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Tópico: Behogár Bradana

  1. #71
    desespero full Avatar de Iridium
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    Padrão Gheimhridh Deora, Capítulo 2

    Saudações!

    Espero pegar mais ritmo agora, para poder seguir com o arco mais pesado e intenso da narrativa; confesso que eu estou surpresa que a história está caminhando para o fim, tantos anos após abandoná-la. A quem possa interessar, eu farei, sim, uma versão em quadrinhos de Behogár Bradana para postar online, tanto em meu site oficial quanto outros locais web afora kkkkk

    Alguns eventos serão alterados, principalmente levando em consideração todos os feedbacks que recebi até hoje (e os que receberei até o final da história), bem como outras questões do worldbuilding. Mas, sem maiores delongas, vamos às Respostas aos Comentários!


    Spoiler: Respostas aos Comentários


    Sem maiores delongas, o Capítulo de Hoje!

    ----

    Spoiler: Bônus Musical


    Capítulo Dois — Quem foi?
    Quem, ou quê, matou Behogár Bradana Vigiawyrm?


    Tempo presente.


    Audrey jogou sua cabeça para trás, seus olhos semicerrados por fim aceitando a realidade.

    — Quem foi? — Indagou ela, com a voz vazia, receosa de voltar seus olhares para a lápide, tão definitiva em seu testamento. — Quem fez isso?

    — É o que eu gostaria de saber, também. É tudo o que eu queria saber.

    A paladina ruiva virou lentamente seu rosto em direção à voz, encontrando um Anão robusto, cuja barba negra já estava atravessada por muitas mechas grisalhas. Seu nariz era grande, típico da estrutura facial dos anões, com dorso e narinas largas, como se ocupasse quase um terço do rosto do homem. Seus olhos eram azuis, brilhantes como água das nascentes montanhesas. “Do mesmíssimo tom dos olhos dela”, Audrey pensou, “mas, não possuem o mesmo carinho.” O homem trajava uma armadura que, a despeito de bem cuidada, entregava os sinais de uso em muitas, muitas batalhas; uma armadura de escamas em tons vermelho e preto, feita em metal e couro trançado, tal qual um dragão em menor escala. Seu corpo estava protegido do frio por uma capa carmesim com pele de logo cinzenta ao redor de seus ombros, deixando-o ainda mais imponente do que se apresentava. Apesar da velhice, Audrey Raines sabia que estava diante de um veterano de sua espécie, e que deveria tratá-lo como tal.

    — Você é…? — Indagou Audrey, com a pouca força que ainda tinha para trivialidades.

    — Mikhail Barbarruna. Comedor de Dragões, Filho do Fogo. — Replicou o homem, cortês, porém áspero pelo pesar que partilhava com a estranha. — Pai de Bradana. E você é? — Discretamente, a mão do Anão já estava posicionada próximo ao cabo de seu machado de arremesso, oculto pela capa que usava.

    — Raines. Audrey Raines. — Respondeu a moça, o luto sugando a pouca convicção que ainda tinha.

    — Ah. — Replicou Mikhail em um tom seco de desaprovação. — A Humana. Melhor dizendo, Patrulheira-Tenente das Irmãs da Jarreteira. — Sua postura relaxou discretamente, ainda que seu semblante traísse o quão indesejada era a presença de Raines por ali. — O que veio fazer aqui?

    — Eu… — Audrey gaguejou, lábios tremendo em meio à dor que sentia. — Eu vim… Por ela… — O engasgo em sua voz veio seguido do choro. — Eu não sabia… Eu achei que… Esperava que fosse mentira. Tinha que ser mentira, mas não é, não é! —Suas mãos passaram por seus cabelos em meio a um suspiro tremido, buscando uma calma que era incapaz de ter naquele momento. — Eu a amava, eu a amei, eu a amo ainda assim! O que aconteceu?! Como isso pode acontecer?!

    Mikhail, deixando suas ações falarem mais alto que suas palavras, acolheu a Humana em um paternal e triste abraço. Em meio aos solavancos enlutados do corpo de Audrey, o Anão ajudou-a a se levantar e, passo a passo, levou-a em direção à cidade, a fim de contar à Patrulheira-Tenente os sombrios acontecimentos que levaram à perda de sua única e tão amada filha.


    ****

    (Narrado por Mikhail Barbarruna)


    A taverna de Tezilla, assim como eu, vira dias melhores; poucos eram os Anões e Anãs a frequentar o estabelecimento naquele inverno, mais rigoroso que o esperado… Rigoroso como naquele dia, naquele tempo, naquele maldito Concílio… E em tudo que veio depois. A garota, cuja altura passava de uns quinze centímetros da minha, parecia miúda em meio à sua dor. Porém, se era questão de confessar, eu não era capaz de ter muita empatia para com ela. Até porque…

    — Você tem culpa nisso. — Falei, sem rodeios, segurando meu copo de cerveja com mais firmeza do que gostaria, com o olhar fixo em Raines.

    — Que?! — Indagou a garota, cuja ofensa parecia estar trazendo-a de volta aos vivos. Ótimo. — Como que eu tenho culpa disso?!

    Seis anos. — Respondi após dar um gole na cerveja, o líquido descendo, pela primeira vez em muito tempo, amargo em minha garganta. — Seis anos desde que vocês se conheceram. Três meses desde que você sumiu do mapa. — A última frase saiu com mais raiva do que eu queria transparecer.

    — “Sumiu do mapa”?! — A garota começou a esbravejar, ultrajada. — Eu não sumi do mapa!

    — Não, não mesmo. — Respondi, ríspido, aproveitando a oportunidade que esperei por anos. — Você voltou para o seu lugar, não é? Para o seu casamento. Para o seu marido.

    — Eu… — A moça arregalou os olhos, seu gaguejar soando como se tivesse levado uma facada nas costas. Quem me dera ter feito isso, de verdade.

    — Sabe, minha filha, que é… Era o raio de luz da minha vida, tinha muita coisa pela frente ainda, entende? — A cerveja desceu insípida pela minha garganta, o que piorava ainda mais o meu sentimento. — Ela também tinha o casamento dela, o marido dela, o amor dela. A família dela. E eu me pergunto, até hoje, o porquê de vocês quererem destruir isso. O que vocês ganhariam com isso?

    — Eu não queria… Nunca quis… Eu não quis destruir nada! — Bradou a moça após finalmente beber da cerveja que paguei. — Foi um acidente… Eu não escolhi isso!

    — Ninguém escolhe nascer como nasce. — Repliquei, austero. — Mas, você escolhe, sim, como agir diante disso. — Minha segunda frase calou a moça, cujos ombros eu vi cair em derrota. — Você já tinha o seu caminho. A sua família. O seu marido. Por que diabos você foi atrás dela? Por que tentou arruinar o casamento da minha filha? Você sabe o quão difícil foi para ela? Nem Humana, nem Anã, sempre no meio do caminho, sempre incerta… Sempre insegura.

    — Sua filha, Bradana, era muito valente… — Moça balbuciou, em um misto de tristeza e doce lembrança do amor que um dia vivera.

    — Valente ela era, e valente ela morreu. — Respondi, bebendo o último gole da minha cerveja.

    — Acho que foi isso o que mais me atraiu nela. A valentia que ela tinha. — Confessou Audrey, com um sorriso triste e um semicerrar de olhos, viajando em suas lembranças — Eu sempre soube que gostava de mulheres desde nova, mas, eu tinha aceitado que nunca poderia estar com uma. Eu tinha feito as pazes com isso, inclusive. — Ela soltou uma risada baixa, leve, ao ser carregada por suas lembranças. — Conheci Szczeisny quando eu era apenas uma Batedora, bem antes da faixa das Irmãs da Jarreteira ser uma realidade para mim. Quando isso era ainda um sonho distante. Eu estava no vilarejo dele, a mando de Sua Majestade, Rainha Eloise, para garantir a segurança dos Norsir.

    — Para reprimir uma rebelião, eu suponho. — Repliquei, totalmente familiarizado com esse discurso. — Todo mundo sabe o que vocês fazem com as suas… “Colônias”.

    — Sim. — Pigarreou a moça, com um sorriso breve de quem percebeu que poderia falar livremente. — O irmão dele, Piotr, foi pego junto a um carregamento de Hidromel. Bebidas são proibidas pela lei Carliana, e todas as… Colônias devem obedecer. — A palavra “colônia” saiu, talvez, com um tom mais debochado do que deveria, dadas as circunstâncias. — O rapazinho teria que ser punido, entenda.

    — E qual era a punição? — Indaguei, curioso, pedindo mais uma rodada para nós dois.

    Açoite. — A Paladina respondeu, de forma quase casual, com uma pontada de tristeza e remorso. — Trinta açoites para contrabando, e mais vinte por ser Hidromel.

    — Por ser a bebida dos Norsir, feita bem antes de vocês chegarem e dizerem que mandam. — Comentei, com um corte rápido no assunto.

