Spoiler: Respostas
No último episódio: Morfeu tenta tomar Senja de assalto e acaba sofrendo as consequências de uma horrível falha estratégica. Os Olimpianos surgem mais uma vez, cumprindo o pacto firmado entre o Olimpo e Jason no final d'A Sétima Vingança. O cavaleiro suspeita que há algo que se encontra escondido no castelo e as equipes se engajam na obrigação de encontrar a Túnica Rubra.
CAPÍTULO XIV – O ENIGMA MILENAR
A noite lançava suavemente seu véu sobre a ilha de Senja na altura em que todos os corpos dos mortos em combate já haviam sido magicamente removidos. Com um certo pesar, Jason identificou o corpo de Josh, antigo soldado de Heloise, mas a rainha não olhou para ele duas vezes. No final das contas, ela perdera Daniel Steelsoul e Bambi Bonecrusher por causa da incursão de Ferumbras no continente e, agora, poucos eram os que restaram para a rainha.
Felizmente, nenhum dos camponeses e outros habitantes da ilha havia se ferido, muito por causa da pontual atuação de Ártemis, Melany e suas caçadoras, que abateram mais soldados do que qualquer um deles havia visto em uma guerra, mas todos tinham muito com o que se preocupar agora. Provavelmente, Ferumbras já sabia que seu último Arauto havia sido abatido, assim como todos os demais, e nenhum deles tinha a mínima noção sobre quanto tempo demoraria até que o feiticeiro tentasse desabar sua fúria sobre Senja. Quanto antes pudessem ampliar a proteção, melhor.
John, Randal, Samuel e Zathroth saíram do castelo, mantendo-se dentro da faixa exclusiva de proteção. Os três primeiros, que eram grandes feiticeiros, sacaram seus cajados; Zathroth, no entanto, era um cavaleiro, mas muito competente e versado na arte da magia pura. Fazia certo sentido que ele estivesse ali; se Zathroth e Samuel foram os construtores da redoma, então nada melhor do que eles mesmos para ampliá-la.
Por um instante fugaz, nada aconteceu. Porém, segundos após, Jason a viu.
Inicialmente, se parecia mais com um pequeno pano de seda, costurado no céu, exatamente na mesma direção em que todos apontavam seus cajados e mãos espalmadas. A redoma era transparente, mas, agora, os fios que a compunham eram translúcidos, e raras vezes Jason havia visto algo tão bonito em seus 19, quase 20, anos de vida. Os traços esverdeados opacos que surgiam no céu eram semelhantes aos de uma aurora boreal; o feitiço de proteção de Zathroth e Samuel era fino, no sentido de ser refinado, e parecia conter o que de mais puro havia na criação.
As linhas divisórias da claraboia se expandiram devagar, revelando-se e tocando no chão verdinho de grama bem aparada. Não demorou para que começassem a se entrelaçar e se tornassem um verdadeiro escudo, brilhando com vibração e lançando luzes sobre o mar e sobre as casas do vilarejo. Era um espetáculo raro, muito natural, cheio de tudo que havia de melhor e que bombeava paz para dentro de todos os que assistiam.
Não foi tarde que os habitantes de Senja começaram a deixar suas casas e se sentar no campo, assistindo à cena arrebatados. Nenhum dos feiticeiros, nem mesmo Zathroth, contudo, desviou sua atenção para agradecer pelas luzes da ribalta; o feitiço ainda precisava de um retoque mais profundo, e a concentração de todos era essencial.
Finalmente, a redoma começou a se expandir para todos os lados. Devagar, mas sempre, tocando a grama a todo momento e ganhando metros e mais metros a cada vez que avançava, ela acelerou rumo ao vilarejo, abarcando-o até o cais antes que, finalmente, de forma gradativa, começasse a desaparecer.
Os feiticeiros, assim como Zathroth, agora se sentiam extenuados, mas seus esforços foram recompensados. Toda a ilha de Senja estava protegida agora.
Ártemis, que surgira recentemente com Melany, foi a primeira a começar a aplaudir. Jason seguiu a deixa e, logo, todos os habitantes da cidade punham-se de pé e batiam palmas com fervor. Se havia algo que colocava em xeque o caráter de cada um dos moradores de Senja, essa sensação se havia dissolvido.
