Cap. III
Arrastando com força meu novo amigo pelo braço, adentramos violentamente na espaçosa taverna. O corriqueiro ambiente de chão encharcado pela bebedeira, música barulhenta, meretrizes provocantes, brigas mortais entre bêbados barbudos e ébrios charlatões estava agora deserto. As cadeiras emborcadas sobre as mesas, as canecas e esponjas limpas e os barris de cerveja e vinho fechados exalavam uma tranqüilidade desconhecida naquele canto da cidade... Tranqüilidade que dominava os roncos longos do velho Dleunar.
- Acorde taverneiro incompetente! Não percebe que estamos morrendo de sede?! – exclamei em bom som.
O brado o acordou e assustou, fazendo com que voasse da cadeira com os olhos arregalados e embaçados pelo sono. Por instinto, o homem desembainhou uma adaga e cortou o vento dezenas de vezes antes de perceber sua extrema tolice.
- Est... Estamos... – tentei falar “Estamos aqui.”, mas gargalhava tanto da reação do velho que não conseguia formar frase alguma.
- Ah!! Vê se cala a boca! ...E entra logo para me dar um abraço! – murmurou com um sorriso banguela, porém radiante. Seu rosto disforme, os olhos esbugalhados, o bafo eterno de cerveja e os cabelos sujos mostravam o quanto que a beleza tinha fugido de sua vida. Mas, apesar de não ser agradável aos olhos alheio, seu afeto com os outros era inigualável. Só o próprio rei era mais querido que ele em Lonsam.
- E vocês ai na porta?! Porque não entram de uma vez para comemorar a vitória?! – falou encaminhando-se para todos que esperavam na entrada do bar. – Bem-vindos a minha humilde e alegre taverna! – exclamou de forma robótica, puxando-os rapidamente para dentro do estabelecimento.
- Onde todos aproveitam um pouco de suas vidas... Até nossos deuses! – a frase saiu em conjunto por todos que entraram, interrompendo o alegre Dleunar e iniciando a grande farra que duraria por toda a noite.
* * *
A tosse seca e contínua se prolonga mais que o normal, interrompendo as palavras do homem velho por mais tempo. O crepitar da fogueira ainda está ardente e, apesar da pequena pausa do enigmático contador de histórias, os olhos arregalados das crianças permanecem paralisados e concentrados, refletindo a chama ondulante de fascínio.
- Está tudo bem, senhor? – a voz aguda e preocupada de um dos meninos ressoa como uma pergunta de interesse geral.
- Sim, sim. – responde o idoso de cabelos e barba branca com uma feição confortante em seu rosto. Ao colocar as mãos trêmulas dentro de sua túnica puída verde esmeralda, ele retira uma pequena pedra acinzentada e achatada, com uma gravura talhada em um dos lados e do tamanho da palma de sua mão. – Essa a Lílian fez especialmente para mim... – Com um sorriso amarelo no rosto, o velho tira os olhos das crianças e se concentra na pedra que segura. Em poucos segundos, uma luz brota de todas as extremidades da rocha e, como se um ácido a corroesse, ela se desmancha, deixando toda aquela mágica luminosa nas mãos do velho. As bocas arregaladas de todos em volta da fogueira soltam um pequeno som de fascínio enquanto acompanham o trêmulo movimento da mão do homem. Esta pousa suavemente em seu próprio peito e faz com que toda a luz penetrasse em seu corpo.
- É, crianças. Existe mais mágica nesse mundo do que vocês podem imaginar...
As bocas abertas de espanto e encantamento transformam-se em largos sorrisos de felicidade e dúvida. Todos estavam cheios de perguntas. Mas a ânsia pela continuidade da história é maior do que qualquer outra coisa naquele momento. E então, num movimento conjunto, todos se juntam ainda mais perto do velho.
- Bem... Onde parei mesmo? Ah, sim! Lembrei. – recomeça, reconstruindo a atmosfera fantasiosa.
- A noite ébria repleta pela orgia possuiu a todos na taverna e, como o velho ditado de Dleunar dizia: até os deuses se divertiam conosco.
O ambiente desértico voltara ao seu normal em poucas horas: prostitutas provocantes dançavam semi-nuas pelas mesas, as esponjas encharcadas de vinho sujavam o chão inteiro e embriagavam dos mais nobres cavaleiros aos mais sujos guerreiros, as pequenas confusões faziam o espírito de luta permanecer em nossos corações e os acordes e batuques dos instrumentos musicais movimentavam todas as pernas. A festa era empolgante e todos se animavam.
Até mesmo ele, o que proferira palavras de raiva contra o próprio rei, se rendera aos encantos de uma mulher. Possuindo-a ali mesmo, em um dos cantos da taverna.
- Antes de eu desabar bêbado sobre uma das mesas... – começou a falar um louro, chamando a atenção de todos. – Quero fazer... Um brinde coletivo aos... Aos dois... Aos dois que acenderam nossos co... Corações e... E nos levaram a vitória! – os soluços e as breves amnésias de palavras interrompiam sua declaração constantemente; e a tontura aos poucos o vencia. – UM BRINDE...! Ao Sir. Ludain e ao guerreiro Fa... – não houve continuação, o homem desmaiou antes de completar suas palavras.
O brinde requisitado foi aceito.
As canecas voaram e se chocaram numa saudação alegre; as esponjas encharcadas foram espremidas, derrubando o líquido vermelho nas gargantas; e a música prolongou-se mais alta, fazendo todos se calarem para prestar atenção nos versos do bardo bêbado cantante:
A noite inteira eles beberam
O vinho ao todo derramado
E numa orgia entrelaçados
As virgens, brancas, os amaram
O dia inteiro eles lutaram
Sangue inimigo derramado
Escudo e arma acabado
E uma vitória conquistaram
Cavaleiros, que mataram
Com corte alvo do machado
Majestosa espada, perfurado
Os inimigos q’odiaram
Duplicados guerrearam
Sangue e morte derramado
Tudo, enfim há terminado
Com gritos e urros entoados
Contudo, morte os visitaram
Pranto e choro derramado
Pelos homens acabados
Suas virgens, mais choraram
E em lendas transformaram-
Se. Glória e culto derramado
Sobre suas cabeças, selecionados
Pelos deuses q’abençoaram
E o dia inteiro eles lutaram
Sangue inimigo coagulado
Escudo e alma restaurados
E’m uma lenda se tornaram
A noite inteira eles beberam
O vinho ao todo derramado
E numa orgia entrelaçados
Meretrizes os abandonaram
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