgiu a sua frente, não era possível ver mais do que cinco metros de onde estavam. A luz emitida pela tocha não era tão forte, certamente Donovan já havia usado em outra circunstância. Argos continuou atrás de seu mestre, não ousava dizer uma só palavra com medo de chamar a atenção de criaturas que por algum motivo estivessem o esperando.
- Sorte Argos, muita sorte. Ótimos guerreiros já passaram por aqui, assim como no andar de cima. Nenhum sinal de perigo. – comentou Donovan enquanto escolhia o caminho da direita de uma bifurcação.
- O senhor já esteve aqui? – perguntou Argos.
- Não, nunca. Não gosto muito de lugares assim, sei o quanto eu sou forte e por isso respeito as criaturas que eu não sou capaz de enfrentar. – sorriu o homem, e seu bigode tomou uma forma engraçada – Mas bem, talvez as enfrentando hoje o Oráculo aceite que eu sou um bom guerreiro e estou pronto para ir ao continente.
- O monge disse sobre o Oráculo, mas afinal, quem é ele?
- É um ser mágico, que fica sobre a biblioteca. Ele é capaz de ver em ti seu poder e potencial, escolhendo se você está pronto para ir ou não para o continente. Ele é o único que pode intitular qualquer guerreiro, mago ou paladino. – disse Donovan, quando chegou novamente em outra escada – Bom, reze para que Crunor ainda esteja orando por nós, se ele nos ajudou até aqui que continue. – e dizendo isso, guardou novamente a maça e desceu a outra escada.
Argos o seguiu, em silêncio. Neste andar eram notáveis alguns sinais de vida, alguns pedaços de frango sobre uma mesa improvisada, uma fogueira ao canto e um corpo de uma criatura verde que Argos conhecia muito bem, os Orcs. O mago Gadembler havia contado muitas histórias sobre eles, e até os desenhava no ar com sua magia. O garoto seguia seu mestre, sentindo um arrepio que percorria toda a sua coluna. Borboletas voavam no seu estômago, a ansiedade aumentava a cada passo.
- NÃO! – bradou uma voz de algum lugar na escuridão.
Um rugido alto em uma língua desconhecida, um golpe seco. O silêncio.
- ARGOS! VOLTE! VOLTE! – gritou Donovan, batendo com a maça no chão – NÃO PERCA TEMPO MOLEQUE!
Argos estava paralisado, e o motivo não era apenas o susto. Pela escada por onde desceram agora surgiam Orcs, os dentes cerrados, sedentos por sangue. Alguns com armaduras e outros apenas com armas que deviam ter pegado de guerreiros assassinados por eles. Eles eram grandes, robustos. Ameaçadores.
- MALDITOS! NÃO OUSEM TOCAR NO GAROTO! – Donovan agora puxara Argos para mais perto dele, o protegendo com um escudo. Só neste momento o garoto percebeu que próximo à mesa havia um corpo que já apodrecia, o vestido sujo e rasgado de uma garota com uma espada de lâmina muito afiada em punho.
- Mestre! Mestre! A garota está morta! – Argos se soltou das mãos de Donovan, e correu até o corpo dela. Estava morta, era real. Sentiu um ódio intenso pelos Orcs, sentiu o seu sangue borbulhar. Cada célula de seu corpo gritava por sangue, Crunor lhe dava forças. A clava de madeira bem segura a sua mão, o jovem se levantou.
- VOLTA AQUI ARGOS! – Donovan gritou, enquanto os Orcs se aproximavam pelas suas costas.
Mas Argos não ouvira, seu ódio lhe privara dos sentidos. A clava em sua mão naquele momento se tornara a arma mais mortal de todo o continente. Seguindo na direção da voz que havia gritado na escuridão, Argos queria matar.
- Crunor... – o rapaz murmurava seguidamente enquanto caminhava para o desconhecido. O medo sumira do seu peito, como criaturas poderiam ser tão malditas a ponto de matar uma garota que não havia vivido nem quinze anos?
Então um vulto surgiu, caminhava firme na direção de Argos. Batia os cascos no chão a cada passo, bufava. Era tão grande quanto os Trolls, mas tinha o corpo de um humano. Não de um humano normal, era robusto e não trajava vestes. Ao invés de pés, a criatura tinha cascos. A cabeça não era de um homem, era de um touro.
- ARGOS! – bradou uma voz que o garoto não ouvira, seu único objetivo agora era provocar naquele monstro tudo que aquela garota devia ter passado.
O minotauro rugiu, e atacou o jovem com uma maça que ele carregava. O garoto conseguiu se esquivar, a clava de ferro passou a centímetros de sua cabeça. Dando dois passos para direita Argos atacou o minotauro na direção da coluna, mas seu ódio não era suficiente. A sensação de força não era suficiente. Argos demorou muito a perceber isso. A clava foi bloqueada com o braço esquerdo do minotauro, que mesmo sem escudo não sofreu ferimento.
- ARGOS!
A voz acordou o rapaz, que deu alguns passos para trás. O eco que ela emitiu percorreu toda a caverna. O minotauro deu um passo à frente, esmagando a cabeça de um cadáver de Troll no chão, e atacando o jovem com um soco que o acertou no peito. Argos foi lançado ao chão, o peito explodindo, sufocado. Encostado na parede da caverna, o jovem percebeu que não estava preparado, não estava pronto, não era forte. Percebeu que o fim poderia chegar a qualquer momento, sentia medo, seu corpo todo tremia. A clava de madeira estava ao pé do minotauro, a cinco metros dele. A criatura parecia se deliciar com a situação, e caminhava devagar, batendo a maça contra o chão.
- ARGOS!
O rapaz olhou na direção da voz e viu Donovan sendo atacado pelos Orcs, o corpo ensangüentado, a maça no chão, movimentos perdidos, o sangue se esvaindo. Caminhando sem direção, tentando seguir até Argos enquanto um Orc mordia um músculo do seu ombro, próximo ao pescoço.
- MESTRE! NÃO MESTRE! – lágrimas escorriam pelo seu rosto, o peito doía, queria levantar, mas não conseguia. A exaustão o abateu, eles iriam morrer ali.
Quando Donovan se aproximou do jovem, com os Orcs o seguindo apenas apreciando a cena, o jovem tentou ajuda-lo, porém o minotauro acertou a cabeça de seu mestre com a maça. O homem foi lançado para trás, caindo no chão, imóvel, morto.
O minotauro bufou enquanto erguia a clava. Argos apertou os olhos, o fim da sua história seria essa? Ele nunca seria como seu pai, isso o entristeceu. Lágrimas novamente correram o seu rosto, a morte se aproximava.
- Perdão mestre. – sussurrou o garoto, ao ouvir o grunhido de ataque do minotauro.
Por favor galera, comentem.
Sem mais;
Asha Thrazi!