Jason e Melany trocaram um olhar apaixonado antes de a garota sussurrar “eu te amo” e rumar de volta para o castelo junto de Ártemis. O cavaleiro baixou a cabeça por um instante, desejando que aquela crise terminasse, enfim, para que pudesse colocar sua vida nos eixos outra vez.
*
O jantar naquela noite foi servido em uma mesa ao ar livre, mesmo porque não havia espaço suficiente para abrigar os visitantes recém chegados. Zeus, Hades, Poseidon, Hera, Ares, Hefesto, Hermes, Ártemis, Dionísio, Apolo, Atena e Afrodite estavam ali. Imediatamente, Jason se afeiçoou pela pessoa de Dionísio, que enchia a taça de vinho uma vez a cada cinco minutos e parecia estar num estado constante de embriaguez. Zeus, Hades, Poseidon e Samuel conversavam mais reservadamente em uma das extremidades da mesa; Ares e Afrodite trocavam olhares cheios de lascívia, sob os de aprovação de Hefesto. Apolo e Ártemis comparavam as forças de seus arcos, e Atena era a única que não havia aberto a boca até então, sentada ao lado de Hera, que conversava com John.
O primeiro momento em que Atena deu a impressão de estar ao menos momentaneamente sintonizada com o restante deles foi quando Samuel pediu a palavra, depositando sobre a mesa um baú azulado, adornado com detalhes em ouro e prata. Ela curvou as costas para a frente, interessada.
— Morfeu, de fato, escondeu a Túnica Rubra no castelo — disse Samuel, olhando para Jason como quem quisesse congratulá-lo. — Como podem ver, o baú se encontra selado, provavelmente por magia de Ferumbras, e não sabemos como abri-lo.
Atena passou os dedos longos por alguns sulcos havidos ao longo da superfície do baú.
— É um enigma milenar — disse ela.
Sua voz era soprana e um pouco adolescente, mas carregava milênios de sabedoria e experiência. Jason surpreendeu-se com ela instantaneamente.
Em poucas palavras, Atena explicou que o enigma milenar era uma magia antiga e que fora usada somente uma vez, antes daquela: quando Crunor selou o baú que continha a Espada de Crunor. Ao que consta, somente aqueles a quem são destinados os efeitos do baú podem abri-lo, como somente Jason fora capaz de abrir o outro. Todos, obviamente, tentaram tocar o baú, sem sucesso; a magia era simultaneamente engenhosa e preocupante, porque Ferumbras conseguira tirar das mãos deles a possibilidade de tocar a Túnica Rubra.
Agora, portanto, tinham outro problema em vista. Quem seria o responsável por resolver o enigma milenar? Jason já tivera sua oportunidade e finalizara; mas, agora, a magia encerrava a Túnica Rubra e nenhum deles conseguira acessá-la.
Mais tarde, naquele dia, Miguel e Gabriel apareceram, mais soturnos do que nunca. Aparentemente, nenhum deles conseguira superar a morte de Rafael, e, indiretamente, pareciam culpar Jason por ela. O cavaleiro não ignorou os olhares de reprovação dos dois enquanto tentavam manusear o baú, mas não havia nada que pudesse ser feito para alterar a realidade dos fatos. Rafael se fora, mas não por responsabilidade de Jason; ele se fora porque decidira atrair para si o ônus de provar-se. Não havia sido o único a morrer naquele dia.
Quando os arcanjos partiram de volta ao Paraíso, John chamou Jason em um canto.
— A presença destinada a abrir a arca é sobre-humana — confidenciou, em voz baixa, um pouco tenso. — Ferumbras destinou a magia a um arcanjo.
Jason raciocinou por um instante. Nem Miguel nem Gabriel tinham conseguido abrir o baú, e Rafael estava morto.
— Nenhum deles foi capaz — argumentou.
John deu-lhe um sorriso tenso.
Levou apenas um segundo para que a compreensão inundasse o cavaleiro, que balançou a cabeça negativamente, descrente. Ferumbras era um desgraçado de marca maior, e tinha mais conhecimento do que eles gostariam.
Acontece que Lúcifer também era um arcanjo. No momento em que Ferumbras lacrou o baú, certamente tinha concedido a ele o poder de abri-lo, e somente a ele. Havia apenas um significado. Estavam enrascados.
Ao cair da noite, quando todos se reuniram para jantar, Jason, sentado à ponta da mesa, pediu a palavra para dar a todos as más notícias.
