Cerco em Carlin
Meltoh



Os aríetes continuavam a martelar incessantemente os portões da cidade. Chuvas de flechas vindas do alto das torres cravavam-se na horda que se amontoava aos pés dos muros e uivava incitando inspiração nos companheiros. De longe, criaturas verdes vestidas em armaduras de ferro conspiravam e guiavam seus compatriotas nessa empreitada ousada. O cerco de Carlin.

Reunidos em volta de uma mesa retangular e coberta por um manto azul, estavam sentadas cerca de vinte mulheres, todas vestidas em elegantes armaduras de metal. Na ponta da mesa estava outra mulher, diferente das demais.
-...E por esse motivo que digo que devemos cerca-los pelos flancos. Eles estão acampados há dias e provavelmente já estão fracos de fome o bastante.
- Isabelle, eles são muitos – falou calmamente uma das mulheres. Longos cabelos vermelhos e um rosto meigo marcavam a sua aparência física – Não tem como embosca-los. O melhor a se fazer é continuar a evacuação e permanecer dentro dos muros.
- Mas, Thamira, nossos alimentos estão se esgotando. Os soldados estão começando a morrer de fome, e os orcs já dão indícios de que não cessarão o cerco – disse a primeira mulher – E eles estão se alimentando dos rebanhos de ovelhas que encontraram no oeste, e muito provavelmente dos lobos no norte. Se não atacarmos eles, eles apenas invadirão a cidade para encontrá-la vazia e cheia de mortos.
A mulher na ponta da mesa estava com a cabeça apoiada sobre o seu braço direito e, com os olhos fechados, parecia estar num profundo sono.
- Entretanto – declarou uma terceira mulher que havia se levando – A evacuação ainda não terminou e se arriscarmos um ataque à essa altura colocaria em perigo a vida dos cidadãos – ela pigarreou – os navios já estão terminando com as pessoas.
- Quanto tempo isso vai levar? – perguntou subitamente a mulher que estava de olhos fechados.
- Cerca de dez horas, Majestade Eloise, é o tempo em que os últimos navios vindos de Thais devem chegar na nossa costa.
Eloise abriu os olhos e fitou calmamente à Isabelle.
- Está disposta a conduzir um ataque ao acampamento orc, mesmo sabendo que isso poderia ser suicídio?
- Mas Majestade... – interrompeu Thamira. Foi interrompida por um gesto de mão da rainha Eloise.
Isabelle engoliu em seco e escondeu seus braços sobre as pernas para que as outras não percebessem como ela estava tremendo – Não haverá problemas majestade...
- Ótimo, venha comigo, por favor. Thamira continue a evacuar os aldeiões e você Jiane veja como estão os arqueiros. Troque o turno deles e renove o estoque de setas.

Eloise e Isabelle seguiram por um corredor que levava ao quarto pessoal da rainha. Ao chegarem lá, ela pediu para que as guardas prostradas, cada uma de um lado da porta, saíssem.
Isabelle se certificou que as outras não estavam mais por perto e voltou-se para Eloise, seus olhos estavam levemente úmidos e suava muito.
- Você deverá reunir o quinto esquadrão de infantaria e começará o ataque dentro de uma hora.
Isabelle assentiu.
- Vejo medo nos seus olhos. Se não puder cumprir com sua missão, poderemos pensar em algo melhor – disse Eloise serenamente – Levante a cabeça e enxugue os olhos. Você é a nossa mais nova e talvez mais inteligente comandante – Eloise destrancou o quarto e dirigiu-se à um pequeno baú, tirou de dentro dele um bracelete prateado ornado de 4 grandes safiras no centro, que formavam juntas o desenho de um círculo – Entregue isso à Karl, nos esgotos.
Isabelle se assustou – Mas... Karl? Ele não é o taverneiro que...
- Não é hora para essas discordâncias. Sei que Karl estava montando seu exército particular. Precisaremos de toda ajuda possível para combater os orcs quando eles passarem daquela muralha.
Isabelle pegou o bracelete e guardou por dentro da roupa.
- Ainda na taverna – continuou Eloise – Procure por Drulak, e diga para ele sobre Asas.
- Asas? – perguntou Isabelle.
- Ele saberá o que fazer. Agora vá. Saia pelo leste e embosque-os pelos flancos. Enviarei assim que puder outro batalhão comandado por Thamira.
- Mas Thamira... Ela era contra esse ataque.
Eloise fitou-a impaciente. Isabelle entendeu e se retirou.