    — É. Sim, é certo. — Respondeu a moça, depois de uma pausa, levemente ofendida e começando a sentir os efeitos do álcool em seu corpo. — Mas, imagine que era um rapazinho que, se tivesse oito anos, era muito. E aí, foi quando eu o vi. Szczeisny. Tínhamos dezessete anos, nós dois, e ele estava começando a ter mais carne nos ossos. — Ela mexeu o copo de cerveja delicadamente, em movimento circular, perdida em suas memórias. — Ele se ofereceu para ser açoitado no lugar do irmão, e minha superior aceitou, na época. Eu tive que segurar o irmão dele enquanto minhas superioras o açoitaram e depois queimaram o carregamento todo da bebida doce.

    — Queimaram mesmo? — Arregalei os olhos, surpreso. — Eu achava que vocês…

    — Revendiam o produto? Não. — Replicou Audrey depois de um grande gole. — Nossa Rainha é bem literal com seus decretos. Se não é para ser feito, é para ser destruído, simples assim. Mas, voltando ao açoite… Minha superiora, na verdade, aplicou o triplo da punição para ele, pois meu futuro marido se recusava a gritar ou até mesmo gemer de dor, e isso foi uma humilhação para ela. Ora, uma oficial de Carlin não ser capaz de quebrar o espírito de um Norsir, fazê-lo temer e obedecer? — Um risinho debochado veio da ruiva. — Não, isso não podia…

    — Deixa eu adivinhar: ela duplicou a punição? — Indaguei, nada surpreso em confirmar os rumores sobre a brutalidade carliana em seu trato colonial.

    — Triplicou. Lógico. Malvera Rosaespinho, a Capitã de Patrulha* de Hrodmir, recuar? Jamais. Ela queria ver o olhar do meu futuro marido, tão desafiador, voltado ao chão em submissão. — Replicou Audrey, para meu espanto e nojo. — Cento e cinquenta açoites no total, e ele aguentou bravamente… E desmaiou na última. — Seus olhos marejaram, e eu não soube dizer se eram de tristeza ou nostalgia. — Depois que a comitiva da Malvera saiu, bem, eu esperei um pouco e tirei o Szczeisny e o irmão dele de lá, e o levei até um dos casebres dos seithmadur locais. O resto, bom… É história para outra ocasião. Mas, basta dizer que foi naquele momento que eu me apaixonei por ele, pela bravura e valentia dele. Pela proteção que ele deu ao irmão. E por tudo que veio depois.

    Uma das atendentes da taverna nos entregou nossa refeição: pães, queijos, fatias generosas de carne e mais cerveja. Provavelmente, seria nossa hora de deixar o estabelecimento, algo que eu preferiria momentos atrás, não fosse o fato de me sentir cada vez mais interessado em conhecer a moça que, por tanto tempo, foi parte do coração e da vida de minha finada filha.

    — Entendo… — Murmurei, rasgando um pedaço do pão em meu prato e colocando alguns dos recheios nele. — Como você soube da… Morte da minha filha?

    — Eu estava em uma expedição em Darashia quando… Recebi a carta. — Replicou Audrey, com uma lágrima tímida escorrendo por seu rosto. — Depois de meses sem notícias.



    ****


    Cinco anos antes.

    (Narrado por Bradana Vigiawyrm)



    A marcha apressada de meus irmãos de Irmandade ecoaram pelos salões reservados aos Comedores de Dragões; a trombeta de combate ecoou pelos corredores de pedra, o som emanado do chifre oco do que outrora fora um grande carneiro acelerando nosso passo em direção aos arsenais. Ali, os veteranos Isaac e Asimov atendiam todos os bravos homens e mulheres que estavam escalados para dar suas vidas para a primeira etapa da derrota do Basilisco.

    “Estamos discutindo como matar um deus nessa sala”, foram as palavras de meu destemido pai, o qual eu via, pela primeira vez desde que conseguia me lembrar, com o corpo completamente coberto por sua armadura. Naquele momento, eu não via mais meu gentil pai, cuja risada era capaz de mover seu corpo inteiro, cujo abraço era capaz de curar todas as dores de meu coração ou cujas histórias me levavam ao Reino dos Sonhos de forma rápida e segura, fazendo do meu sono tão tranquilo. Não; ali, eu vi um marceneiro trocar suas ferramentas por armas; ele trocou sua mesa de trabalho por um enorme escudo de bronze escovado, por uma armadura de couro trançado e correntes de mithril. Sua cabeça agora estava protegida por um elmo de mithril e ferro, suas mãos estavam vestidas por uma manopla de escamas de ferro cobreado, e seu martelo e cinzel foram trocados por um machado de batalha pesado e muito afiado.

    Asimov e Dragomira, sua filha, me ajudaram a vestir minha nova armadura: uma peça de couro trançado em tom púrpura e com correntes de ferro negro para meu tronco, calças de couro com caneleiras e joelheiras de mithril, luvas de couro para aguentar a tração das cordas dos arcos, um elmo de ferro negro e mithril para proteger minha cabeça, um broquel com uma adaga oculta e um arco feito de bétula com roldanas, para aumentar a tração das cordas** e uma aljava com dez setas explosivas, dez setas farpadas e cinquenta comuns, com as pontas feitas em diamante maciço e afiado.

    Na medida em que os demais recebiam seus equipamentos e eram atendidos de forma eficiente e diligente pelos responsáveis pelo arsenal, o Imperador Kruzak designava o destacamento de patrulheiros a dedo.

    — Meus Geomantes de maior confiança, Karpov do Rochedo Escuro e Karachev Brilharruna, serão representantes de minha voz e vontade, para que essa missão aconteça como planejado. — A voz do Imperador retumbava pelo salão. — Infelizmente, disseram que estou muito velho para o combate direto, então devo permanecer aqui. — Sua voz traía a decepção, típica de um homem idoso que recusa-se a aceitar o fardo e a bênção de envelhecer. — Com eles, eu quero Isolda Quebraossos, Rauta Cobressangue, Outoja, Morpheus Marteloverde, Sombra, Tura Tezilla, Marcus Mais-Veloz-que-a Morte e… Bradana Vigiawyrm.

    Senti meu coração acelerar e um grande sorriso se formar em meu rosto; eu e meu noivo teríamos, juntos, a chance de provar nosso valor diante do Imperador! Ah, se Audrey pudesse ver isso… Ela ficaria orgulhosa de mim. O novo soar de trombetas, confirmando a decisão do imperador, ecoou pelos corredores de pedra uma vez mais, e nosso destacamento partiu, deixando a segurança das paredes e da alvenaria de Kazordoon rumo em direção aos túneis ao redor da cidade, buscando rastros do Basilisco.

    Dos salões da Irmandade dos Comedores de Dragões, fomos à estação principal dos vagões da cidade, a fim de investigarmos o rastejar mais recente do Basilisco. Um dos condutores, um jovem rapaz loiro de olhos dourados, separou nossa comitiva em duplas e guiou os vagões túnel adentro em direção à área externa à cidade-fortaleza.

    O caminho foi estranhamente silencioso, com exceção dos momentos em que Karpov e Karachev entoavam encantamentos para as pedras e a terra ao nosso redor; nessas ocasiões, era possível ver veios brilhantes em meio à rocha, e podíamos, de forma constante e baixa, o pulsar dos veios, como se fosse o coração do Grande Ancião batendo em uma frequência que apenas Anões conseguem ouvir. Durante as pausas de tal ritual, Karpov e Karachev cochichavam algo entre si e instruíam o condutor a seguir pelo caminho sussurrado pelas pedras.

    Aquela área era estranhamente fria e seca, o que tornava a respiração áspera e difícil; percebi, pela primeira vez em anos, o quão calorosa era Kazordoon, com seus rios e aquedutos de lava fornecendo energia e conforto para todos nós. Entendi, então, o porquê de meu pai não deixar que eu me aventurasse para longe dos muros da cidade e pude encarar a realidade do perigo em que eu estava — ao mesmo tempo que estava exultante com a possibilidade de começar minha lenda enfrentando o Basilisco. Era tudo o que eu queria, talvez fosse meu maior sonho. Eu deveria ter tido mais cuidado com o que eu desejei para mim mesma.

    — Bom… É o máximo que consigo levá-los, senhores e senhoras. — Falou o condutor, com a voz jovem e trêmula — Meu nome é Anatoly, foi um prazer guiá-los. — O rapaz fazia o seu melhor para conter uma leve gagueira, bem como o tremor em suas mãos. — A Irmandade já cuidou de meu pagamento, então, em nome de Kazordoon… Boa sorte. Que o Fogo e a Terra lhes tragam proteção e vitória! Eu… Eu vou voltar, sim?

    O condutor nos deixou no final do trilho que levava ao Navio à Vapor, onde encontramos, assim que nossos pés tocaram a terra, o rastro de escamas e pele ressecada. Naquele momento, olhei para trás, e ouvi o som dos vagões refazendo seu caminho pelos trilhos, e senti meu coração bater mais forte em meu peito; não havia mais volta, pelo menos não naquele instante.