— Gabriel e Miguel conseguiram sentir o íntimo da magia de Ferumbras — começou, ao que atraiu a atenção de todos. — O enigma milenar está destinado a um arcanjo. Nem Miguel, nem Rafael, nem Gabriel. Lúcifer. É o único que pode abrir a arca.
Atena estalou os lábios, dividida entre a admiração e a contrariedade. Zeus, no entanto, balançou a cabeça afirmativamente, vendo sentido naquilo.
— Bah — ele resmungou. — Se eu estivesse na pele dele, teria feito o mesmo.
— No passado, Lúcifer foi liberto porque os Seis Trabalhos foram realizados. A verdade é que precisamos que ele abra o baú, sem, contudo, libertá-lo. Não me parece que será uma barganha justa para ele, o que é preocupante, de qualquer modo. Não consigo ver uma forma de resolver esse problema.
Durante um longo momento, Samuel, Zeus, Poseidon e Hades discutiram enfaticamente sobre como poderiam obter o apoio que precisavam sem terminar de condenar o restante do mundo. A um canto, Leonard mantinha a cabeça baixa, pensando, e Jason e John trocavam informações a respeito da jaula onde Lúcifer estava preso. Melany e Ártemis discutiam como poderiam sitiar o inferno, e Randal simplesmente optava por não pensar no assunto.
Enquanto Zathroth e Bellatrix conversavam em voz baixa, Atena deixou a mesa, reunindo-se com um camponês nos campos ao sul. Afrodite, Ares e Hefesto discutiam técnicas de sedução, guerra e forja, aparentemente nenhum deles na mesma página do outro, mas parecia fazer algum sentido para quem tinha aquela conversa estranha.
Minutos depois, quando Atena retornou, trazia junto de si um homem de aparência peculiar. Tinha olhos puxados e usava uma estranha combinação de vestes orientais e turbante, tudo muito branco e verde. Parecia destoar da paisagem onde estavam, mas, vá lá, nenhum deles ali era muito normal.
Rashid.
Não demorou para que o comerciante se sentasse à mesa, ao lado de Jason, fitando-o com um misto de espanto e admiração. Parecia que a cauda de Chimera não lhe vinha fazendo bem; sua aparência era mais cansada do que nunca.
— Creio que não preciso dizer que ele está me caçando em todos os cantos do planeta.
— Parece verossímil a informação — Jason respondeu, sincero.
Rashid sacudiu a cabeça, desgostoso.
— Sequer tenho conseguido trabalhar.
Atena bufou, impaciente.
— Acho que veio até aqui porque precisa de ajuda — o cavaleiro argumentou. — Precisa de proteção.
O comerciante sacudiu a cabeça, como quem quisesse enfatizar aquilo com o máximo de energia que fosse possível.
— Acho que é seguro acreditar que tem algo para dar em troca.
Foi a vez de Rashid bufar.
— É, sim, sei como isso funciona. Não posso condená-lo por agir do mesmo modo como eu mesmo agiria, é óbvio. Sim. Diga-me o que quer e verificarei se é possível.
Jason respirou fundo, deliberando.
— Quero conversar com Lúcifer. Em segurança. Não pode haver a mínima possibilidade de que ele me toque, ou que deixe a proteção de sua jaula. Preciso de um favor.
Rashid arqueou as sobrancelhas, incrédulo.
— Não pode estar falando sério.
— Graças à sua brilhante incursão a Rookgaard e por causa de ouro, Ferumbras lacrou a Túnica Rubra sob a proteção de um enigma milenar. Por acaso, ele destinou a magia a um arcanjo. Não é Miguel, tampouco Gabriel, e Rafael está morto. Lúcifer é o quarto. Não há outra opção.
O comerciante refletiu por um segundo, um pouco cáustico.
— Digo que não está falando sério porque está exigindo algo impossível de se fazer. Sou um vendedor de itens raros, e não um comercializador de almas.
— É interessante, porque nosso Randal aqui estava no purgatório até poucos meses e veio conosco após uma incursão ao inferno. Costumava ser um demônio. Agora, está curado. Então, no ramo das impossibilidades, talvez vá compreender por que não considero o que me diz assim tão impossível.
