II

Dois dias e duas noites, suor, escassez de alimentos e a sensação de estar perdido. Ao sair de Carlin, Jethro decidiu iniciar sua caminhada em direção a Ab’Dendriel, levado pela admiração ao povo élfico e sua cultura artística.
Nestes dois dias poucas coisas aconteceram, o caminho era claro e tranquilo. Como sua trilha era próxima ao Golfo dos Reis tinha acesso facilitado à água e peixes, sem contar os arbustos de mirtilo que encontrava pelo caminho. Quando anoitecia, retirava um pedaço de tecido de seu manto, amarrava-o em um bastão de madeira, em seguida molhava-o com o óleo que trazia consigo e ateava fogo; iluminando assim o anoitecer nas terras sem dono por onde passava.
No horizonte já eram visíveis as trilhas que levavam ao interior das Colinas Femur. Era uma má ideia adentrar a colina - mesmo com a possibilidade de encontrar provisões - pois o local era berço de uma comunidade goblin. Como não era nenhum guerreiro, sua morte seria certa. Seguiu então pelo caminho tradicional que ligava as duas cidades, utilizado por viajantes e comerciantes.
Seu passo não era apressado, e suas paradas para descanso eram longas. A cada parada afinava seu alaúde e ensaiava as canções que aprendera durante seu tempo na taverna em Carlin, inconsequente de sua parte, pois a região era habitada por criaturas selvagens e foras da lei, mas a sorte caminhava a seu lado, e sempre seguia sua jornada ileso.

Durante a noite do terceiro dia, Jethro decidiu parar para preparar um peixe que havia pescado mais cedo naquela manhã. Largou sua mochila à beira da estrada e recolheu alguns galhos secos para fazer uma fogueira. Retirou sua frigideira suja da mochila, pingou algumas gotas de óleo e pôs o peixe a fritar. Agachado, segurando seu inseparável instrumento de cozinha sobre a pequena fogueira, Jethro contemplava o borbulhar do óleo, pensava na vida que deixara pra trás e na vida que estava por vir, mas, sobretudo, pensava em sua falecida mãe.
Perdido em pensamentos, não percebeu a aproximação de um lobo, magro e faminto, porém feroz. Sedento por carne e reconhecendo a distração de sua presa, com uma investida certeira levou o garoto ao chão e desferia mordidas aos braços do garoto que tentava proteger o rosto. Desesperado e ainda com a frigideira em mãos, a cada recuada do animal, Jethro desferia um golpe com o instrumento de cozinha; mesmo com as investidas o animal não se recolhia. Era uma luta por sobrevivência, o lobo em busca de alimento, e o garoto contra a morte certa.
Os dentes pontiagudos do animal penetravam a pele pálida e flácida do rapaz, que urrava de dor, quase desistindo da batalha e abraçando a ideia da morte que estava por vir, os braços já dilacerados pelo predador que tenta cansar a presa antes de desferir a mordida mortal.
O suor frio escorria pelo pescoço de Jethro, toda sua vida começou a passar pelo seus olhos, desde os seus momentos alegres com o pai na infância, a única garota com quem transou, a primeira música, a primeira cerveja, a imagem do funeral de sua mãe, tudo parecia estar acontecendo naquele instante, naquele segundo, e tudo parecia lindo, já não sentia mais dor, estava em transe, aceitando seu destino. Foi quando ouviu o barulho da madeira quebrando e uma corda sendo tensionada e partida. Abriu os olhos. Seu corpo ainda lutava pela vida, se debatia, rastejava e desferia socos inconscientes sobre o animal; tentando se livrar dele, numa tentativa falha de engatinhar para longe, acabou caindo sobre seu alaúde, quebrando o tão amado instrumento, a razão da mudança radical, seu mais precioso bem, seu mais precioso amor. Só então percebeu que próprio instrumento que tanto amava havia perfurado sua pele, uma lasca de madeira dentro de seu braço, e o sangue escorrendo de mais uma ferida. Raiva.
Dizem que os guerreiros, quando em batalha perdem a noção do mundo a sua volta, as coisas se movem mais devagar, os golpes se tornam certeiros e mortais, o sangue aquece, o inimigo perece, pura adrenalina, Jethro estava se sentindo assim quando retirou o pedaço do instrumento de seu braço, mas não era a fúria do guerreiro, era o desespero de uma criança. Cravou a lasca de madeira em um dos olhos da besta que o atacava, agora não era o seu sangue que ele sentia escorrer pelas mãos, e sim o do inimigo. O animal recuou, ficou ali, parado, com os dentes ensanguentados e com pedaços de pele entre ele, agora também reconhecendo a dor. Jethro correu.
A morte, de aceita passou a ser negada, reprimida, Jethro não estava pronto para morrer, quando viu que o animal saiu de cima dele entrou para dentro da floresta, sem olhar para trás. Apenas ele, a escuridão e a dor, seu corpo inteiro doía, dilacerado, como um pedaço de carne que é mastigado e então é cuspido fora. Jethro corria, caía, levantava e corria. Correu por horas, e então caiu, esgotado. Fechou os olhos, e as estrelas, que antes se destacavam em meio a escuridão, desapareceram.
E então sonhou.
Sua mãe estava ali, sentada numa cadeira à beira da praia, a mulher olhava atentamente a vastidão azul em frente, os cabelos negros esvoaçando com o vento, o vai e vem das ondas atingindo seus pés.
- Junte-se a mim, filho. - Disse ela, virando a cabeça em direção a Jethro, que estava parado atrás dela observando tudo sem entender. – Não é lindo aqui? O mar, as gaivotas, o vento soprando, não é lindo?
Jethro nada disse.
- Toque uma música para mim filho, aquela que você estava ensaiando.
DOR, ESCURIDÃO, NADA
- Está tudo bem Jet? Olhe para mim filho.
A voz de Esmeralda ficando cada vez mais distante, cada vez mais baixa.
- .......bem..... Jethro?.... oh meus deuses..... FILHO!
Um ruído incessante no ouvido.

- Estranho aqui, não é, meu caro?
Uma voz masculina, um pouco rouca, no meio da escuridão.
- Com o passar do tempo você se acostuma, as coisas começam a se moldar, você brinca de deus, destrói e constrói, dá e tira a vida, afinal, é isso que eles fazem, não é?
Jethro tentou falar, tentou gritar, mas não conseguiu, não sabia como fazer isso. Sua boca estava ali para isso? Seu corpo estava ali para isso? Sua consciência estava, ele se lembrava de sair de Carlin, se lembrava do cemitério, se lembrava do lobo.
- Sua pergunta é fácil de responder, Jethro, você está aqui, mas seu corpo está em outro lugar; mas não entre em pânico, você não precisa dele aqui. Morto? Não, você também não está morto, não ainda, por isso que eu não posso te manter aqui comigo por muito tempo, mas você irá me procurar e irá me encontrar, por que tudo o que você mais quer está aqui, você viu, você ouviu, você sentiu.
Silêncio.
Ele se perguntava, ou pensava em perguntar onde a voz teria ido, de onde ela tinha vindo, se aquilo era real ou não, mas parecia ser real, de uma maneira diferente, mas real.
- Jethro!

Resolvi por postar hoje mesmo, estava com ele emperrado faz mais de um mês, mas acho que saiu mais ou menos como eu queria (não com a grafia e descrições apropriadas, mas acho que serve)
Obs1: lembrar de usar travessões.
Obs2: descrever melhor.
Obs3: na mente o conceito parece legal, no "papel" parece uma merda.