    — Tadinho do rapaz… — Murmurou Isolda, estalando a língua. — Mais nervoso que ratazana em um bueiro, heh…

    — Sim, bem nervoso… — Comentei, com um riso que disfarçava meu nervosismo. Minha atenção logo voltou-se para os dois Geomantes, entretidos em uma aparente discussão.

    Engoli em seco; Karpov abaixou, tocando o solo com suas mãos nuas e calejadas, recitando um encantamento em uma versão tão antiga de nossa língua que eu era incapaz de compreender. Karachev, o outro Geomante, abaixou-se perto de seu colega, usando seu cajado de apoio.

    — Tem certeza disso? — Indagou Karachev, olhando ao redor. — Podem ser escamas de outras criaturas; dizem que há Perfuradores*** por essas partes, talvez…

    E então, a terra tremeu; os olhos verdes de Karpov se arregalaram quando as escamas ressecadas tremularam com seu feitiço, ganhando nova vida e assumindo a forma etérea de uma serpente, a qual lançou-se furiosamente contra o chão aos nossos pés, rompendo, para nosso horror, a camada de terra que nos mantinha firmes e seguros, revelando um vão de escuridão e incerteza logo abaixo. Nossa vozes ecoaram em involuntários gritos de horror, nossos corpos em queda livre rumo ao desconhecido; entretanto, logo fomos amparados pelo chão de pedra lisa, escorregadia e com mais escamas. Ao invés de estarmos em queda livre, estávamos deslizando por um sistema de túneis completamente desconhecido, os quais não haviam sido feitos pelas mãos dos filhos de Durin— mas sim pelo rastejar do corpo do Basilisco.

    AAAAAAAHHHH!!! — Gritaram Morpheus, Tura, Outoja e Sombra, deslizando túnel abaixo sem muito controle.

    — OS ESCUDOS! — Bradou Isolda, jogando seu corpo por cima do bronze escovado, tirando seu braço dos ferrolhos. — USEM OS ESCUDOS!

    E QUEM NÃO TEM ESCUDO?! — Gritei, percebendo o quão pequeno era o broquel.

    — BRADANA! SEGURA MINHA MÃO! — Rauta esticou seu braço o máximo que pôde, tentando me alcançar.

    Karpov e Karachev também deslizavam sem muito controle, tentando, em vão, encostar os cajados no chão para seus encantamentos surtirem algum efeito. Os que possuíam escudos grandes conseguiram, com algum esforço, apoiar seus corpos neles, apenas para deslizarem com maior velocidade rumo às aberturas ao final do túnel, cada um encontrando uma direção diferente.

    — EU NÃO CONSIGO… AAAAAAAAH!!!

    Tentei, bravamente, encontrar as mãos de meu marido, apenas para ouvir a voz de algum dos Geomantes entoar algum feitiço e bater o cajado contra o solo. Infelizmente para mim, o resultado foi eu ser arremessada para longe do destacamento, para um túnel cujo destino parecia ser apenas meu para enfrentar.

    — BRADANA! NÃÃÃÃÃÃÃOOOOO!!! BRADANAAAAAA!!! — A voz de meu noivo soava mais e mais distante, em uma velocidade rápida demais para mim.

    GEOMANTES! VOLTEM! AJUDEM! — Ouvi, ao longe, a voz exasperada de Isolda, até não ouvir mais nada.

    Agora, será você e ele. Boa sorte. — Eu reconheci, para o meu horror, essa voz, antes de tudo ao meu redor ficar escuro e frio.

    Eu estava em um túnel escorregadio, frio e com algum muco recobrindo suas paredes; o final daquele túnel me levou a cair em algo semelhante a um monte de ossos e palhas secas e com sujeira petrificada. Em minha queda, acabei por gritar de dor… E me calei no instante em que percebi ter caído em cima de um cemitério esquecido — e petrificado.

    — Ah, não. — Murmurei o mais baixo que pude, paralisada pelo medo ao perceber as órbitas vazias da caveira centenária de um anão olhando-me no fundo dos meus olhos, como se me convidasse a passar pelo mesmo tormento que ele. — Não, não, não, não, não, não…

    Eu estava diante da consequência do meu maior sonho, do meu desejo prestes a ser atendido; eu estava no covil do Basilisco, não havia dúvidas quanto a isso. Porém, eu não tinha um escudo de bronze escovado comigo, metade das minhas flechas quebraram antes mesmo de eu poder usá-las e eu ainda precisava armar a corda em meu arco.

    Eu estava prestes a enfrentar o Basilisco. Eu estava a um passo da glória.

    Porém, eu estava sozinha.

    Eu estava desorientada.

    Despreparada.

    Sozinha.

    A um passo da minha morte.




    Continua…

    ----

    (*) Capitã da Patrulha: Patente intermediária no oficialato militar do Reino de Carlin.
    (**) Descrição de um Arco Composto moderno adaptado para fantasia.
    (***) Perfuradores: Drillworms.

    -----

    A coisa ficou feia pro lado dos Anões, principalmente da menina Bradana. Infelizmente, sabemos o endgame de Behogár Bradana Vigiawyrm, mas, a pergunta que não quer calar e que é o título do Capítulo: Quem, ou o quê, matou Bradana Vigiawyrm?

    Aguardo os palpites

    Até o próximo capítulo, a Estação está chegando na metade!



    Forte abraço,
    Iridium.

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    Última edição por Iridium; 30-09-2024 às 19:46.

  2. #72
    Avatar de Gabriellk~
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    Outono - capítulo cinco e Inverno - prólogo

    Spoiler: Comentários
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  3. #73
    desespero full Avatar de Iridium
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    Padrão Gheimhridh Deora, Capítulo 3

    Saudações!


    Olha... Nem sei o que dizer. Estou de cara que, não apenas eu retomei essa história, como estou prestes a terminar o arco do Inverno aqui hahahaha

    Estou feliz demais em estar de volta, e mais feliz ainda pela possibilidade de completar essa história! Queria agradecer, novamente, a todos que já comentaram aqui algum dia, e àqueles que voltaram para o fórum para comentar e dar mais uma chance a essa narrativa!

    Bom, antes de mais nada, vamos às Respostas aos Comentários:


    Spoiler: Respostas aos Comentários



    Sem maiores delongas, vamos ao Capítulo de hoje!

    ----

    Spoiler: Bônus Musical


    Capítulo Três — Triste Espelho Meu
    Velejando nos Confins do Mundo, se a Eternidade falhar…



    Tempo presente.

    Longe de Kazordoon, do diálogo e do luto compartilhado entre Audrey e Mikhail, outro sofria do mesmo mal da dupla desafortunada, e quiçá sofresse mais que ambos juntos. Seu luto e sua raiva o levaram a uma jornada diferente, entretanto, afastando-o de sua terra natal e da segurança das montanhas. Sua morada não era mais sob a terra, longe do calor dos sois e do brilho das estrelas; agora, ele estava constantemente exposto ao brilho das estrelas, ainda que isso não mais o fascinasse. O chão ao seus pés não era mais o mesmo, outrora feito de terra e mármore; agora, ele caminhava por tábuas de madeira, em uma superfície que se movia à vontade e ao sabor do vento e das ondas. O Anão trocara sua bigorna e seu martelo por cordas, dobrões, uma bússola e a vida no mar. Entretanto, aquilo tudo tinha uma razão de ser, a qual estava em sua mente, gravada em ferro e lava, há cinco anos, ainda que isso o forçasse a dividir espaço com uma tripulação diversa, contando com humanos… E elfos.

    O homem olhava para a bússola em suas mãos; a direção sudoeste era o que buscavam, e era nela que estavam. Ele guardou o objeto de latão escovado em um bolso interno de seu sobretudo; agora, usava um sobretudo por cima dos trajes, a fim de aguentar as intempéries causadas pelas eternas lágrimas de Bastesh, A Que Chorava nas Profundezas*. Trocou a bússola pelo sextante, a fim de avaliar se ainda estavam em rota. Os cliques do mecanismo eram audíveis apenas para ele, a ponto de que aquela tarefa já lhe era tão natural quanto a forja um dia fora.

    Cobresangue! — A voz retumbante e grave do contramestre ecoou pelo navio, sendo ele, curiosamente, um elfo de pele cor de granito, mais corpulento e musculoso que o esperado para a espécie, olhos da cor e do brilho do mais puro cobalto, cabelos brancos como a neve que começava a cair dos céus, com vestes mais folgadas para facilitar seus movimentos, prezando muito mais pelo conforto e praticidade do que a aparência que sua gente tanto valorizava. — Ajeite as cordas e desça para os canhões! Aqueles cães Thaianos ainda estão ao alcance! Mexa-se!