Samuel cruzou os braços e seu curioso movimento foi espelhado por Zeus e Poseidon, que pareciam muito interessados no desenlace daquela situação. Entrementes, Atena sacudia a cabeça, um pouco infeliz. Era a deusa da sabedoria. Então, sabia que, embora fosse um plano abissalmente arriscado, era muito necessário. Se Ferumbras tivera a ousadia de lacrar a Túnica Rubra daquela forma, então poderia ser interessante pensar que ele não esperava que Lúcifer os auxiliasse naquela missão.
Tudo parecia muito suicida, de qualquer forma. Em seus muitos milênios de vida, jamais tinha conhecido alguém com a obstinação de Jason Walker. Era surpreendente que ele fosse descendente da linhagem dos incandescentes e não dos olimpianos; seu estilo de vida, de ser e de se portar se parecia muito com o de Ares.
Rashid respirou fundo, fechando os olhos por um momento. Não acreditava no que estava prestes a fazer.
— Por Crunor, se alguém ousar me responsabilizar por isso em qualquer momento da história, juro que volto no tempo e desfaço tudo que fiz — ele praguejou, o rosto escondido nas mãos espalmadas. — Nunca imaginei que alguém fosse ser suficientemente estúpido para me pedir algo do gênero. Céus. Vocês estão totalmente certos em absolutamente tudo que dizem, se querem saber. Chegamos ao fim dos tempos.
Jason deu-lhe um meio sorriso, compreendendo com exatidão os sentimentos do comerciante naquele momento. Dera a eles um trabalho dos infernos – quase que literalmente – trancafiar Lúcifer novamente, e abordá-lo naquelas circunstâncias poderia agravar o problema de sobremaneira.
Naquele momento, contudo, os prós eram maiores do que os contras e, afinal, aquele grupo sempre vivera de riscos. Que seria mais um?
— Escutem atentamente — Rashid suava frio. — Meus anos como comerciante me ensinaram todo tipo de coisa, e já escutei bastante conversa por aí, também. Algumas das informações são reconhecidamente falsas e, outras, duvidosas. Menos de um centésimo é verdadeiro, e quem lecionava a esse respeito era um eremita de Ankrahmun chamado Melchior. Grande comerciante.
“A jaula dele não fica no inferno, no purgatório ou no paraíso. Fica no limbo, suspensa, girando, matando-o de tédio. Se houver algo que ele possa alcançar, é capaz que tome para si e estique e aperte até esfolar o que quer que seja vivo, somente para ter o que fazer. Vocês têm de estar cientes do que estão fazendo.”
Por um instante, Jason se lembrou do período em que ficara suspenso no limbo, e como a alma de Lúcifer parecia brincar com ele, embora não tivesse qualquer risco para oferecer, verdadeiramente. Foi graças aos padrões identificados no comportamento do arcanjo desviado que foi possível vencer aquela que, até então, era a maior de todas as batalhas. Retornar ao limbo não estava realmente entre os seus planos mais próximos, para ser sincero.
— Um soil pode trazer qualquer um de vocês de volta do limbo, mas não pode mandá-los para lá — prosseguiu Rashid, arrancando Jason de seus devaneios. — O limbo é uma dimensão destinada àqueles que se encontram em estado de semimorte, nem vivos, nem mortos, sobrevivendo por um fio, mas morrendo por um fio. Não há outra forma de levar alguém até lá, senão nessas condições.
John levantou a cabeça, encarando Jason nos olhos. O espadachim sabia no que seu antepassado pensava; sabia o tamanho do sofrimento que ele enfrentara quando estava inválido naquela cama de enfermaria.
Repentinamente, Zeus pôs-se de pé. Mais ou menos na metade da mesa, Afrodite também se levantou, atraindo todos os olhares masculinos. Melany revirou os olhos enquanto Jason tentava se recompor; não tinha controle sobre aquilo, era mais forte do que todos.
— Posso deixá-los nessas condições — disse Zeus, franzindo o cenho. — Treinei muito mais minha mão depois do… último episódio.
Jason lembrou-se da morte de Rafael e dos outros.
— E Afrodite tentará trazê-los de volta, mas não há segurança nisso. Quem está dentro?
O espadachim baixou a cabeça, reflexivo. Era o momento de tomar uma decisão.
PRÓXIMO EPISÓDIO: CAPÍTULO XV - O ÚLTIMO ARCANJO
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