—Lux, venha!
Aquele era o apelido da garota. Como toda garota da nobraza thaiana, tinha refinada educação, além dos traços comuns de sua classe(Cabelos louros, olhos castanhos, e começava a desenvolver a beleza, já aos onze anos).
Mas aquela garota era diferente. Diferente de muitas, podia fazer truques que invejava até mesmo os mais altos magos Edron, podia desaparecer com coisas, ficar invisível, entre outros talentos.
Ao contrário de muitas outras garotas, Luxanna gostava de se enturmar com o povo da cidade, seja indo nos lugares públicos até os bairros mais pobres, sujos, cheio de ladrões, mas ainda assim havia gente do povo morando lá( e lá no fundo gostava de conhecer a cidade).
Porém, naquele dia, para não ser isolada e chamar muita atenção, Lux resolvera sair com suas novas "amigas", e, por coincidência, seria o dia em que a cidade "se curvava" diante do Rei Tibianus III, sua rainha—embora esta não aceitasse muitas pompas e só gostava de ser chamada pura e simplesmente por "sua rainha"— e o filho e herdeiro do trono, Jarvan IV.
Mas, o tal evento de revenciar o rei não era a obrigação da cidade(nem do reino todo); somente pessoas que queriam e podiam ir(normalmente alguns nobres e pessoas do povo).
Lux e seu grupo estavam na praça central de Thais, quando uma do grupo falou:
—Pois bem, poucas pessoas sabem do seu talento, e aqui proponho um desafio...— Um leve olhar de malícia passou-se entre o grupo— Como se sabe, é costume desse dia o herdeiro do rei erguer uma bandeira em homenagem à cidada, exatamente ao meio dia...
—Certo, e o que almejam com isso tudo?—Engoliu em seco, não poderia recusar o desafio por certos motivos.
—Pois bem, simplesmente faça o seguinte: vá, ache essa bandeira e pegue-a, um pedaço dela, um pequeno rasgo, enfim...
Aquela brincadeira de garotas estava se tornando perigosa. Caso fosse descoberta, Luxanna poderia sofrer várias punições, podendo chegar a ter sua cabeça retirada. Mas, caso não o fizesse, certamente sua "boa imagem" na nobreza seria deteriorada, ajuda essa que teria de vários garotas fofocando coisas sobre suas atitudes "não nobres"(visitar certas áreas da cidade era uma delas).
—Aceito.
Na hora em que tinha dito "aceito", o grande sino da cidade tocou exatamente onze badaladas, sinalizando obviamente em que eram onze horas. Lux teria exatamente uma hora para entrar no castelo sem ser vista, rasgar um pequeno pedaço da bandeira, e traze-lo para a praça onde estava.
E lá se foi a garota. Caminhando naturalmente pela cidade(era um pouco conhecida), conseguiu chegar num beco que dava perto do castelo e, notando que não havia ninguém, usou o seu dom de invisibilidade e simplesmente caminhou para a entrada do castelo.
Mal chegou perto do portão, ouviu um grito de um dos guardas:
—ALERTA! INVASOR PERTO DO CASTELO! FORMAÇÃO B! AVANÇAARRR!
E cerca de trinta brutamontes, organizados em duas filas de quinze com um pequeno espaço no meio, avançaram em direção de Lux. "É, fui vista", e aguardou ser esmagada, pisoteada, ou que algo pior acontecesse.
Para sua sorte, o pequeno espaço no meio e a sua magreza a salvaram. Não havia sido vista no final das contas, e era só mais uma simulação, pensou. O asfalto misteriosamente ficou um pouco úmido com algumas lágrimas, e acabou deixando um gato confuso, mas Lux prosseguiu em frente.
O castelo realmente fazia jus ao título de "maior fortaleza do continente". Suas paredes eram grossas, de pedras milenares, haviam muitos espaços para arqueiros se instalarem, muitos caixotes com munição e barris com óleo fervente, e com toda certeza aquela fortaleza abrigaria Thais inteira caso necessário.
Porém Lux não estava interessada no esplendor do castelo, apenas no objetivo de seu desafio: pegar uma parte da bandeira.
Ouvindo uma conversa dos guardas, descobriu que a bandeira representante de Thais estava no depósito, e que lá iria o príncipe exatamente 10 minutos antes do evento. Como faltavam cerca de 20 minutos, Lux logo se dirigiu ao depósito do castelo, onde estava todo armamento, artilharia, munição, enfim...
Depois de um pouco de procura, conseguiu achar o depósito— Que estava na parte mais funda do castelo, logo guardas não vigiavam.
