Capítulo VI
O Homem Eterno
– Fizemos o possível, mas a senhora tem que entender que ele ficou muito tempo sem oxigênio no cérebro – houve uma pausa. O homem de branco apertou o cenho com os dedos e bufou. – Senhora Baptista, ele teve morte cerebral, ele está no que chamamos hoje de estado vegetativo. Ele está instável. Entretanto, ele ficará nesse estado para sempre. – Ficou quieto de novo. Levantou os olhos e observou os outros presentes na sala.
Recolhera o telefone por um momento, estacionou-o em seu ombro. Seu rosto estava apático e tinha duas enormes olheiras, escuras como aquela sala.
– Ela está pedindo que desliguemos as máquinas.
– Ora Eduardo, diga a ela que estamos no Brasil – respondeu um senhor bem velho que carregava consigo com uma bengala esverdeada.
Eduardo colocou o telefone no ouvido de novo.
– Olha só Senhora Baptista, nosso país não permite a eutanásia.
– TÁ DIZENDO QUE MEU MARIDO VAI FICAR AI PARA SEMPRE?
Dessa vez a sala inteira ouviu sem qualquer esforço.
– Enquanto o seguro dele cobrir, sim. São as maravilhas da medicina moderna, senhora. – ameaçou dar uma risadinha, mas percebera que tinha feito uma brincadeira na hora errada. O barulho de choro do outro lado da linha o fez continuar. – Olha, é assim que vai funcionar. Colocaremos seu marido num quarto especial onde ficam os pacientes que se encontram na mesma situação. O seguro da empresa dele cobre todas as despesas, então não haverá problemas. A senhora sabe qual a duração desse seguro de vida?
Eduardo arregalou os olhos assustado. Todos na sala oval perceberam algo diferente no rosto do médico. Assim que ele colocou o telefone no gancho quase todos sentaram-se. De pé apenas o velho com sua bengala. Este parecia ter entendido de imediato. Doutor Eduardo abriu um sorriso sarcástico enquanto levantava-se.
– Parece que o senhor Baptista vai viver mais do que nós. O seguro de vida desse paciente é vitalício.
O velho doutor então completou:
– Em 50 anos de medicina eu nunca tinha visto isso – depois soltou uma gargalhada. – o primeiro caso de um homem imortal! Esse Carlos Baptista vai viver para sempre, Eduardo. Para sempre! – ele não se continha.
– Isso é um absurdo. Como esse paciente tem um seguro desses? – perguntou um médico, o único na sala sem o jaleco branco.
– A esposa estava muito nervosa, não conseguiu me explicar direito. Mas tem haver com um grande amigo e uma dívida – respondeu Eduardo. Os seis médicos se entreolharam. – Bem, o que importa é que vamos ter que mantê-lo vivo, aparentemente para sempre.
– Isso é demais! – dizia o doutor da bengala. Ele ainda riu bastante e depois saiu como um relâmpago.
– Carlos Baptista dono da milionária empresa Baptista Eletrônicos teve morte cerebral, segundo o Dr. Eduardo Rodrigues ele se encontra em estado vegetativo. Seu corpo está ligado a máquinas que o manterão vivo. Devido a seu seguro vitalício, os médicos do hospital de Ensino Gregório Marques declararam que Carlos Baptista viverá para sempre. Esse pode ser o primeiro problema enfrentado pela medicina moderna... – de repente a voz da televisão foi cortada.
Valentinna olhava os lábios do âncora se mexerem enquanto observava as imagens de Carlinhos no fundo da transmissão. Sabia que esse assunto seria repercutido em todo lugar e por todas as pessoas. Alguma hora ela precisaria dar sua opinião. Difícil seria segurar as lágrimas ao tocar no assunto, ainda mais quando se condenava pelo acontecido com seu ex-amante. Ela questionava a própria consciência a fim de averiguar se algum dia conseguiria superar seu dedo nessa história. Como a televisão dizia, Carlos estará sempre por perto.
– Está tudo bem, querida? – perguntou um homem alto que se estendia atrás do sofá.
Ela devia por um ponto final de vez, inventar um argumento indiscutível.
– Esse Carlos Baptista era um grande amigo meu.
Agora chorava. Com a consciência imunda. Mas ao menos, podia chorar sinceramente.
– A senhora pode vir visitá-lo quando quiser – disse Eduardo consolando a viúva.
– Obrigado, doutor. Posso ficar a sós com ele?
Eduardo consentiu com a cabeça e saiu do quarto. Quando atravessou a porta o velho doutor de bengala o esperava. Ele o cutucou com o instrumento e apontou para a senhora que se curvava na cama do paciente. Em seguida, começou a gesticular com as mãos fazendo círculos no ar.
– Tenha dó, Casagrande.
– O que? A mulher dessa Baptista tem uma bunda linda, não adianta negar – Eduardo o olhou com um desprezo natural, como se fosse natural aquele linguajar entre médicos. Os dois caminharam a um passo lento e viraram-se um para o outro depois de alcançar uma boa distância do quarto.
– Esse cara ai tinha tudo, dinheiro, uma mulher sensacional e dois filhos – disse Casagrande coçando a barba – alguma chance desse gorducho ter tido uma vida triste?
Eduardo riu do sarcasmo vagabundo do companheiro e deu-lhe uns tapinhas nas costas. A enfermeira perguntou formalidades e depois entrou no quarto do homem eterno. Os dois médicos assinaram formulários e foram embora tomar uma cerveja gelada.