    O contramestre forçou, com sua voz, o retorno de Rauta Cobresangue à realidade; o Anão rapidamente guardou seu sextante e pôs-se a trabalhar; amarrou as caixas e caixotes aos mastros e nos ganchos de segurança, executando, com rapidez, os melhores nós de marinheiro que poderia. Desceu as escadarias com o máximo de agilidade que dispunha, seus companheiros Humanos passando por ele com a mesma destreza, alguns já com garruchas e espadas em mãos, prontos para um possível combate se os canhões falhassem. O Anão ruivo parou próximo ao primeiro dos canhões daquele navio, logo abaixo do convés, que dispunha de um total de doze peças de artilharia. Ao seu lado, havia um ser ainda mais baixinho e determinado que ele: um Gnomo, que mal deveria ser um adulto para os seus iguais. Seu nome? Gnomaresia, cujos olhos eram da cor da espuma do mar quando encontrava a areia em terra firme, com a pele já bronzeada pelo tempo de serviço no mar, sendo um rapaz bem sardento e muito, muito sorridente.

    — É hoje, né?! — Indagou Gnomaresia, tentando manter o equilíbrio enquanto preparava seu canhão. — É hoje que você se vinga?

    — Não, ainda não. — Replicou Rauta, arrumando sua artilharia com a calma e precisão de alguém já habituado àquele serviço. — Mas, eu estou perto. Muito perto.

    — Você acha mesmo que eles deram abrigo a ele? — Indagou o jovem Gnomo, forrando o canhão com o tecido e a pólvora antes de colocar a munição.

    — Não só deram abrigo, como acreditaram nas mentiras dele. — Replicou Rauta, sentindo o amargor e a fúria acelerando seu coração. — O pior de tudo foi saber que ele estava planejando aquilo a muito tempo, e que minha esposa… Qualquer um teria morrido no lugar dela. Poderia ter sido qualquer outro, mas ela… Ela foi mais valente que todos. Inclusive eu.


    ****

    Cinco anos atrás.

    (Narrado por Bradana)



    Meu coração batia tão forte que ouvia o som ecoando pelas paredes de pedra do túnel desconhecido e abandonado. Arrastei-me para longe da pilha de ossos, horrorizada; eu estava só, e sem a possibilidade de voltar por onde eu havia chegado; aquele túnel era liso demais e, sem as ferramentas certas para escalar, não havia possibilidade nenhuma de galgar as paredes e refazer meu caminho.

    Minha respiração estava pesada, tamanho era meu pavor; o chão estava coberto com pedaços de escamas e peles, ossadas limpas e equipamentos abandonados. Acendi uma tocha, a fim de enxergar meu caminho à frente, e dei de cara com duas entradas para novos túneis. Meu arco ainda estava inteiro e as roldanas, funcionais; eu poderia, assim que precisasse, armar a corda; meu broquel estava arranhado, mas, nada que impedisse seu funcionamento, e a adaga ainda estava dentro dele.

    — Então… Estou no começo da caverna. — Murmurei para mim mesma, tentando acalmar o arfar de meus pulmões. — Estou no começo da caverna…

    Coloquei a tocha no chão por uns instantes, apenas para puxar a adaga e usá-la para fazer um corte na parede da caverna, identificando o caminho para o qual eu poderia retornar, no pior dos possíveis casos. Reposicionei a adaga em sua bainha oculta novamente, e peguei a tocha, parando em frente a um dos túneis. Inspirei lentamente, e o túnel da direita pareceu mais agradável, com pouco ou nenhum odor e nele adentrei, com a esperança de estar certa de minha escolha.

    Minha única companhia, naquele momento, era a água que pingava do topo do túnel, em um ritmo lento e compassado; as paredes eram limosas, iguais à do túnel em que cheguei, mas, essas exibiam mais marcas, mais rugas… O desenho de escamas. Intrigada, aproximei minha mão livre da parede, e pela primeira vez pude ter uma noção do tamanho da fera que espreitava por ali: cada escama media um palmo meu, e deviam ser tão espessas que o desenho de seus padrões ficaram estampados na parede de pedra. Meu coração acelerou de novo; eu estava em perigo e em total desvantagem, mas, ainda assim… Eu estava fascinada. Estava diante de um túnel construído pelo Basilisco, contando apenas com a força de seu corpo e nada mais.

    — É lindo… — Murmurei para mim mesma, encantada com o padrão das escamas, distribuídas como as de uma serpente comum, mas, com pequenos entalhes e curvas que criavam um mosaico em baixo relevo único. Meu comentário ecoou pelo túnel, mas foi respondido pelo silêncio. Fiquei algum tempo ali, parada, esperando por algum som ou sinal de que estaria acompanhada. Para meu alívio aparente, nada. Eu estava só naquela área.

    Respirei fundo e segui túnel adentro, minha mão livre deslizando pelo mosaico de escamas; a tocha iluminava alguns passos à minha frente, sem grandes mudanças no cenário ao meu redor, até o momento em que percebi que havia outra divisão de caminhos: um túnel serpenteando para baixo, e outro indo para cima. A escolha, para mim, era óbvia: o túnel de cima. E assim segui, pé ante pé, contando com nada além da minha tocha… E minha sorte.

    Ssss….

    Meu coração deu um salto, e senti o suor em meus dedos, deixando úmidas as minhas manoplas; encurtei a respiração, paralisada onde estava, com os olhos arregalados. O som não vinha de cima; para o meu pavor, ele vinha de baixo.

    Ssss….

    Lentamente, virei meu corpo em direção ao som, e percebi, para meu horror, que eu estava, sim, sendo seguida. Ele estava longe o suficiente para eu não ver o lendário brilho de seus olhos, mas, eu consegui distinguir o corpo deslizante e gigantesco aproximando-se lentamente de mim. Era ele, o Basilisco, sem sombra de dúvidas. E eu senti meu instinto tomar conta; olhei rapidamente para os lados, e percebi que havia outra abertura à minha esquerda. Apaguei a minha tocha e corri em direção ao túnel, minha armadura fazendo mais barulho do que eu gostaria.

    Sssss!!!! — O sibilar aumentou de altura, para o meu desespero. — Esssspeeereeee…!

    Meu coração batia tão forte que o som ecoava em meus ouvidos; entrei no túnel mais rápido que imaginei, escorregando ao fazer a curva, mas, sem cair; segui em frente, em meio à escuridão, com o silvar cada vez mais alto ecoando túnel adentro.

    Essspeeeereeee… — Escorreguei no meio do meu caminho, caindo em um outro túnel menor, que levava a uma outra sala. — Vooolteee….

    O Basilisco falava; o Basilisco não apenas falava, mas era perfeitamente capaz de se comunicar em minha língua natal. Encurtei minha respiração, esperando a criatura ir embora; o cheiro de seu couro era fortíssimo, com a umidade e o limo das cavernas perfazendo o odor do corpo da criatura, cujo deslizar era audível, tamanho o comprimento do seu corpo.

    Sssss…. — O sibilar parecia cada vez distante, e manter minha respiração baixa estava próximo de algo impossível de ser feito. — Vooolteee aquiiii… Sssssiiintooo seeeeu cheeeiroooo…

    Esperei até não ouvir mais o deslize do corpo do Basilisco e não sentir mais seu cheiro para poder respirar mais profundamente, a ponto de começar a chorar nervosamente. Eu tive sorte, muita, muita sorte. Estivesse ele mais perto, eu teria virado uma estátua de pedra imediatamente, era o que diziam as lendas, ou teria sido devorada sem chances de reagir. Chorei, desamparada, diante da possibilidade de morrer sozinha ali. Eu não tinha um escudo para refletir o olhar da criatura, e o brilho da tocha denunciaria minha posição, bem como minha armadura, da qual eu não poderia me desfazer se eu quisesse ter chance de sobreviver em combate.

    — Pensa, Bradana, pensa! — Resmunguei, tentando engolir o choro teimoso que saía de meus olhos. — Tem que ter um jeito de sair daqui…

    Arregalei meus olhos e acendi minha tocha uma vez mais, arriscando atrair para mim a atenção do grande Basilisco; eu estava em uma sala, aparentemente, com outras ossadas. Dessa vez, no entanto, eu parecia estar em um local inacessível para a criatura, pois meus companheiros não pereceram de veneno ou petrificação; aproximei-me das ossadas, vendo que a forma como morreram, encostados nas paredes, indicava fome ou sede.

    — Aqui ele não chega. — Sussurrei, procurando por alguma provisão ou qualquer coisa que fosse minimamente útil em meio aos corpos. — Bom saber…

    Um dos Anões mortos tinha um escudo de cobre; não era escovado, mas, eu era capaz de ver meu reflexo, ainda que borrado. Esperava que aquilo fosse o suficiente para me proteger do Basilisco, e quem sabe causar sua ruína de uma vez por todas.

    — Com licença, amigo. Fogo e Terra proteja sua alma. — Sussurrei respeitosamente, antes de pegar seu escudo. — Eu darei um uso a esse escudo… E vingarei sua morte, se estiver ao meu alcance.

