Está para começar a 16ª justa literária! Rufem os tambores, soem as trombetas! O cavaleiro Drasty enfrentará Bela~!
A votação está aberta até dia 18/08
O tema é FOLHA EM BRANCO
Drasty:
Escrita Bruta
Com o lápis e o papel branco sento-me na sala. Quatro da tarde e estou sozinho na casa. O sol vai descendo, envenenando as paredes, mesas e adereços decorativos de laranja. Dentro, no conforto do cômodo, o aparelho de som tocava algum disco antigo, enquanto lá fora os cata-ventos estilhaçavam-se uns nos outros com o impacto do vento. No entanto, eu mal conseguia ouvir algo. Nada era capaz de me arrancar à atenção, nenhuma idéia ousava entrar ou sair de mim.
Horas e horas encarando o papel: inerte, vazio, um vácuo sem emoções. Assim vinha sendo desde que dei de cara com aquela silhueta. Se eu tivesse sido rápido o suficiente para escapar da minha vontade de conhecer o rosto, hoje eu estaria escrevendo diversas linhas sobre o que eu bem entendesse. Mas lógico, eu - o eterno apaixonado - resolvi testar minha sorte e acompanhar aquele corpo pelo corredor, numa busca incansável por me encontrar com a face daquela mulher.
Quase tropeçando no próprio caminhar, ultrapassei-a e, enfim, encarei os olhos verde-limão. Ela respondeu assustada àquela investida em falso - no meu movimento frouxo não havia nada de galante ou simpático, apenas algo de neurótico, obsessivo. Em seguida, a jovem pareceu conformada com o meu jogo barato e sorriu entrando no elevador, para nunca mais ser vista.
Deitei-me ínfimas vezes na minha cama esperando e esperando algum sinal de que haveria alguma possibilidade de vê-la novamente. Eu não podia me julgar naquele momento, com toda certeza estava apaixonado pela imagem daquela menina. Durante aqueles dias eu poderia ter criado asas, num processo químico histérico e inútil. Meu corpo, no entanto, optou pelo mais doloroso e silencioso sofrimento: o descanso.
Deitado na minha cama estava um morto-vivo a contemplar o teto. Era duro para mim, imaginar que jamais passaria uma tarde ao lado daquela mulher. Tudo se tornara uma mera fixação; havia me tornado escravo de uma imagem. No meu estado eu podia fazer de tudo para tê-la, deitaria numa cama de gato, numa cama de pregos, no assoalho frio da meia noite.
Não é correto chamar meu dolorido ritual de amor, não é justo com o mundo dos apaixonados. Meu corpo queria aquele corpo. Meus lábios com os delas, meus órgãos com os delas. Não era amor, muito menos tesão. Naquela figura apressada eu havia encontrado o último fio de inspiração que me motivava. Durante este período o mundo parecia que ia acabar. Sentia-me como um inseto esmagado no chão - deixado de lado, entregue à poeira dos ventos.
Aqueles que se julgam sóbrios de qualquer resquício de paixão, diriam que faltava sexo na minha vida - a real solução para meu problema. Minha visão quadrada do mundo dos amantes não permitia que escapasse de mim mesmo, dos meus desejos e sonhos. Passei horas imaginando como seria bom me infiltrar naquelas vestes, caminhar por aquelas curvas, fazer da sua cabeça um acampamento. Aonde quer que ela fosse eu estaria por perto: dentro das suas roupas, dos seus pesadelos, dos seus caminhos, aprisionado eternamente no vão de seus pensamentos.
Não está escuro ainda, mas está quase lá. Quando a noite chegar, o papel ainda estará completamente branco.
Levantei-me depois de ficar estático durante uma hora. Acendi um abajur e voltei a encarar a folha. Fechei meus olhos e tentei imaginar de novo cada detalhe daquela cena. Os passos acelerados. Os baques pelo corredor estreito. Meu susto ao ver os cabelos esvoaçados. O tempo que demorei para decidir se corria ou não. Os pensamentos estranhos que me ocorreram quando corria na direção do corpo dela. Lembro que pensei em dançar esperando que tudo se tornasse um musical, cheguei a rir enquanto vencia o corredor. Por fim, o curto instante que encarei as feições dela.
Quando abri os olhos já escrevia. As linhas saiam curvas, vulgares, mas caminhavam para algum destino. O texto soava bruto, quase rude, mas ao menos era real, vívido. Prosa simples e clara, como um sentimento arrancado do peito.
Bela~
Uma torrada, um suspiro, uma bolha
Admito que sempre fui alguém cheio de medos. Alguns, confesso, são bastante fúteis, como o temor por lagartixas, por ratos e passeios em dias nublados. No entanto, incrustado como ferrugem em metal velho, há o pavor dos pavores aqui no peito. Tão íntimo que chega a ser de conhecimento exclusivamente meu.
Certo dia, acordei estranho, como se tímida fagulha interna crepitasse em algum recanto que nem eu sei direito. Cambaleante, escorreguei da cama e fui preparar umas torradas com geleia. Minutos depois, encontrava-me sentado em frente à mesinha dobrável enquanto bebericava um café aguado e dava mordidas generosas nos pães quentinhos. Escutava apenas os sons monótonos da mastigação e do tique-taque do relógio próximo. Digo que nunca me importei com a solidão, considero-a boa amiga em horas pensantes.
Dei alguns passos - pouquíssimos, a julgar pelo tamanho de meu apartamento - até a sala, onde ficam minha televisão, meu sofá e minha escrivaninha gasta. Acomodei-me na boa e velha poltrona de couro preto, tomei caneta e papel e esperei. Por quê? Desconheço, meus rituais para invocar a Inspiração costumam ser muito inconscientes e instintivos. Vieram-me relances borrados de minha rotina, tive a ideia da crônica. Que tal? Umas pinceladas de humor sobre uma tela de denúncia não pareciam más. Suspirei, ultimamente não estava para piadas.
Quem sabe, então, não me saía um conto fantasioso? Gostei disso até o terceiro minuto em que hesitava e refletia. Depois, não consegui escapar da odiável teia de um cavaleiro intrépido que vai em socorro da princesinha - coitada - em apuros. Descartei a possibilidade e pus-me a esmiuçar pensamentos novamente.
Por que não uma despedida amorosa? Ele, percebendo que não a ama mais, confessa tudo e argumenta que não quer fazê-la viver de uma ilusão. Exaltam-se, discutem, dão-se as costas. Meu Deus, como isso é piegas! Desde que Cecília se foi para os braços de outro, tenho preferido escritos menos melosos, sentimentalismo começou a dar-me ânsias.
Novo suspiro, desta vez mais profundo e nervoso. Percebi meus dedos gelados tamborilando o tampo cheio de arranhões. Vê? Aí está meu maior pesadelo: tem nuances de ausência, flutua como bolha frágil e explode, espalhando pelo ar saturado múltiplas cópias daquilo que foi. Um nada. É vazio, é apenas... em branco.
Amassei a folha intacta com raiva e fui contemplar a rua que, àquela hora, já fervilhava em carros e sons. Afinal, sou um covarde mesmo.
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