Sou de honrar minha palavra.
Chovia. Eu estava completamente perdido, e a únicas sensações que eu podia considerar indubitáveis eram o frio e o medo. Caminhava por um chão enlameado sem ter certeza do meu destino, apenas seguindo em frente. Foi quando dois olhos brilhantes surgiram à min há frente; olhos amarelos com pupilas finas, como as de um gato. Aquele olhar havia me paralisado. Estava totalmente vulnerável quando algo se lançou às minhas costas. Um novo olhar me abateu, agora eram olhos enormes e vermelhos. Eu não tinha dúvida: aquele era o demônio.
Capítulo 18 - O encontro.
Realmente chovia. A diferença da realidade para o pesadelo que eu acabara de ter era que eu tinha a perfeita idéia do lugar onde eu estava: a prisão.
Sem dúvida aquela foi a pior fase da minha vida. Meu estado era deplorável; demasiadamente magro, meus cabelos e barbas já haviam crescido bastante e a sujeira era tanta que chegava a grudar os fios uns nos outros. Minhas roupas já estavam completamente encardidas e rasgadas, sem contar que ficaram extremamente folgadas após a minha excessiva perda de peso. A única coisa mais desgastada que minhas vestimentas era o meu cérebro.
Após algum tempo eu havia entrado num processo que eu acredito poder chamar de decomposição. Eu não conseguia formular nenhum pensamento complexo, me mantendo vivo da maneira mais irracional possível, apenas avançando instintivamente para o alimento que me era dado. Passava os dias a observar minúsculos pedaços de pedra que se desprendiam das paredes, e vibrava ao achar algum traço de vida, como formigas ou larvas; após observá-las longamente eu as devorava. Não recebia mais visitas, e meu único contato com o mundo de fora era através dos guardas, que na hora da troca de turno podiam me mostrar, por exemplo, as condições climáticas, uma vez que chegariam molhados se estivesse chovendo.
A única hora que eu tinha resquícios de lucidez, ironicamente, era durante o sono. No entanto até aquele dia vinha tendo constates pesadelos com dois pares de olhos brilhantes. Mal sabia eu que naquela noite tudo iria mudar.
Ao sentir que estava prestes a dormir, deitei-me e deixei que fosse consumido pelo sono, com o coração palpitando ao lembrar que os olhos brilhantes apareceriam novamente; mas eles não apareceram.
- Arieswar. – uma voz ecoava – Arieswar.
Eu não estava mais num lugar desconhecido, mas sim na própria cela. Era como se eu houvesse sido acordado:
- Você não é Arieswar?
Olhando para mim mesmo e à minha volta, não demorei em responder:
- Eu era.
- Um guerreiro do seu nível nunca perde a nobreza, Arieswar.
Eu soltei um ruído abafado na tentativa de dar um riso irônico.
- O quer comigo? Deixe-me definhar em paz!
- Minhas intenções são as melhores, nobre cavaleiro. Sou um encarregado dos deuses para salvar a sua alma. Eu sou o único que está ao seu lado.
- Obrigado, mas prefiro morrer sozinho.
- Não teria nem mesmo o interesse de saber o que aconteceu a Pepelu?
Pepelu; foi como se eu tivesse tomado um tapa na cara! Meus olhos se arregalaram e eu senti o coração bater mais forte. Naquele momento percebi que não estava apenas dormindo; estava em transe. Aquela não era uma situação decorrente do estado de loucura, e não podia ser ignorada.
- Acredito que sim, não é mesmo? – continuou a voz – No entanto posso sentir que você não confia em mim, logo devo me retirar.
- Espere! – gritei, sentido que estava completamente lúcido, como não me sentia há muito – Não se vá!
Um longo momento de silêncio. Achei que havia posto tudo a perder.
- Arieswar – recomeçou -, eu posso te devolver algo que lhe fora roubado, posso lhe estender a mão quando cuspiram em você, posso mudar o seu destino, porém você vai ter que me dar uma única coisa: sua confiança.
