Capítulo 4- Silêncio na Floresta

Os sóis mal tinham despontado no horizonte e Ralf Greenwood já estava sendo acordado a sacudidas. O estranho sonho estava marcado a ferro e fogo na mente do jovem rapaz, que se levantou rapidamente. Estava no salão onde dormira a noite anterior, mas nada no recinto escuro indicava que o tempo passara. A única diferença era o barulho, bem maior do que o da noite anterior. Passos ecoavam nas pedras dos corredores da construção, ratos corriam, fugindo dos gatos que caçavam sem serem importunados.

Mas o recinto em si estava quase vazio. Helidan estava verificando algo na mochila de viagem e Hyacinth conversava baixo com Seymour. O bibliotecário não colocara a capa azul da noite anterior, embora ainda usasse a camisa de linho branco, enquanto Hyacinth usava a mesma capa vermelha de sempre. Ambos estavam recurvados sobre a mesa, examinando um mapa.

Ralf vestiu-se e calçou as botas, levantando-se em seguida. Examinou curioso o mapa estendido sobre uma das longas mesas. Pelo que podia ver, retratava a ilha de Rookgaard, embora, como quase todos os mapas feitos na vila, havia várias áreas em branco, principalmente no lado oeste da vila. Ao pensar, curioso, no que teria do lado oeste de Rookgaard, Greenwood lembrou-se das palavras do sonho da noite anterior, predizendo que algo, vindo do oeste, poderia ser sua ruína. Com um estremecimento, resolveu não entrar no assunto entre os dois sábios e foi verificar a bagagem.

Menos de meia hora depois, estavam todos prontos para partir. Caminharam até onde tinham se encontrado pela primeira vez, perto do arco sinistro. Todos estavam silenciosos, pensativos. A luz dos sóis iluminava a bela praça, que começava a ficar cheia de pessoas. Mulheres faziam fila para pegar água no poço, homens caminhavam para o trabalho nos campos ou na própria vila. Enfim, mais um dia que começava.

Seymour parou na soleira da porta e se voltou para eles. Seu rosto normalmente risonho e brincalhão estava sério. A luz que entrava pela porta tornava os olhos do bibliotecário pequenas esmeraldas claras, que brilhavam. O cheiro de mofo, muito provavelmente vindo da biblioteca ao lado, pairava no ar.

- A hora de partirem se aproxima. E meus olhos não conseguem ver por entre a escuridão que envolve o futuro próximo de vocês. Não desistam da busca, por mais que ela possa parecer impossível. E, lembrem-se: não saiam da trilha! Drimwood é habitada por monstros e animais ferozes, e mesmo na velha trilha que leva ao embarcadouro leste vocês podem ser atacados. Andem com as armas na mão. Adeus agora, e boa sorte. Que as estrelas de Crunor brilhem nos seus caminhos. - Os três aventureiros murmuraram um obrigado e começaram a andar.


Saíram da vila pelo portão norte e viraram a leste, seguindo por uma pequena estrada de terra, ladeada por árvores e campos cultivados. Ao norte, os contrafortes da Glawdin olhava-os, ameaçadores. Seus picos se fundiam com a paisagem cinzenta. O dia estava frio e escuro, mais parecendo o auge do inverno do que o fim do outono. Os ânimos entre os três estavam baixos, por isso seguiam, sem trocar palavra. A muralha da vila costeou por certo tempo a estrada, depois se inclinou para o sul.

Pararam para comer cinco horas depois do nascer dos sois. Um pequeno riacho cortava a estrada, que se inclinava para sudeste, a fim de atravessar o corpo d’água na parte mais rasa. Os campos cultivados tinham ficado para trás, e pequenos bosques de árvores se formavam. Perto do riacho, um grande carvalho crescia. Suas folhas estavam marrons, e de seus imensos galhos liquens e samambaias pendiam. Grandes raízes erguiam do solo e muitas iam direto para a água.

Cataram galhos secos e fizeram uma bela fogueira. Um vento cortante vinha do sul, fazendo o fogo tremeluzir. Comeram um pouco das provisões que Seymour tinha dado a eles. Carne seca, pães e queijos duros. Complementaram o almoço com umas raízes que acharam perto. Depois de descansarem um pouco, retomaram a viagem.

Não encontraram ninguém, durante todo o dia. Nada anormal, já que a estrada era muito raramente usada. A trilha levava para um pequeno atracadouro na costa leste da ilha, onde antigamente contrabandistas e piratas aportavam, descarregando seus produtos e carregando suas naus. Mas os soldados do rei tinham descoberto o local e terminado com o contrabando. Assim sendo, o lugar estava abandonado há tempos.

Mas eles seguiam pela trilha, pois era o único caminho que levava a leste. Mesmo sem conversar, sabiam que estavam procurando indícios de Ethoin. Hyacinth devia ter conversado longamente com Seymour sobre o possível paradeiro do guerreiro, pois não consultou Helidan, tampouco Ralf, sobre o caminho que deveriam tomar. Caminhava, resoluto, e os outros dois seguiam o velho.

Duas horas depois de terem atravessado o riacho, os bosques começaram a ficar mais densos, e os espaços entre eles rareavam, até se tornarem pequenas clareiras. A floresta se fechou sobre a trilha. O chão estava atapetado de folhas mortas e um silêncio sinistro envolvia a mata. Parecia que não havia nenhuma vida ali. Nenhum pio de pássaro ou um amassar de folhas.

