Capítulo 12
Seu corpo inteiro estava mole, dormente. Com as pernas formigando horrivelmente, Taura sentia um balanço familiar. Quanto tempo passara sem os sentidos? Talvez ela não mais estivesse viva...
Em sua visão havia o mesmo estranho de manto vermelho. Desta vez ele deslizava por entre as nuvens, como se alguma força invisível o impulsionasse para cima. Tinha em seu olhar faíscas de fogo e seu semblante estava marejado de ira. Havia mar por baixo de seus pés e ele começava a se aproximar da praia, lenta e suavemente.
*****
Abrindo os olhos doloridos, Taura viu estrelas, pontilhando um céu azul escuro. Um aroma fresco e salgado adentrou suas narinas. Mar. Por todos os lados. Sim, ela estava novamente em um navio no meio do oceano.
-Shhh! Ela está se mexendo! - a voz de Iluminista vinha de algum lugar, ali por perto.
-Ah, me desculpe. - Nevan falou logo em seguida, sua fala produzindo uma corrente elétrica na jovem, confortando-a. Finalmente ela virou-se e avistou os dois observando-a, preocupados.
-Eu estou melhor – tranquilizou-os – onde estamos?
Uma pausa. Nevan falou, pacientemente:
-Estamos finalmente indo para Tibia. Nós estávamos treinando desde que você desmaiou e embarcamos há pouco tempo.
Contrariada por ter perdido a parte prática inteira, Taura levantou-se, ainda um pouco tonta.
-Venha jantar, Taura. O pudim de creme já deve estar acabando.
Recusando o chamado do irmão, Taura recostou seu corpo delicado na grade de segurança do navio e debruçou-se para observar o mar revolto. Por alguns milésimos de segundo ela viu um lampejo bruxuleante e avermelhado. Num relance, havia um rosto disforme, encarando-a. Assustada, a moça afastou-se da grade.
Estava se preparando para correr para o salão de jantar quando foi surpreendida por vozes:
-O que você tem na cabeça?!
-Calma, estava apenas dando uma sugestão...
-Se formos descobertos agora, nosso plano estará correndo um grande risco. Além disso o mestre virá em busca de explicações. E você sabe como ele é, certo?
O som de saliva sendo engolida pôde ser ouvido. Quem seriam os donos daquelas vozes? Elas eram familiares para Taura. Ocultando-se ainda mais nas sombras, ela continuou a escutar a conversa atentamente:
-Espero que nossa recompensa seja boa. Pois não há trabalho pior do que ensinar criancinhas remelentas como segurar uma espada do lado certo.
Sim. Aqueles eram Gran e Greg tendo um diálogo muito duvidoso.
-Então estamos acertados. Entraremos em ação à meia noite e logo em seguida enviaremos o sinal ao mestre.
Taura, a tensão crescendo cada vez mais em seu peito, pressionou-se contra as escotilhas, tentando esconder-se o máximo possível.
-Fshhhh!!
Um guincho agudo foi emitido, assustando a todos. Era Jim, o esquilo mágico, que fora esmagado no bolso da dona. Àquela altura ela o havia esquecido completamente.
Não havia saída. Ela seria descoberta logo, logo. O pior poderia acontecer. Olhando atentamente para todos os cantos, Gran e Greg buscavam a fonte do som. Taura fechou os olhos. Sentiu ser agarrada violentamente pela gola da blusa.
-Ah, aqui está a ratinha intrometida que procurávamos!
O hálito fétido de Greg invadiu suas narinas, nauseando-a. Abriu os olhos. Encarou abertamente os dentes sujos do homenzarrão, cuja mão foi ao encontro do rosto da jovem num fortíssimo soco.
Ela conseguiu gritar, porém engoliu grande quantidade do sangue que caía de seus lábios incessantemente. Numa tentativa mal sucedida de fugir, recebeu um golpe nas costelas, perdendo o equilíbrio. Cuspindo e com lágrimas brotando dos olhos, levantou-se tontamente, à procura de algum auxílio.
Taura desmaiaria, tinha certeza disso. Quedou-se, deixou-se entregar ao desespero. Essa atitude não a agradava, porém, ela sabia que não havia saída. No mínimo ficaria inconsciente novamente e seria jogada ao mar.
-Taura!
O que era aquilo? Um vulto se aproximava mais e mais. Nevan! Ele fora salvá-la, numa nobilíssima atitude. Desferindo um forte soco contra Gran e driblando os chutes de Greg, agarrou Taura e carregou-a nos braços, revelando uma força oculta em si.
Enquanto o rapazinho corria, um grito alto foi ouvido:
-Código vermelho, atacar agora!!
Em poucos segundos o caos fui instalado no navio: som de luta em todos os lugares. O tilintar da lâmina de inúmeras espadas ecoava em vários cantos. Repentinamente formara-se um motim, onde os revoltosos eram poucos, mas estavam levando vantagem pela força de seus homens.
Agora Taura já via tudo claramente, andava com os próprios pés. Nevan e ela corriam pelo convés às cegas, talvez para salvar os amigos, talvez para salvar a si próprios. Viram Iluminista e os outros companheiros correndo e se defendendo, ainda que inutilmente. Logo desapareceram em meio à algazarra. Um tiro de canhão seguido por um grito. Agora havia apenas relances na visão de Taura. Algo ou alguém caíra na água.
-Homens, o navio é nosso! – exclamou Greg triunfante.
Por alguns instantes a vista de Taura foi bloqueada e sua boca tapada. Ela foi jogada violentamente. Seu corpo bateu com força numa superfície uniforme. Minutos depois, ela estava a um canto do sombrio porão do navio. Alguns choravam e outros se mantinham calados. O ambiente estava mergulhado em trevas, sendo apenas possível ver o semblante horrorizado de todos.
Onde estariam seus amigos? E o irmão? E... Nevan? O cômodo era imenso e não possuía janelas, somente uma pequena porta elevada, tornando uma fuga impraticável. Esta se abriu com um impacto brusco, seguido pela voz estridente de Gran:
-Tratem de se comportar aí. Em algumas horas chegaremos ao nosso destino.