Silêncio de ambas as partes.
- Talvez tenhamos ido longe demais. – supôs a voz – Peço então que me dê apenas um pequeno crédito. Antes de fazer qualquer conclusão precipitada eu desejo que ouça tudo que eu tenho a dizer, e só me julgue depois de uma verdadeira análise e reflexão. Caso não o agrade o que tenho para dizer, eu compreenderei se quiser que eu parta. Será que eu posso contar com você?
- Bem... – eu não tinha nada a perder – Creio que sim.
- Sua sabedoria é admirável.
Uma súbita rajada de vento trouxe uma grande nuvem de poeira, dela formou-se um vulto.
Pulei para trás ao ver após a poeira se dissipar. Instintivamente tateei a cintura à busca da minha espada, que não estava lá. Nunca havia o visto, nunca havia o ouvido, porém não me restavam dúvidas de quem era o homem de olhos profundos que acabara de aparecer: Ferumbras!
Não havia me esquecido das palavras de Taghor, capitão do navio da Costa Verde, que me advertira sobre sua mais marcante característica, porém não fora aquilo quer me dera a certeza da presença de Ferumbras naquela cela; havia uma aura fantasmagórica ao seu redor, eu podia senti-la.
- Como vai, Arieswar? – e estendeu sua mão.
Aquele era o momento mais decisivo da minha vida. Por muito tempo previ o dia que estaria cara à cara com Ferumbras, e certamente as circunstâncias eram outras. Enquanto meu coração bombeava adrenalina por todo o corpo, ele, Ferumbras, estava lá, na minha frente, de pé com a mão estendida.
- Não precisa ter medo. – disse – Eu não sou o monstro do qual me rotularam.
Eu queria falar, mas as palavras não saíam da minha boca.
- Eu sou um homem de valor, igual a você, Arieswar. Se os que estão com você o deixam trancafiado numa cela, será que eu, o único que lhe está compartilhando este momento, serei seu inimigo?
Eu não tinha mais certeza de nada. Sem ter em quem acreditar ou no que confiar, apertei sua mão. Foi como se o mundo inteiro estivesse olhando para nós.
- Diga-me, Ferumbras... – finalmente emitindo algum som – O que aconteceu a Pepelu?
- É intrigante, Arieswar...e um tanto quanto revoltante. – disse, andando em círculos – O fato é que enquanto você é submetido a uma condição humilhante, Pepelu encontra-se em liberdade provisória.
- O QUÊ?! – eu me revoltei – MENTIRA!
Ele se voltou contra mim, imponente.
- Essa é a verdade, Arieswar.
- Mentira! MENTIRA!
- Enquanto você implora por um parto de comida, Pepelu goza a vida em liberdade! Você foi passado para trás! Você foi o mártir! Você salvou a vida de Pepelu!
- Não...não...isso não. PARE DE MENTIR, DESGRAÇADO! PARE! PARE!
Ele deixou que eu caísse em desespero.
- Você sabe; você pode ver. Sabe que eu não estou mentido.
- Eu...não posso...acreditar! NÃO POSSO ACREDITAR EM VOCÊ!
- Você tem que acreditar em mim. É sua única chance de fazer justiça.
- QUEM É VOCÊ PARA FALAR DE JUSTIÇA? VOCÊ É UM ASSASSINO!
- Você também é, Arieswar! Quantas vidas você não tirou em nome de Thais?! Você tem o seu ideal, eu tenho o meu! A única diferença entre nós dois é que você cresceu achando que acreditar nos meus ideais é errado!
- Isso não tem a ver com ideal...TEM A VER COM O MÉTODO! VOCÊ MATA INOCENTES! VOCÊ ESCOLHE SUA VÍTIMA AO ACASO E A DESTRÓI!
- NÃO! – ele gritou pela primeira vez.