Ralf teve um súbito desejo de gritar, para quebrar o opressor silêncio. Sabia que estava fazendo a coisa errada, mas não podia deixar de fazer um barulho, pois a quietude era aterradora. Tomou ar e, quando abriu a boca para soltar um berro, sentiu uma mão se fechar em seu rosto, calando-o.

- Shhh – sussurrou Hyacinth, com a mão na boca do jovem. Mesmo tendo sussurrado, pareceu que o velho tinha gritado – não faça barulho, se não quiser arrumar confusão, Ralf. Não gosto do silêncio também, mas melhor não quebra-lo. O que um grito atrairia de uma mata como essa? Boa coisa não pode ser.

Greenwood concordou, meneando a cabeça, com Hyacinth, que destampou a boca do rapaz. Helidan estava com os olhos negros atentos, com uma mão no cabo da pesada maça de ferro. Havia um clima de tensão no ar, como que se as árvores conspirassem planos sinistros para os viajantes. Ralf desejou que o vento sul soprasse de novo, pois o ar lá dentro parecia parado, morto.

Seguiram andando floresta adentro. Depois de mais alguns quilômetros, a trilha se inclinava para o sudeste. A mata fechada impedia aos três de verem aquém das árvores ao redor deles. Mas, nesse ponto, Hyacinth soltou um grito de felicidade. O grito ecoou, de forma agourenta, pelo lugar, entretanto o velho pareceu não se importar e apontou, excitado com a descoberta, para uma outra trilha, menor e menos evidente.

Mas não era só isso, havia sinais que a trilha fora recentemente usada. Uma pequena fogueira tinha sido acesa metros à frente e marcas claras de botas pesadas espalhavam pelas folhas caídas. Eram pelo menos dois pares de botas, já que havia marcas de tamanhos diferentes. O velho analisou cuidadosamente o chão, e depois acenou para os dois outros que deveriam seguir a trilha menor.

Helidan foi ao encontro de Hyacinth, e Ralf os seguiu, com o coração pesado. Não lhe aprazia deixar a estrada principal, e um estranho medo apoderou-se dele enquanto andava pelo caminho indicado pelo velho. As árvores agora se erguiam mais próximas, suas raízes faziam os três tropeçarem de vez em quando e o parco brilho dos dois sóis tinha desaparecido. Só pequenas frestas de luz passavam pela espessa camada marrom de folhas. Pequenos riachos escuros deslizavam silenciosos por entre as árvores.

Continuaram caminhando, desviando-se das raízes e dos liquens caiam dos troncos grossos. A estrada seguia para o sul, sempre para o sul. A floresta começou a escurecer mais. Os sóis estavam se pondo. Ralf começara a se perguntar onde e quando parariam para dormir quando a trilha deu numa pequena clareira. A grama ali era revolvida, como que pisada por muitos pés. Depois de uma rápida consulta aos outros, Hyacinth resolveu acampar ali.

A fogueira foi acesa e eles jantaram rapidamente. Depois, ficaram em volta do fogo, se esquentando. A noite estava fria e as pesadas capas de pele não os protegiam totalmente. O silêncio sepulcral ainda pairava no ar. Não agüentando mais ficar tanto tempo sem falar, Ralf chamou o velho.

- Hyacinth, o que estamos fazendo aqui? E porque a floresta é tão silenciosa?

- Estamos procurando Ethoin, o guerreiro – respondeu o velho, confirmando as suspeitas do rapaz – e, o silêncio é estranho. Já andei por Drimwood antes, mas sempre ouvi ruídos. Não consigo compreender o porque deste silêncio. Melhor dormirmos com vigia hoje de noite.

Tiraram sorte, e Helidan foi o primeiro a vigiar. Ralf se acomodou no chão e cobriu-se com o cobertor. Ficou se remexendo no chão, incapaz de cair no sono, ao contrário de Hyacinth que roncava que nem uma pedra. Ralf ficou acordado até o turno do anão acabar e o seu começar. Helidan também caiu imediatamente no sono.

Inquieto, o jovem agarra o cobertor, olhando para a orla da clareira. Fruto da sua imaginação ou não, parecia que muitos pares de olhos espiavam da escuridão. Olhos bulbosos e foscos. Estremecendo, Ralf pegou um pedaço de madeira não muito queimado como tocha e foi até as primeiras árvores. O silêncio não tinha sido quebrado. A parca luz da tocha pareceu engolida pela escuridão a frente.

Saindo da clareira, o rapaz olhou para os lados e para cima. Pequenas estrelas brilhavam no céu escuro. Suspirando aliviado, principalmente por não ter visto nenhum olho horrível, Greenwood se virou, para voltar para a clareira. Quando ia passando pela última árvore, ouviu um barulho. Assustado, o jovem ergueu a tocha. Nos galhos em volta, centenas e centenas de olhos bulbosos, pertencentes a centenas de aranhas grandes, olharam para ele.

Soltando um grito de pavor, o rapaz correu para a clareira. No meio do caminho, sentiu uma dor aguda nas costas, como se tivessem enfiado uma lâmina fina na carne. Com um grunhido, Ralf Greenwood caiu no chão, desacordado.


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Pronto, mais um capítulo. Espero que tenham gostado.