Conseguiu entrar sem problemas, e depois de um pouco de procura num depósito velho, cheio de aranhas com o tamanho digno de aranhas da Ilha das Sombras(e temia aranhas), conseguiu encontrar a bandeira, dentro de uma porta escondida—afinal, a bandeira representava o reino de Thais.
Lux teve que fazer muito esforço para pegar a bandeira de vinte quilos e arrastá-la(e não estava gostando do barulho).
Àquela hora, já tinha saído de seu estado de invisibilidade, afinal ficar muito tempo naquele estado a cansava; além de que tinha que voltar sem ser notada.
Simplesmente rasgou o meio preto da bandeira(que sinalizava a impiedade com os inimigos do reino), largou a bandeira no chão mesmo e virou-se...
Para dar de cara com nada mais, nada menos com um jovem de doze anos, príncipe e herdeiro do trono, Jarvan IV:
—Vamos ver... Você passou pelos melhores guardas do reino, achou o depósito no maior castelo do continente, achou a bandeira que era para ser usada hoje para simplesmente... Rasgá-la?
Lux tentou responder, mas não pode. Não conseguia encarar aqueles olhos negros, tão negros como a noite, tentando entender o que por quê daquilo, embora não demonstrasse na face. Tentou outra vez responder, mas acabou por respondeu gaguejando coisas ilegíveis...
—Uma moça da nobreza como posso ver pelo seu vestido.—Ergueu uma sobrancelha—Simplesmente veio aqui para roubar o símbolo do reino e envergonhar a mim e à minha família...
A pobre moça tentou responder já com as lágrimas lhe escapando, mas o príncipe levantou a mão, silenciando-a:
—Bom, realmente estou sem palavras. Se não me engano, acho que tal coisa leva-se à pena de morte, certo?
Lux não aguentou. A pressão que sofria pra manter sua boa imagem na nobreza, ter chegado tão perto da morte logo no começo, o cansaço, a tensidão, o medo, o fato de ter chegado tão perto para simplesmente morrer decapitada ou algo pior, não, não aguentou o peso daquilo tudo, e pos-se a prantar.
Mesmo sendo treinado desde criança a lidar com situações daquele tipo, mesmo mantendo a face neutra, o príncipe lá no fundo reconheceu o esforço da garota, ou teve pena, ou uma mistura dos dois, e disse:
—Pois bem, obviamente você não veio com intenção de envergonhar o reino todo de Thais. Deixarei que fique com este pedaço da bandeira, porém em troca terá que me ajudar a costurar essa bandeira rapidamente...
—Mu muuii muuiito obrigada—Disse, com a voz e o corpo trêmulos.
Só lhes restava cerca de 15 minutos. O príncipe que já estava começando a ficar sem tempo— E forças, já que não poderia sujar a pesada bandeira no chão do depósito— Não queria fazer pressão sobre Lux, mas esta percebeu e logo recuperou a postura, como se nada tivesse acontecido. Foi a procura de linho, tinta, e rasgando um pedaço do seu próprio vestido, fez o que toda garota não só da nobreza, mas do reino, faz; Costurar.
Depois de pintar a bandeira cuidadosamente, agradeceu mais uma vez e, embora o príncipe mantivesse a face neutra, ela conseguia ver sobre os seus olhos a alegria de não ter de condená-la para algum castigo e alguma outra coisa que não conseguiu distinguir.
Sem uma parte do vestido, Lux agradeceu o seu dom de invisibilidade e novamente saiu castelo afora. Naquele dia, rolaram boatos de que a parte central da bandeira estava um pouco... diferente. Diferentemente das outras cores que eram bem claras e irradiavam perante a luz do sol(devido ao tecido raro), a parte preta não irradiou... O que gerou muitos elogios, reforçando a idéia da impiedade de Thais sobre seus inimigos, pelo menos era essa a idéia que muitos tiveram ao ver a repentina mudança na bandeira.
No fim da tarde, para a surpresa de Lux, as garotas ainda estavam na praça esperando-a. Saiu de sua invisibilidade e mostrou o tecido deslumbrante. Todas ficaram surpresas, nenhuma jamais imaginou que uma garota como aquela conseguiria algo do tipo. Ela se sentiu orgulhosa por seu feito...
Para que o tecido fosse abruptamente tomado de sua mão, pela garota mais velha do grupo, Marlenne, de quinze anos:
—Ai, eu vou ganhar uma recompensa tão grande por ter achado o pedaço que faltava na bandeira, e talvez eu tenha uma chance com o príncipe— Disse, com um sorriso triunfante em direção a Lux.