Foi assustador. As paredes tremeram e o chão pareceu ruir. Até mesmo o mais insensível dos homens poderia perceber que naquele momento minha cela estava sobrecarregada de tensão.
- Olhe para mim, Arieswar. Não é possível que você ache que sou apenas um assassino. Não é possível que não sinta nada mais por mim.
Eu não podia falar o que sentia, mas pela minha hesitação sabia que ele já o percebera. Dentro de mim eu tinha um grande respeito por Ferumbras, pois apesar de ir contra seus princípios, um guerreiro sabe reconhecer a grandeza do outro.
- Eu e você, Arieswar, somos diferenciados. Nós somos excepcionais. Diferenças à parte, somos gênios. E, pela nossa complexidade, não podemos ser julgados sem antes sermos estudados a fundo.
“Por mais precipitadas que pareçam ser nossas decisões, nossa genialidade as impede de serem completamente ingênuas. Somos guiados por uma mão invisível que nos faz sermos especiais.”
Silêncio.
- Onde...quer chegar?
- A pergunta é: onde você quer chegar? Será que seu destino é morrer numa cela como um animal?
- Eu não vou morrer aqui! Meus companheiros irão me salvar!
- Seus...companheiros! – começou a rir – Seus companheiros irão te salvar?
- Qual é a graça? QUAL É A GRAÇA?
- Seus companheiros, meu caro Arieswar, foram os responsáveis pela liberdade de Pepelu. Eles foram ao tribunal para lutar por sua não condenação!
Eu fiquei imóvel. Meu cérebro não conseguia processar aquela informação.
- Não...isso não. Não é verdade. Não pode ser verdade. Eles virão me salvar...
- Seus amigos o traíram, Arieswar.
- Eu...eu...
- Olhe dentro de si mesmo e você verá a verdade.
Inconscientemente eu fechei os olhos. Algumas cenas passaram diante de mim: um tribunal, pessoas conversando, o martelo decretando uma sentença. Pude ouvir vozes conhecidas; elas argumentavam veementemente a libertação do réu. Ouvi o nome de Pepelu, vi suas correntes serem abertas. O mundo girou.
Eu me sentia mal. Lágrimas escorriam dos meus olhos. Eu estava ajoelhado, quase de quatro no chão. Quando levantei a cabeça, Ferumbras estava com sua mão novamente estendida para mim.
- Arieswar, venha para meu lado. Junte-se a mim e poderemos fazer justiça.
- Não...é errado...
- Errado é não fazer o que se deve mesmo quando se têm a oportunidade.
- Você...é mau.
- O bem e o mal são pontos de vista. Confie em mim, Arieswar. Não iria escolher um lado no qual nada me fosse favorável.
- Você...invadiu Thais...
- Eu luto por justiça, Arieswar. O mundo é muito grande e nem todos tem os privilégios que aquela minoria possui. Privilégios, aliás, que só são garantidos devido à devoção eterna e cega ao seu Rei.
- Então por que não matou o Rei? Por que tirou a vida de inocentes?
- Não posso despossar um tirano para elegerem outro. Tenho que provar que esse método de governo é alienante, injusto e cruel! Tenho que mudar a essência das pessoas.
- Matando outras?
- Não existe triunfo sem perda, Arieswar, não há vitória sem sofrimento, nem há liberdade sem sacrifício. Você foi traído pelas pessoas que mais confiava. Sua passividade será sua cova..
- Você pode me ajudar a retribuir sua traição? – perguntei, inflando-me de ódio.
- Claro.
Eu era um homem desolado, desesperançoso, humilhado e traído. Não era uma oferta que eu poderia recusar. Segurei sua mão e ele me levantou. Eu respirei fundo e disse, olhando bem fundo nos seus olhos:
- Estou com você.
··Hail the prince of Saiyans··
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um dos melhores que eu li, espero ver o 19 em breve ^^ plz continua ai