Na taverna encontrou-se com Karl e lhe mostrou o bracelete. Karl ordenou aos seus homens que se juntassem e fossem para os quartéis de Carlin. Apenas um homem havia restado, estava sentado à uma mesa num canto bebendo de um copo feito de madeira. Seus longos cabelos negros cobriam-lhe parte do rosto, o qual era coberto por um fino bigode e uma barba mal-feita.
Isabelle se aproximou da mesa e se sentou na cadeira vaga.
- Veja só aonde fomos parar... Karl ajudando vocês...
- Ele não está nos ajudando – protestou Isabelle – Está ajudando a cidade.
- Dá na mesma. E agora quem vai me servir meu quarto copo?
Isabelle resmungou em sinal de desaprovação.
- Qual é o seu nome?
- Lady, não é educado perguntar o nome de alguém sem antes se apresentar.
- Isabelle – disse ela furiosa.
- Drulak, filho de Torark. O que quer com o meu nome?
- A rainha Eloise pediu para que lhe falasse sobre as Asas.
Drulak arregalou os olhos, e coçando a cabeça deu mais um gole no copo – E o que ela tem com isso?
Isabelle ficou sem saber o que responder, se levantou e fez menção de sair.
- Espere... – disse Drulak – Você não sabe de nada sobre Asas não é?
- Veja só, ela só me pediu para que lhe disesse sobre isso. Agora tenho tarefas importantes a cumprir.
- Não... Você não vai a lugar nenhum – Drulak estralou os dedos e várias tochas ao redor da taverna foram acesas.
- Você... Você é um mago? – perguntou Isabelle horrizada.
- Talvez sim... Talvez não... – Drulak bebericou mais um gole do seu copo e enxugando a boca se levantou rapidamente – Venha comigo.
- Não! – disse Isabelle.
Drulak riu e pegou uma das tochas que estava na parede - Vai desobedecer a sua rainha?
- Ela ordenou que...
Foi interrompida por um rangido vindo de trás do balcão de Karl. Um armário de bebidas acabava de ser afastado para o lado.
- Gosto dessa tecnologia dos anões – disse Drulak – Me traz recordações.
- Quem é você?
- Já disse... Meu nome é Drulak, filho de Torark.
- Você vai me desculpar... Mas não posso perder meu tempo com você – disse Isabelle.
- Certamente que não. Porque uma Lady como você perderia seu tempo com um vagabundo como eu? Por favor, me acompanhe.
Isabelle tentou resistir, mas algo em seu subconsciente dizia para ela que deveria saber quem era aquele homem. Seria atração? Curiosidade? Medo? Esse turbilhão de emoções mexia com a cabeça de Isabelle e ela se sentia cada vez mais confusa. Até que então ela resolveu seguir Drulak e entrar na câmara que havia se aberto.

Era um longo corredor apenas iluminado pela luz do sol que entrava acima vinda dos bueiros. Eles andaram silenciosamente pelo lugar até que Isabelle resolveu falar:
- O que é a Asa?
Drulak riu - Você não quis saber antes, vai ter que esperar agora.
O corredor virava para a esquerda duas vezes, até que depois de virar pela terceira vez, para a direita eles chegaram à uma escadaria feita de madeira. Drulak encostou os ouvidos na porta, que havia no topo da escadaria, e puxou uma adaga afiada de uma pequena bolsa. Com a mão esquerda apertou uma pedra que estava solta na parede. A porta rangeu e se abriu para fora.
- Merda – gritou Drulak – Se afaste Isabelle.
Drulak foi empurrado, rolando escadaria abaixo. Várias criaturas verdes começaram a adentrar o corredor apertado. Isabelle puxou sua espada curta, e olhou preocupada para Drulak que se contorcia de dor à um canto.
Eram cerca de cinco orcs. Eles avançaram para cima de Isabelle com machados erguidos e dentes arreganhados.
Drulak gritou palavras desconhecidas e dois dos orcs saíram voando e ficaram grudados ao teto. Isabelle entrou em combate com o primeiro orc que havia desferido um ataque avassalador com o seu machado de guerra. Isabelle esquivou e girando serenamente estocou a espada contra o peito da criatura. Drulak se levantou e lutou contra um segundo orc, enfiando a adaga no pescoço dele. O terceiro orc puxou um sabre e conseguiu desarmar Isabelle. Ele a empurrou, fazendo com que ela caísse no chão. Estava prestes a atacar quando, caiu de joelhos, com uma adaga cravada no lado de trás do pescoço.

Os outros orcs que estavam grudados no teto observavam em silêncio a morte dos outros guerreiros.
- O que foi isso? Está querendo me matar Drulak? – perguntou Isabelle.
- Respondendo as perguntas. Orcs e não – disse ele arrancando sua adaga do pescoço do orc inerte e limpando-a nas vestes do mesmo.
- O que eles estavam fazendo lá fora?
- Descobriram a entrada da câmera. Mas só eram esses, não consigo mais detectar nenhum orc por perto, com exceção desses dois.
- Então você é um mago?
Drulak riu – Prefiro que me chame de Guardião.
Isabelle soltou uma exclamação abafada. Os dois subiram a escada e se viram fora dos muros de Carlin.
- O que estamos fazendo aqui? – perguntou Isabelle.
Drulak olhou para os céus e assobiou.
Isabelle viu um pássaro se aproximando à distância. À medida que foi chegando mais perto, Isabelle viu que não era uma mistura de pássaro e cavalo.
- Isto é Asa – disse Drulak.
O grifo pousou e foi para perto de Drulak. Ele o acariciou e tirou de dentro das vestes uma cenoura. O grifo fez um barulho que lembrava um agradecimento.
- Suba – disse Drulak.
- Quem você pensa que é?
Drulak a pegou pelos braços e colocou-a em cima do grifo. Isabelle gritou, mas Drulak havia sussurrado no seu ouvido palavras que pareciam ter feito Isabelle ficar em choque.
O grifo, batendo suas asas emplumadas, levantou vôo e seguiu para o sul.

Do alto da torre mais alta do castelo, a rainha Eloise apreciava o vôo do grifo, até que foi interrompida por uma de suas comandantes, Thamira.
- Senhora, o portão norte está rompendo. Não demorará até que os orcs invadam Carlin. Onde está Isabelle? Ela precisa retornar antes que seja tarde.
Eloise baixou a cabeça e lágrimas escorreram por seus olhos – Acho que não voltaremos a ver Isabelle – disse ela tristemente, torcendo para que o que acabara de dizer não fosse verdade. Pois queria, ainda, um dia se encontrar novamente com sua querida filha.