    Troquei meu broquel pelo escudo, e improvisei uma bainha para minha adaga em meu cinturão; com a tocha ainda em mãos, segui meu caminho depois dos corpos de meus conterrâneos, por meio de um túnel mais estreito, mas pelo qual eu conseguia passar. Mantive a tocha próxima de mim, tentando, de alguma forma, minimizar sua área a fim de me manter o mais oculta possível; naquele momento, quisera eu ser uma toupeira ou um verme carniceiro**, para que a escuridão não fosse um problema. Feliz ou infelizmente, eu dependia de meus olhos tanto quanto meus ouvidos ou meu nariz para me orientar, e não poderia descartar a luz e o calor daquela tocha, ao menos não por enquanto.

    “O Basilisco fala.” Pensei, caminhando lenta e cuidadosamente pelo estreito caminho do túnel, o qual parecia ter sido escavado pelas mãos de Anões, e não pelo corpo da mítica criatura. “Ele fala? Como é possível? Será que…” Um tropeço desviou meus pensamentos, e eu bati com meu ombro contra a parede de pedra, e firmei minha base para não cair e perder a tocha, sentindo meu tornozelo torcer-se um pouco ao recuperar meu equilíbrio. Com grande dificuldade, espremi meus lábios para não fazer som que pudesse ser minha ruína; a tocha caiu no chão e rolou alguns centímetros para longe, e eu pude pegá-la novamente, apenas para perceber que o túnel à minha frente abria-se em uma enorme sala… Com cristais.

    — Essa não… — Murmurei para mim mesma, engolindo em seco. — Os cristais.

    Caso eu estivesse certa, esses cristais agiriam da mesma forma que os de Kazordoon: iluminariam o ambiente mediante a presença de alguém… E de uma canção que o acompanhasse. Novamente, senti o pânico querendo dominar meu corpo e minha mente, com minha respiração acelerando junto às batidas do meu coração. Trêmula, levei a tocha um pouco à frente do meu corpo, a fim de descobrir alguma outra passagem longe dos cristais. Para minha sorte, havia, sim, outro caminho, à direita de onde eu estava, mas parecia mais largo. Provavelmente, feito pelo corpo do Basilisco — e certamente ao seu alcance.

    “Não tenho outra escolha.” Pensei, respirando de forma acelerada, com a mente fervilhando em ideias pouco produtivas. “Se eu passar pelos cristais… Ele ouvirá a canção, e será meu fim. Espero que esse túnel me leve à saída…”. Respirei fundo, tentando me acalmar, e caminhei, rente à parede, em direção ao túnel sem cristais; meu tornozelo doía, e estava inchado dentro de minha bota, e com isso, estava mancando. Péssimo sinal. Meu coração martelava em meu peito, o silêncio daquele túnel sendo o indício que ou eu estava prestes a encontrar minha liberdade, ou eu havia caído na armadilha de um predador muito mais antigo e experiente que eu. E todas as fibras de meu ser rezavam e imploraram para ser a primeira opção, para que eu pudesse viver mais um dia e lutar novamente em outra oportunidade, acompanhada e melhor preparada para tal.

    Passei a tocha perto da parede do novo túnel, as marcas de escamas já aparentando ser mais lisas e pouco perceptíveis; decerto, um túnel mais antigo e talvez pouco utilizado pelo Basilisco, que representaria, talvez, minha chance de escapar. O ambiente era muito silencioso, com nenhuma corrente de vento perceptível. De repente, ouvi o estalar de galhos vindos de meu pé: pisei em algo que não devia, provavelmente. Levei a tocha em direção ao barulho, para constatar, para meu horror, que eu havia pisado no que parecia ser parte de um grande ninho.

    Ssss…. Vocêêêê voooltooou….

    Arregalei meus olhos, sem coragem de voltar meu olhar para trás; a voz ecoou pela aquela área do túnel, e era impossível ser de outro ser que não o Basilisco. Senti minha boca secar, e meu coração bater tão alto que o som ecoava em meus ouvidos, quase impossibilitando escutar a voz sibilante da fera que certamente estava atrás de mim.

    Olheeee pra miiimmm…. Vamossss conversssssssarr…. — A voz sibiliante estava cada vez mais próxima e, dessa vez, eu era perfeitamente capaz de escutar o rastejar de seu corpo.

    Apavorada, apaguei a tocha, sufocando o fogo rapidamente; sequer considerei a possibilidade de testar escudo, tamanho meu pavor; agora, estávamos ambos no escuro e, ainda assim, eu me sentia em completa desvantagem. Afinal, o Basilisco era capaz de enxergar no escuro, mas eu não era.

    — Sssseu nome, criança? — O Basilisco indagou em um tom que eu não sabia diferenciar de deboche ou curiosidade genuína.

    — B-Bradana V-Vigiawyrm. — Respondi, tentando controlar meu pânico. Como eu me recusaria a responder?

    — Belo nome. — Elogiou o Basilisco, para a minha surpresa. — Presunçossso, talvezzzz, massss…. Bonito. — Senti, de repente, algo pegajoso batendo em minha nuca em golpes rápidos, como um chicote, porém, mais macio. Devia ser a língua da criatura. —Sssseu cheiro é… Diferente. — A criatura sibilou depois de um tempo. — É de Anão com… Algo a maisssss.

    — E-eu sou parte Humana. — Respondi, incapaz de mentir para aquele ser, e com muito medo de mover qualquer centímetro de meu corpo em qualquer direção ou com qualquer intensidade mínima. — Meu pai é um Anão e minha mãe era… Humana.

    — Hmmm… — Comentou o Basilisco, com um rápido expirar, fazendo meus cabelos se moverem para frente com o vento provocado, e senti meu corpo todo tremer em um calafrio. — Eu não vou devorar você… Ainda não. — Ouvi outro sibilar, tão próximo que a sensação era de estar prestes a ser devorada pela fera que, de fato, estava se divertindo com a minha agonia e meu medo. Eu era a presa e ele era o caçador, simples assim. — Como chegou aqui, menina?

    — E-eu… Vim em uma missão. — Respondi, mantendo meus olhos fechados, tateando meu corpo lentamente em busca de minha adaga, em uma vã tentativa de me defender, caso chegasse a esse ponto. — E não vim sozinha; mas eu me separei do meu grupo.

    — Vieram me matar? — O Basilisco perguntou em um tom triste e, ousava dizer, desapontado.

    — S-sim. — Engoli em seco, a manopla encontrando o cabo de minha adaga. — A ideia é essa.

    — Por que? — Indagou a criatura, movendo-se lentamente pela sala, o som de suas escamas roendo o chão de pedra, moldando-o com o peso de seu corpo e sua aparente curiosidade.

    — Porque… — Comecei, incerta do discurso que estava prestes a dizer. — Porque o Príncipe Ardabag sumiu… E disseram que você foi o responsável por isso. Nossas ordens são de encontrar o príncipe e… Te matar. — A última frase saiu dolorida de minha garganta.

    — Mas… O Príncipe já morreu. — Sibilou a criatura, passando a língua pelo meu ombro e, pela distância e movimento, eu percebi que ele estava à minha frente. — Eu já o encontrei morto.

    — Morto? Como?! — Indaguei, mantendo meus olhos cerrados, chocada com a informação. — Não pode ser…

    — Esssstou trissste… Massss não essstou surpresa… — Replicou o Basilisco, revelando ser fêmea. — Vocêssss sssão muito ingratossss…. — A criatura aproximou seu focinho gelado de meu rosto, e o cheiro de seu couro estava cada vez mais insuportável; ainda assim, estava fazendo o impossível para não abrir meus olhos. — Eu conssstruí esssssse lar para vocêssss…. Eu deixei vocêsssss usssssarem meusssss túneissss… Fazer sssssseu lar nesssasssss montanhassssss…. Eu desssviei osssss riossss de lava… E é assim que querem me agradecer? Tentando… me matar? — Ela tinha um ponto; era muita ingratidão nossa.

    “Estamos discutindo como matar um deus nessa sala”… Foi o que meu pai disse. — Repliquei, a respiração ainda agitada e esforçando-me ao máximo para não abrir meus olhos. — Ele estava certo em dizer isso, não?

    — Não sssssou um deusss. Nem ssssou uma deusssa. — Sibilou o Basilisco em um tom frustrado, talvez exasperado. — Masssss… Se ele entende dessssssa forma, talvezzzzz ssssseja alguém maisssss grato por tudo que eu dei a vocêssssss, filhos de Durin.

    — Sim…. — Repliquei, engolindo em seco. — Na verdade, a primeira sugestão dele foi selar os túneis seus que levassem à cidade, para evitar acidentes ali. — Respirei fundo, e senti o focinho do Basilisco bater contra meu peito, como se quisesse brincar comigo ao invés de me agredir, mas, acabei caindo no chão com o impacto.

    — Dessssculpe. — Replicou a criatura, em um tom perigosamente brincalhão. — Massss…. Eu sssssei que você quer me perguntar algo. Ssssó vou ressssponder se você olhar para mim.