Não aguentou. Tudo que passou, tudo que sofreu, tudo isso para simplesmente alguém tomar e acabar com o seu orgulho. Segurou a raiva:
—Mas... Eu que peguei esse pedaço, ele é meu...
—Oh, seria interessante se eu denunciasse a ladra, além de que esse vestido rasgado não passará despercebido, oh claro que não— olhou em volta do grupo, e todas sorriram— Agora sabemos a mudança repentina na bandeira, não? Ou será que podemos poupá-la e falar o que acontece com garotas que visitam os subúrbios daqui... com tanto homens perigosos...
E todas puseram-se a gargalhar. Lux não aguentou a raiva que passou. Mal começaram as gargalhadas, terminaram com um tapa certeiro na cara da mais velha, Marlenne, que caiu com metade do rosto vermelho, inchado.
Longos segundos passaram-se, todas as garotas inquietas, sem saber o que fazer.
Então Marlenne levantou-se com uma fúria inigualável, e com seu corpo e força superiores, jogou violentamente a pequena Lux no chão. Logo em seguida tirou uma adaga, e estava prestes a executar o golpe fatal quando ouviu-se um um grito, bem perto do grupo:
—MAS O QUE DIABOS ESTÁ ACONTECENDO?
E o grupo se virou. Para a surpresa de todas, era nada mais nada menos que o príncipe Jarvan IV, que estava acompanhando tudo bem de perto, embora ninguém tivesse notado. Marlenne largou a adaga, recompos a postura rapidamente e começou:
—Meu príncipe! Encontrei esta aqui com o pedaço de tecido raro que foi usado na confecção na bandeira! Ela atacou-me como pode ver, e simplesmente estava tirando mais uma impostora do nosso reino...
—Certo, mas e a parte da conversa em que ameaçou a imagem dela? Além das outras ameças...?
—Meu príncipe...
—Pois bem, descobri que no final das contas você não daria uma ótima rainha, e ordeno que DEVOLVA o tecido à Lux.
—Como sabe...?
—SEM PERGUNTAS! Agradeça que estou te poupando da morte na forca, e mais uma coisa...—Virou-se ao grupo de garotas que estava acompanhando tudo— Se uma só palavra sair da boca de vocês sobre o que aconteceu hoje...
—Jamais!—Disse uma das garotas
—Ótimo. E você...—Disse enquanto ajudava Lux a se levantar— Bom, venha comigo.
E partiram pelas ruas de Thais.
Mais tarde, enquanto a noite estava por cair na cidade de Thais, os dois sentaram-se em uma praça deserta, ambos em silêncio. O príncipe quebrou o silêncio:
—Olha, meu pai e eu temos muitos homens e mulheres corajosos... Mas o que eu testemunhei hoje, de uma garota que nunca teve nenhum treinamento... Estou sem palavras...
—Não tive oportunidade de agradecer... Muito obrigada por tudo que fez hoje, mesmo.
—Ha! Agradeça a sorte também e... seu nome é Lux mesmo?
—Luxanna. Porém você me chamar de Lux mesmo.
—Bom, e você pode me chamar pura e simplesmente de Jarvan. Ser chamado de "meu príncipe" é de ferrar mesmo. Quem sabe pode me chamar de Jarvin— Disse, distorcendo um pouco sua voz.
—Parece aquela voz de bastarda do Frodo!— Brincou, e logo em seguida falou mil vezes se repreendeu, raramente príncipes sabiam interpretar essa brincadeira e muita menos conheciam o famoso(entre a população mais pobre) bar do Frodo
Para sua surpresa, Jarvan pos-se a gargalhar, e ela não aguentou e gargalhou junto. Parecia que tudo que sofreu, era um passado distante, do tanto que estava alegre, rindo, com aquele sujeito desconhecido que mal conhecera e já criara vínculos.
—Ai, realmente, uma com noção na nobreza. Achava que era o único que frequentava a cidade por inteira.
—Sério? Nunca pensei que um príncipe da realeza tinha ouvido falar do bar do Frodo.
—Ha! É ai que se engana minha querida, minha mãe já foi de camada inferior!—Disse ironicamente.
E assim continuaram animadamente a conversa sobre a cidade. Quando notaram, já estava escuro:
—Certo, acho que temos que ir. Até mais, Lux!— Gritou, um pouco longe
—Até, Jarvin!— Gritou de volta, logo seguindo-se por duas gargalhadas distantes.
E foi naquele dia que nasceu uma grande amizade.