Agora está concluído, já tenho todos os capítulos prontos. Então serão postados num ritmo adequado. Agora só irei começar uma história quando tiver alguns capítulos adiantados (no mínimo). Bom, aqui vai.

Capítulo V
O único momento em que estivemos a sós

Ele despertou de um devaneio com o próprio suspiro. A experiência não fora agradável, exalava medo. O rosto vazio da jovem sentada na sua frente lhe dava arrepios. O copo de uísque ainda em sua mão, só restava a água do gelo dançando com seus tiques. Seu coração dava pontadas. Perambulou os beiços fazendo caretas, por pouco não chorou. De repente, encheu-se de lembranças. Um álbum de fotografias fragmentadas cheia de sorrisos e sorvetes de creme surgiu veloz.

Estava em uma sala redonda de um apê mal arrumado. Valentinna encontrava-se a sua frente sentada de pernas cruzadas vacilante. Ela olhava para ele chorosa e ressabiada. Colocara suas mãos sobre os joelhos gordos de Carlos e agora tentava se acalmar. Então, tomando coragem, levantou-se da cama e mirou o outro com as pálpebras semicerradas:

– Carlos, eu estou namorando um cara ai – disse mordiscando os beiços e ensaiando um sorriso.

O homem se assustou, buscou esconder o espanto em seu semblante, mas era complicado. Fingiu acreditar que havia mais um gole de uísque, embora soubesse a realidade. Deslizando os dedos pela testa, ele finalmente a olhou nos olhos. Com a cara mais falsa do mundo, respondeu:

– Que bom, querida. Você merece o melhor.

Valentinna atravessou o tapete da sala – uma peça persa que Carlos havia lhe dado – e beijou o rosto gorducho de seu ex-amante. Depois o abraçou verdadeiramente. Houve uma breve despedida regada a “seja feliz”. Eles tentaram não reavivar sentimentos antes percorridos, embora o libido dos dois incomodasse suas roupas. Um sorriso confortou a situação, por mais que este não fosse sincero. O gesto era insuficiente, porém não haveria como ir mais longe.

Carlos procurou uma caneta e a fez um cheque. Deu-lhe um beijo suave, em seguida, foi embora.

Dirigindo pela cidade Carlos não conseguia deixar de pensar em si mesmo. Um homem rico, casado e presenteado com dois filhos lindos. Porque esse homem incrível precisava de uma amante? Infelizmente, ele tinha a resposta. Carlos Baptista era um ser incompleto. Todo vez que as coisas se encaixavam em sua vida, precisava de algo capaz de romper o curso natural. Todos para ele deviam atuar segundo seu roteiro, do contrário, um vazio crescia em seu estômago e nenhuma guloseima poderia preenchê-lo.

Olhando seu reflexo no espelho retrovisor, Carlinhos viu quem realmente era pela primeira vez. Assustou-se com o monstro que forçava um sorriso avermelhado. Ele contornou o álamo e estacionou a Mercedes ao lado de uma mercearia. A luz dos postes iluminava o caminhar assustado daquele homem. Dentro do estabelecimento, perguntou a um senhor de bigode se podia usar o banheiro.

Quando o velho dono da loja achou a chave correta, ele já não podia mais se controlar. Como uma raposa, entrou na minúscula cabine e a trancou por dentro. De praxe, ao menos para ele, teria de tentar ignorar o que o homem lá fora estaria pensando sobre toda aquela pressa. Certamente, esquecer os pensamentos de um velhote suado seria tranqüilo para qualquer pessoa, porém Carlos Baptista em um momento sóbrio teria se torturado. Por sorte ou azar, estava fora de si.

Ele titubeou os pés na escuridão do banheiro durante os instantes que procurava o interruptor. Quando finalmente acendeu a luz, deparou-se com seu rosto roliço a suar. Aquele homem o observava tristonho com as sobrancelhas inquietas. Os lábios se escondiam na boca, enquanto a língua caçava os dentes. Pouco sabia sobre a figura do espelho e nunca quisera saber demais.

Baptista então decidiu que desejava ficar nu. Seguindo seus instintos, tirou todo seu vestuário, dobrando-os cuidadosamente e depois pousando o blazer e a calça sobre a pia. A barriga enorme saltava com os menores movimentos. Suas pernas eram cheias de algo que nunca tentara esconder, por mais que a estética o implorasse. Passou a mão pela face tremelicando nos fios da barba, desceu pelo peito e tocou seu abdômen. Nisso lembrou-se de todas as mulheres que tivera. Não eram poucas. Por mais que fosse feio e gordo, seu dinheiro lhe permitira ter quem quisesse. Mas agora, ele queria Valentinna. Nesse momento, sua fortuna não tinha mais serventia, eram só números numa tela de plasma.

Notou seus braços marcados pelo trabalho ou como dizia: suas obras-primas. Pensou em Camargo e P3TU, o mais próximo de amigos que tinha. Depois pensou em Amanda e em seus gemidos. Por fim, ele se lembrou dos gêmeos. O dia em que nasceram ele chegara a acreditar na real felicidade. Acontece que a novidade torna-se comum e, logo, não é mais tão atraente e reconfortante. Nem mesmo tinha simpatia pelos filhos.

Felicidade para ele tinha um nome e era o da jovem menina. Gostava de torturá-la quando ligava chorando. Cruel sua forma de mostrar carinho, mas era o jeito dele. E, ele se respeitava. Amava guardar o celular prateado na gaveta depois do último gole de uísque. O segredo fazia tudo mais excitante. Justamente por isso, jamais pensara em largar Amanda para ficar somente com a amante. Uma hora ela ia perder a graça e Carlos voltaria ao poço.

Começara a sentir uma dor aguda no braço esquerdo. Ainda era pouco para entrar em pânico, entretanto, ele já pensara no pior. Afinal, era Carlos Baptista. Suava mais que o natural. Seus olhos saltavam crepitando. De repente, uma fisgada brusca. Tinha quase certeza. Imediatamente sua mão sufocou o local. Dois minutos de respiração dramática num silêncio etéreo. O cansaço o abatera, queria desistir do jogo. Em seguida, pedidos de morte e a escuridão total.