    Seria esse meu fim, então? Virar pedra ou ser devorada pela senhora sob a montanha? Talvez a petrificação fosse mais rápida e indolor do que ser devorada, e eu preferiria isso; talvez cantassem canções sobre mim, sobre a minha tentativa, por mais falha que tivesse sido, de matar o Basilisco, que descobri ser “a” Basilisco. Ou Basilisca? Será que isso era importante? Respirei fundo e abri meus olhos, encontrando, na escuridão, os olhos dela. As órbitas eram amareladas, e as íris eram de um tom âmbar belíssimo, brilhando em meio às sombras que nos cercavam. Entretanto, não senti nada, muito pelo contrário: eu ainda era capaz de mover meu corpo, e respirava normalmente.

    — Mas…? Eu não…? — Balbuciei, intrigada.

    Virar pedra é uma essssscolha minha. —Respondeu a Basilisco, entretida com o meu pavor. — Não quero que você vire pedra ainda, e responderei o que você perguntar.

    — Você disse que o Príncipe está morto e que você o encontrou. — Comentei, trêmula. — Onde… Onde ele está? E… Sabe dizer… Como ele morreu?

    — Eu o encontrei no túnel de cima… Onde eu te encontrei da primeira vezzzzzzz. — Sibilou a grande serpente, olhando fixamente para mim. — Ele já estava morto. Ele foi morto por alguém. Alguém que não quer que a linhagem de Kruzzzzzzzak continue…

    Meus olhos se arregalaram com essa informação; então, a missão toda era fútil se o Príncipe já estava morto! Continuei a encarar a Basilisco, meus olhos acostumando-se à escuridão, e pude notar, pela primeira vez, a coloração de suas escamas, ao menos de sua face: eram de um degradê de índigo e verde-musgo, com os entalhes em âmbar. Belíssima. E era perigosa, também. Muito perigosa. Eu estava à mercê da generosidade dela, e ela sabia disso.

    — Eu te levo até ele. — Sibilou a serpente, afastando-se um pouco. — Você, até agora, falou a verdade. Merece, então, que eu te mosssstre a verdade.

    Assenti, e a serpente fez um movimento de mergulho com a cabeça, levantando-me com seu enorme focinho e posicionando meu corpo no topo de seu crânio sem esforço algum; ela rastejou mais próxima ao chão, a fim de não me esmagar contra o teto de seus túneis, e eu me segurei às escamas, incrédula. A Basilisco deslizou pelos túneis, passando por outros caminhos; em um deles, havia fileiras de cristais, os quais começaram a brilhar e cantar com a nossa presença, iluminando o caminho com luzes tímidas e em tons diversos, e foi nesse momento que pude realmente observar o corpo da grandiosa serpente, dando-me conta que estava montada em uma criatura com pelo menos trinta metros de comprimento.

    — Ssssssim, eu esssstava ao ssssseu redor. — A Basilisco sibilou calmamente, como se pudesse ler minha mente. — Eu poderia ter te essssssmagado, independente da essssscuridão. Eu não te matei porque não quissssssss. E ainda não quero.

    — Q-que bom… — Gaguejei, estranhamente aliviada.

    — Você é uma boa menina. — Elogiou a serpente, descendo um pouco mais pelos túneis, em direção a uma área extremamente aberta e com o teto altíssimo, parecendo, estranhamente, um salão de Anões. — Ssssendo uma boa menina… Talvezzzzz consssssiga me explicar o por quê dessssa traição.

    A serpente me depositou no meio da sala, próximo a algo que parecia um trono; para meu horror, havia um jovem Anão sentado nele, com a pele pálida e em decomposição — certamente, estava morto a semanas, talvez meses. Seus cabelos eram castanhos com mechas ruivas, já acinzentados pela falta de vida de seu corpo, outrora forte. Os traços de seu rosto eram inconfundíveis: aquele era Ardabag, filho do Imperador Kruzak. E ele estava morto, e o pior: ele foi assassinado, pois seu pescoço estava com marcas de estrangulamento e, a julgar pelo ângulo estranho em que repousava sua cabeça, seu pescoço fora quebrado ao ponto de quase ser decapitado.

    — Ele foi morto… De forma extremamente violenta. — Falei, aproximando-me do corpo. — E eu… Eu não… O que eu faço agora?!

    — Você descobre quem matou ele. — Replicou a serpente, em um tom triste. — Quem matou ele, matou meussssss filhossssss também.
    — O quê?! — Indaguei, virando-me de volta para a serpente. — Então você…

    — O ninho. — Ela respondeu, sua cabeça próxima de mim. — Você deve ter visto. Meus filhos… Ou o que sobrou deles.

    — Eu… — Engoli em seco, triste por ela. — Sinto muito. De verdade.

    — Lamente pela pesssoa que osss matou; para esssa não haverá perdão. E você vai me ajudar.

    — Como?! — Indaguei, movida pela determinação da Basilisco.

    — Você vai voltar para Kazzzzordoon. — A serpente começou a desenhar seu plano. — Todos terão a prova de que você me matou, e vão te tratar como heroína, certo?

    — S-sim, eu acho que sim, mas… Vão desconfiar, não? Digo… — Gaguejei, estupefata. — Olhe para você e olhe para mim, digo…

    — Sssss! — Ela ergueu seu corpo, e pela primeira vez pude notar o quão mais assustadora ela era quando ereta. — Eu vou te ajudar; você vai levar conssssigo minhasss escamassss e meu ssssssangue. Eu vi a ssssua adaga; não sssse preocupe, minha pele ssssse recupera rápido, e, desssse jeito… Você vai atrair a atenção de quem cometeu esssses crimesssss. E vai fazzzzer esssssa pesssoa pagar.

    — Mas… E você? — Indaguei, preocupada. — Para onde vai?

    — Para um túnel que nenhum de vocêsssss conhecem. — Respondeu a serpente, aproximando sua cabeça de mim novamente. — Quando chegar a hora, e ela vai chegar… Eu esssstarei com você, Bradana. E vamosss vingar as mortessss dessssses inocentessss: ossss meussss filhosssss… E o Príncipe. O que me diz?

    Engoli em seco; será que eu estava sonhando? Eu não apenas sobrevivi à Basilisco, como também estava diante da possibilidade de me aliar com ela; por muito tempo, pensei que afugentá-la, caçá-la ou até mesmo matá-la traria para mim a glória eterna entre os meus. Entretanto, o Príncipe estava morto e, sem ele, a missão original não fazia sentido. A bem da verdade, eu estava muito mais fascinada e impressionada com o poder da grande serpente à minha frente: apesar de ela ter humildemente negado, a Basilisco era, sim, uma deusa aos meus olhos, e nós devíamos a ela o lar que tínhamos em Kazordoon. E eu estava diante da possibilidade de pagar parte de nossa eterna dívida para ela, e isso… Isso fez meus olhos brilharem diante do novo propósito que ganhei naquele instante. E se eu fosse mais que uma Comedora de Dragões? E se eu fosse… A Canção da Basilisco?

    — Eu digo que sim, Basilisco. — Repliquei, confiante, com a minha adaga em mãos. — Eu te ajudarei; vou desmascarar o assassino, e farei com que o Imperador entenda a sua real importância e tudo que você tem feito por nós. Eu prometo: justiça será feita em seu nome, ou eu morrerei tentando.
    Ela aproximou o focinho de meu corpo novamente, com um toque mais delicado, como se estivesse feliz com a minha resposta.

    — Obrigada, doce menina. — Sibilou a serpente, fazendo um carinho em mim. — Eu vou te ajudar a levar o rapaz para cima, para um dos túneis.

    — Vamos com cuidado, então. — Falei, aflita. — Como eu tinha dito antes, eu não vim sozinha… Não sei se eles…

    — Eles não vão me encontrar. — Replicou a serpente, amparando o corpo sem vida de Ardabag da mesma forma que fizera comigo momentos antes. — Os túneis que pegaram eram os que eu usava quando pequenina. Já devem ter voltado para a segurança dos seus muros a essa altura. Agora, venha fazer sua parte do acordo. — Ela olhou para mim com um brilho diferente em seus olhos, e tive receio de ser petrificada de fato. — Faça bom uso dessa lâmina, e eu farei com que pareça que eu e você… Lutamos.


    ****


    Com muito esforço, eu consegui chegar em Kazordoon; meu corpo ainda sangrava, a ferida em meu braço ainda aberta; meus cabelos estavam bagunçados com uma mistura desagradável de terra e sangue, e eu carregava as escamas da Basilisco como um sombrio e macabro troféu; quando cheguei na entrada da cidade, estava assistindo o que parecia ser meu funeral, feito de forma representativa por não terem encontrado meu corpo. Quando Kawill, o Grande Geomante e sacerdote me viu surgir em meio à multidão, um grito de surpresa e alegria logo foi substituído por um urro de horror e desespero ao ver que eu trazia comigo não apenas provas da morte do Basilisco, como também a inexorável e inegável verdade de que a linhagem masculina de Kruzak havia chegado ao fim.

