Capítulo 2 - Um festejo, um cortejo e um sonho
Ela corria. Loucamente. Seus cabelos, longos, agitavam-se e exibiam um brilho cor de mel ao sol. Quem a visse, por certo pensaria: "Como a mocinha está feliz...". E de fato, estava. Mas ela poderia muito bem justificar-se.
Afinal, "não se faz quartoze anos todo dia", diria ela. Sem perder o fôlego, desceu a ladeira pavimentada e tomou a direita rapidamente. Entrou na padaria esbaforida, a pele rosada e brilhante de suor. Cruzou o estabelecimento e aproximou-se do balcão:
-Bom dia, Ian! Como vão os pães da sua cliente preferida?
O rapaz debruçado sobre a madeira gasta fitou-a, contente:
-Estão aqui, Victora. Nunca esqueço de você, não é? - meneando os cabelos negros, continuou - acho que sei por que está tão radiante, não sei?
Após dirigir-lhe uma piscadela em resposta, a menina foi pegando o saco que o jovem lhe estendia. Acenou longamente para o amigo e ganhou as ruas outra vez. Não demorou muito e, em sua corrida desvairada, chegou à casa. Viu que a mãe, na cozinha estreita, já organizava as bebidas e petiscos.
-Mãe, os pães.
Pondo-os sobre a mesa, sentou-se ao lado da mulher ocupada e esperou, agitando os pés sutilmente. Com um riso, Aita deu o próximo comando à filha:
-Quero que prepare o jardim. Varra as folhas e cubra a mesa com uma toalha. E não esqueça de aguar as flores, certo? - mas não houve resposta. A garota saíra apressada para os fundos da casa humilde.
E o dia passou-se rapidamente. Num instante o sol ameno do outono deu lugar a uma foice finíssima e prateada, tímida por entre as nuvens espessas.
Enquanto lavava os cabelos imersa na banheira de tábua, Victora divertia-se com as expectativas para a festa. Fazia frio, mas ela não se importou. A chama de ansiedade que ardia dentro de si bastava para aquecê-la. Foi para o quarto e começou a selecionar roupas. Seu cômodo era despojado, havia pouquíssimos móveis nele: do lado oposto da janela, a cama. Perto da porta, a cômoda de cedro robusto. Por fim, do lado daquela, havia um minúsculo criado-mudo de simples estrutura.
Também Victora não dispunha de tantas roupas. Tomou uma blusa de algodão tingido e vestiu-a. No entanto, embora fosse uma roupa de nada especial, a camisa caiu-lhe muito bem. Contornando seu corpo aqui e ali, o tecido exibia sua silhueta, que já abandonara o antigo ar infantil. A saia, um pouco acima do joelho, revelava suas pernas torneadas.
Era chegada a hora. Lá fora, o ambiente fora ornado com algumas luminárias de papel que pendiam amarradas ao barbante. A casa era pequena, porém o quintal compensava: amplo, compreendia as mais diversas árvores e arbustos. Certos cantos até tinham um ar selvagem: apenas a relva próxima à construção era domada com mais frequência.
-Victora, filha, eles já vão chegar - dirigindo-lhe um olhar gentil, a mãe falou à jovenzinha. Esta admirou a figura da mulher. Apesar de a idade já começar a descer sobre seus ombros, Aita conservava o ar que sempre tivera: ereta e quase sempre sorridente. Era esta a fórmula de beleza.
De fato, os convidados foram chegando. Os primeiros foram Ian e seu velho pai. Sustentando-se na bengala e no braço forte do filho, o senhor se arrastava. Enquanto Hans abraçava a jovem, o rapaz entregou-lhe o presente, dando-lhe um bonito sorriso.
Depois veio a parteira, que mantivera com Aita laços de amizade. Amigos, Victora tinha, porém poucos. Depois que estes chegaram, fez-se um grupinho animado e meio recortado dos adultos. Não comiam muito, mas conversavam e riam.