    Meu pai e meu noivo me receberam como heroina, e o funeral que era para mim tornou-se a cerimônia de despedida de Ardabag Carvalhoscudo***, filho de Kruzak Barbapoeira****, neto de Gramlok Barbaprata*****. As escamas do Basilisco foram o atestado de minha coragem, cujo combate pediram que eu contasse e contasse à exaustão. Asimov tratou minhas feridas, e eu fui ovacionada por todos, incluindo o Imperador enlutado que, diante da prova inegável de minha coragem e valor, deu-me o título concedido a poucos, por mérito e serviço máximo de proteção a Kazordoon: Behogár, ou Grande Protetora, em nossa língua natal. Inclusive, o Imperador fez questão de consagrar meu casamento com Rauta, tendo sido diretamente responsável pelo enlaçar de nossas mãos e toda a ritualística digna de casamentos da nobreza de Kazordoon.

    Agora, eu era Behogár Bradana Vigiawyrm… E o assassino do príncipe estava à solta. Mal sabia eu que, quase cinco anos depois, eu o encontraria em um derradeiro e fatal combate…


    Continua…

    ----

    (*) Bastesh, A Que Chora nas Profundezas: Deusa dos Oceanos, a qual chora em meio a feridas que nunca cicatrizaram. Suas lágrimas deram origem a todos os mares e corpos de água salgada de Tibia.

    (**) Verme Carniceiro: Rotworm ou Carrion Worm, a tradução aplica-se para ambos.

    (***) Ardabag Oakenshield, em homenagem a Thorin Oakenshield de O Hobbit.

    (****) Kruzak Barbapoeira: tradução do sobrenome de Kruzak Dustbeard, o atual Imperador de Kazordoon.

    (*****) Gramlok Barbaprata: Gramlok Silverbeard, canonicamente o primeiro Imperador de Kazordoon e pai de Kruzak Dustbeard.

    ----

    E O ENCONTRO COM A BASILISCO FINALMENTE ACONTECEU!!! E AÍ, O QUE ACHARAM????

    E QUEM É QUE MATOU O PRÍNCIPE??? E AS CRIAS DA BASILISCO????

    Aguardo vocês no próximo!!!



    Forte abraço!

  4. #74
    Avatar de Gabriellk~
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    Inverno - Capítulo 1

    Decidi que a partir de agora comentarei um capítulo por vez, por motivos de: eles estão ficando maiores (o que, no ritmo que segue a história, é uma boa coisa!), e também estou quase alcançando o seu ritmo de postagem.

    Enfim, primeiro capítulo excelente.

    Como já mencionei para você anteriormente, a prosa está sensacional neste capítulo - em particular, na cena introdutória, onde vemos Audrey subindo a montanha. As descrições naquela cena em particular, mas também ao longo do capítulo, estão muito boas de se ler. Deu para ver a paixão contida por trás de cada palavra. Não vou fazer muitos comentários em relação à cena em si, um, para evitar dar possíveis spoilers para leitores que possam ler o comentário antes do capítulo (parece burrice, mas eu mesmo fazia isso muitas vezes, não conseguia me conter, lol), mas também porque para mim aquilo pode dar em qualquer lugar. O caminho da história agora até aquele momento parece muito nebuloso; nunca se sabe o que pode acontecer, ou se aquilo é verdade mesmo.

    Falemos de anões! Eu acho muito bonito a forma como tanto Mikhail quanto Rauta buscam fazer com que Bradana se sinta perfeitamente à vontade e em casa em meio aos anões. Fiquei surpreso (mais uma vez) com a atitude da Bradana neste cap em relação ao Rauta. Pelo jeito, ela tem sim sentimentos pelo anão! O prólogo me havia levado a pensar que ela nutria exatamente zero feelings a respeito dele . Ainda assim, pequenos detalhes ao longo do cap me fizeram suspeitar de que o coração dela não está 100% nessa. A conversa sobre "gerar filhos anões", principalmente, me leva a crer que a veia utilitária talvez ainda seja mesmo o que a está compelindo principalmente.

    Tem também um pouco de humano ruim, raça X boa (no caso, anões) nesta história, e particularmente, na visão de mundo da Bradana, eu creio. É um trope que pode ser enfadonho quando não é bem executado, porque existem tantas histórias com esse elemento por aí. No caso de Behogár Bradana, isso parece vir de experiências ruins que Bradana teve quando em contato com humanos. Resta ver se ela seria capaz de se abrir novamente para experiências no mundo afora (e principalmente, com humanos).

    Gostei do Kruzak. O Concílio e o plano de Mikhail também foram legais. Acho interessante a questão de lidar com uma criatura lendária que ninguém sabe exatamente o que faz, ou cujos poderes tem uma extensão desconhecida. Eu tenho a sensação de que o plano dos escudos não vai dar certo kkk. Só senti falta de um pouco mais de politicagem anã! (Isso pode parecer meio estranho de se falar, mas eu gosto de politicagens em histórias ). Mas entendo a decisão de ter narrado o Concílio já em seu final, para agilizar a história.

    Enfim, um ótimo primeiro capítulo de estação. Creio que sua escrita tenha evoluído ainda mais em relação a quando começou esta história, há alguns anos, e eu fico muito feliz em poder acompanhar mais uma narrativa sua sendo concluída. Um grande privilégio.

    Gabriel
    “The big questions are really the only ones worth considering, and colossal nerve has always been a prerequisite for such consideration”.
    - Alfred W. Crosby

    Gosta de fics tibianas? Leia a minha aqui!

  5. #75
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    Padrão Gheimhridh Deora, Capítulo 4

    Saudações!

    Com o período de estiagem finalmente acabando em Brasília, chega o momento de nos despedirmos do arco de Inverno; mantendo a tradição dos demais arcos, esse é o penúltimo capítulo da Estação, e devo dizer que eu finalmente o escrevi da forma que gostaria! Para aqueles que estão em dúvida sobre alguns plots que ainda não foram finalizados, não se preocupem: o Arco da Primavera, que será o último, está destinado ao encerramento desses e outros plots hahahaha

    Agora, vamos aos Comentários:


    Spoiler: Respostas aos Comentários



    Sem maiores delongas, o Capítulo de hoje!

    ----

    Spoiler: Bônus Musical


    Capítulo Quatro — Coração Partido
    Quantos sonhos morreram por vocês, eu me pergunto?


    Tempo presente.



    Audrey e Mikhail se separaram após um tempo naquela taverna; Tezilla, já marcada pela passagem do tempo e anos de trabalho duro, observou a interação com tristeza, a nostalgia tomando conta do olhar e das ações da velha Anã. A moça ruiva aproximou-se dela, com a sua parte para pagamento.

    — Obrigada, criança. — Aceitou Tezilla, visivelmente cansada e triste.

    — Ela era querida por muitos, não é? — Comentou Audrey em um tom de lamento.

    — Ela era, sim… — Tezilla estava novamente perdida em suas memórias, com um sorriso triste enquanto contava as moedas. — Eu a vi crescer; Eleanor, a mãe dela, era minha amiga. Não foi fácil para ela viver entre nós, mas, depois que chegou Bradana… Ela estava em casa, sabe?

    — Como era a mãe dela? — Indagou a Paladina, curiosa, animando-se um pouco.

    — Ela era uma moça cheinha, com muitas sardas e bastante volume no cabelo! — Respondeu Tezilla com um riso triste e saudoso. — Ela sempre vinha para cá conversar comigo, às vezes ela trabalhava aqui na Taverna. Os doces que eu ainda sirvo são receitas dela, que foram passadas pela avó dela.

    — Ela era de uma família de padeiros, então? — Indagou Audrey, surpresa com a humildade da origem humana de Bradana.

    — Sim, eles tinham o próprio negócio em Porto Norte, foi o que ela me disse anos atrás… — Tezilla comentou em meio à distração de seus pensamentos, guardando suas louças embaixo do balcão. — E eles cortaram todo o contato com ela depois que ela veio morar em Kazordoon. Ela tinha um casamento arranjado, sabe? Mikhail salvou Eleanor… Uma pena que a febre a levou tão cedo.

    — Sinto muito. — Lamentou Audrey, compadecida.

    — Ah, não lamente… — Replicou Tezilla com um sorriso triste. — Mãe e filha estão juntas novamente; agora, elas esperarão pelo fim dos dias de Mikhail, para os três voltarem ao fogo e à terra. E ela deve estar muito orgulhosa de tudo que viu a filha conquistar em tão pouco tempo… Behogár de nossa gente, e foi sua Escudeira e nossa representante nesses últimos anos, não?

    — Foi, foi. — Respondeu a ruiva, com um sorriso triste e saudoso. — E foram anos de expedições maravilhosas…

    — Nem todos gostavam deles. — Tezilla comentou, encerrando seu dia no bar, fitando Audrey com um olhar mais sério. — Achei curioso você perguntar se Bradana era querida por muitos, e não por todos.

    — Eu tenho para mim que ela foi assassinada. — Para a surpresa de Tezilla, Audrey expôs seu ponto sem rodeios. — E estou tentando descobrir quem foi.

    — Bom… Você já começou alguns meses atrasada. — Respondeu a taberneira, trancando os balcões. — Mikhail já tentou sozinho, mas, sem sucesso.