Segurando um copo de cerveja, a aniversariante era simpática. A festa já corria há algum tempo, e um rapazinho, um pouco mais velho que ela, tomara o bandolim e já entoava uma canção. Ora tropeçava na letra, mas não dava importância a isto. As bochechas rosadas, Augusto ria e movimentava seus dedos ágeis pelo braço do instrumento que trouxera.
"Victora, vitoriosaaaa! És flor, és vida, és pedra preciosa!!" E seguia com as simples rimas improvisadas.
A menina sentiu seu rosto esquentar. Sensação nova, mas que de início não percebera. Risonho e meio sem jeito, o cortês aproximou-se dela e beijou seu rosto. Sob os murmúrios e risos dos demais, ele expulsou os cabelos rebeldes do rosto. Piscou para ela e continuou, desta vez sem improvisar. Mágico momento, aquele!
Agora os convidados já iam saindo. A anfitriã falava envergonhada, crendo que muitos houvessem visto a rápida cena de afeto entre os dois. Quando Augusto foi se despedir, lançou-lhe um olhar que só ela poderia entender: pedia mais, muito mais.
-Querida, me ajude a lavar esta louça. Depois, pode ir dormir.
Contrariada pela segunda instrução da mãe, Victora replicou que queria desembrulhar os presentes antes. Após relutar um pouco, a mulher consentiu. Tiveram de fazer bastantes viagens do jardim para a cozinha; e os pratos a serem limpos não eram poucos. Ainda assim, as duas trabalharam prontamente.
-Hum... e como vai o Augusto?
Diante de tal indagação, a resposta fugiu a Victora. Por fim, falou, nervosa:
-Err... bem, vai muito bem - distraindo-se com uma sujeira incrustada na panela, ela desejava que a pergunta sobre o assunto fosse única. Para seu alívio, foi. Após terminar o serviço, apressou-se a beijar a mãe e ir para seu quarto, carregando o saco com os presentes. Fechou a porta atrás de si e suspirou. Não pode conter o riso e escancarou os dentes para si mesma.
Os presentes eram variados: uma cesta de pães e bolos de Hans e Ian, um vestido de Dorothy, uma sandália da mãe. Quando, porém, deparou-se com um envelope de couro, tremeu: um desenho de seu rosto, produzido por Augusto. Ficou ali, a observar a perfeição do trabalho que o rapazinho fizera para ela.
Passados os minutos de imersão na bela arte que segurava, ela guardou-a no envelope e jogou a sacola de estopa vazia para o lado. Logo ouviu um som abafado, de algo batendo duramente contra o chão. Voltou para ver o que era. Remexendo pelo tecido mal-acabado, encontrou um outro "presente". Uma pedra redonda, envolta por uma folha amassada. Desenrolou-a com cuidado, embora tenha quase rasgado o material por três vezes.
Esticando um pouco o papel envelhecido, começou a ler com dificuldade aquilo que estava escrito em poucas linhas.
NÃO HÁ VOLTA.
A VIDA QUE DAQUELE SAIU
MADURA O BASTANTE
PODE SEGUIR O CAMINHO
Intrigada, a mocinha preferiu não se esforçar para compreender a mensagem. Era tarde, sentiu sono. Talvez fosse mais uma charada do Ian, aquele maroto! Não custou muito para que seus olhos se fechassem.
Ela andava a passos largos. A grama era densa, dificultava seu deslocamento; e a neblina, reduzia sua visão. Eram frequentes os sonhos nos quais ela tinha total controle, fazia as próprias escolhas e ia aonde queria. Mas ali foi diferente: era guiada quase que automaticamente para o interior do campo macabro.
Em meio à bruma, surgiram sombras irregulares. Pensou serem feras encurvadas e estáticas à espera do ataque. Tremeu. No entanto, reconheceu as muitas lápides enfileiradas sem método algum.
Parou de chofre à frente de um túmulo simples e pequeno. Não soube por que, mas aproximou sua mão trêmula da pedra fria. Quanto seus dedos tocaram a sepultura, tudo desapareceu. O negrume tomou completamente o ambiente e Victora foi engolfada pelo absoluto vácuo.