    — E o marido dela? — Indagou a Thaiana, franzindo levemente o cenho. — Ele não tentou? Não foi atrás de nada? Ninguém? Nenhuma pista?!

    — De todos os lugares do mundo, esse era o único em que eu não esperava reencontrar você.

    Audrey Raines virou rapidamente para trás, encarando o dono da voz; um Anão forte, ruivo, com a pele bronzeada e sardenta pelo tempo nos mares. Trajava um grosso sobretudo e carregava consigo uma garrucha e um sabre. Seus cabelos ruivos estavam raspados nas laterais, e o restante do volumoso cabelo estava atado em uma longa trança. Seu corpo tinha tatuagens e cicatrizes, algumas de sua antiga profissão, outras originárias de sua nova ocupação. Entretanto, seu olhar para Audrey era o mesmo que Mikhail lhe dera horas antes: desaprovação e descontentamento.

    — Rauta?! — Audrey arregalou os olhos, estupefata. — É você mesmo?

    — Sim e não. — Replicou o Anão, dando de ombros. —Eu mudei bastante desde a última vez que nos vimos, Raines. Se você está aqui, eu suponho que descobriu o que aconteceu, então. — Seu tom era pesaroso e um tanto amargo.

    — Sim. — Os ombros da moça caíram com o peso da realidade uma vez mais. — Eu estava em Darashia quando soube… E vim o mais depressa que pude.

    — Ótimo. — Respondeu Rauta em um tom seco. — Você vai ser de alguma ajuda.

    — “Alguma” ajuda? — Devolveu Audrey em um tom ofendido.

    — Nem ouse se sentir ofendida. Nem ouse. — O Anão replicou de forma ríspida e quase cruel. — Primeiro de tudo, vocês eram amantes; por mais feliz que eu tenha ficado em desposar Bradana, e por mais felizes que tenhamos sido. — Ele se aproximou de Audrey, cerrando os punhos, mas sem extrapolar. — E sim, nós fomos felizes por muito tempo, não foi fácil para mim lidar com o fato de que havia algo estranho no meu casamento. Bradana não queria apenas livrar-se do preconceito de uma vida como mestiça: ela queria apagar o amor que sentia por você!

    —Eu… — Audrey recuou, abatida.

    — Aquele convívio, aqueles anos todos de convívio que vocês tiveram enquanto ela foi sua Escudeira… — A voz de Rauta fervilhava de ódio, e o Anão estava usando todo o autocontrole que tinha para não agredir a mulher à sua frente. — O pior de tudo foi saber que seu marido sabia. E que ele estava, de alguma forma, que não consigo entender, de acordo.

    — Não envolva Szczeisny nisso! — A paladina elevou a voz e recuperou a postura, enfurecida. — Seu problema é comigo e com sua ex-esposa!

    — Esposa! — Bradou o Anão, pronto para partir para cima de Audrey. — Bradana ainda é minha esposa, mesmo morta! E sua morte também não anulou o fato de ser mãe dos meus filhos! Minha família está quebrada, e você acha que tem direito de querer proteger a sua?!

    — Certo, certo! — Audrey ergueu os braços, exasperada e furiosa. — A sua dor é maior! A dor de Mikhail é maior, eu já entendi isso! Sim, fomos amantes! Mas, isso é passado! Não tem como mudar ou desfazer nada, então ou você parte pra cima de mim e resolvemos nossas diferenças em combate, ou faça que nem eu: engula o luto e diga em que posso ser de “alguma” ajuda.

    Naquele momento, Rauta recuou diante da ferocidade de Audrey Raines; ela decidira responder em igual medida à provocação do viúvo, que engoliu em seco e fechou o semblante novamente.

    — Bom — Começou Rauta, recompondo-se —, eu me tornei um corsário, depois da morte dela. Eu precisei fazer isso. Eu precisava que ele acreditasse que eu estava morto.

    — O assassino de Bradana? — Indagou Audrey. — Então, você sabe quem é?

    — Sim, eu sei. — Respondeu o Anão, com os olhos ardendo em determinação. — E ele está de volta à cidade, mas, dessa vez, temos a vantagem: ele está louco, sozinho e isolado. É a oportunidade perfeita de fazermos com que ele pague.

    — Qual o plano? — Indagou Audrey, inteiramente entregue à ideia de vingar o assassinato de sua amada.

    — Seu marido veio? — Indagou Rauta, a mente fervilhando em ideias. — Meu sogro já não é mais o guerreiro que foi anos atrás, e deixei as crianças com ele, por garantia.

    — Szczeisny não veio junto comigo — Replicou Audrey, para o que Rauta ergueu uma de suas sobrancelhas. —, ele pegou outra rota, junto aos Gnomos. Disse que queria estudar mais sobre as Canções dos Cristais* e que me encontraria em Kazordoon assim que possível.


    ****

    Três meses antes.

    (Narrado por Bradana Vigiawyrm)



    O Navio a Vapor seguia seu ritmo, sendo as estrelas nossos guias, brilhando de forma imponente no céu noturno. Minha pele estava mais bronzeada e sardenta, e havia algumas cicatrizes em meu corpo, como se imitasse uma tigresa que não teve tempo de pintar de preto suas listras; eu estava mais forte, com mais músculos do que quando era jovem, e, para a surpresa de todos, minha barba começou a crescer timidamente em meu rosto: só era possível notá-la se tocasse meu rosto, e decidi deixá-la crescer a fim de ver como ficaria dali alguns anos. Meus cabelos ficaram ainda maiores, cacheados e mais selvagens, e eu me sentia forte e bonita como nunca antes.Acho que tudo isso deveu-se às minhas expedições após os eventos da Basilisco e à maternidade.

    Depois de ter sido aclamada como Behogár, obtive do Imperador a permissão para atuar na superfície em seu nome e assim fiz, explorando o mundo lado a lado com meu marido, após conseguir um cargo como Escudeira… Por intervenção de Audrey Raines. Isso é história para outro momento, entretanto, mas, sim, eu me tornei mãe nesse meio tempo.

    O leve balanço do mar, o qual a meses nos levava de Cormaya até Kazordoon, fez dormir meus dois filhos: Perttu e Kimmo. Perttu, o mais velho, tinha três anos e parecia muito com o avô Mikhail, com os mesmos olhos azuis e personalidade alegre e forte; era ruivo como seu pai, em um tom acobreado mais aberto que o meu, e seu cabelo era um misto entre as texturas minhas e de Rauta. Ele era, também, um mocinho robusto e com um grande apetite, e meu companheirinho de todas as aventuras. Certamente, cresceria para ser um grande explorador, e nunca teve problemas com a nossa rotina itinerante.

    Kimmo, meu caçulinha que eu finalmente consegui desmamar, tinha um ano e três meses, e tinha o rosto do pai, os olhos cor de cobre e os aneis dos meus cabelos, incluindo o mesmo tom acobreado que eu tinha. Era mais sardento e também um pouco tímido perto de estranhos. Entretanto, por estarmos a tanto tempo no mar, ele já havia se acostumado com os tripulantes da embarcação, frequentemente cambaleando em direção a qualquer um deles e estendendo suas mãozinhas gorduchas em busca de atenção ou colo, retribuindo o afeto com beijos desajeitados ou gritinhos agudos de alegria e empolgação, típicas de um serzinho que está descobrindo o mundo ao seu redor sem nenhum julgamento ou malícia.

    — Amor — A voz de meu marido surgiu no ambiente, atrás de mim, sussurrando para que nossos filhos não acordassem. — O capitão avisou que nós estaremos em Kazordoon em sete horas.

    — Ótimo! — Retribui o recado com um selinho, sorrindo para meu marido. — Em breve, nossos pequenos conhecerão o avô… E eu descobrirei o que o Imperador quer comigo.

    — O que dizia a carta, meu anjo? — Indagou Rauta, sentando na cama para tirar as botas e preparar-se para dormir.

    “Cara Behogár Bradana Vigiawyrm, retorne a Kazordoon o quanto antes; preciso tratar de um assunto urgente com você, e apenas você.” — Recitei, imitando o mesmo ritual de meu marido. — Apenas isso. Não faço ideia do que poderia ser, mas, deve ser algo muito grave para ele não querer expressar em tinta e papel.

    — Bom…. Amanhã você descobrirá. — Afirmou meu marido, encostando suas costas na parede de nossa cabine, dando-me espaço para deitar-me junto com ele. O ruivo envolveu-me com seus braços e, com minhas costas pressionadas contra seu peito, adormeci aquele que seria meu último sono tranquilo.



    *****

    Assim que os sois despontaram no horizonte, cuja luz nos alcançava em um filete distorcido pelas ondas, entramos na caverna que levava ao porto sob a montanha, onde atracamos em Kazordoon sem grandes dificuldades. Depois de meia década, eu estava novamente em casa, e meu pai, já com a barba mais grisalha que negra, abriu os braços e o semblante em uma grande e gostosa gargalhada.

    — Vovô!!!! — Gritaram os meninos, correndo em direção ao abraço que me acolhera tantas vezes.

    — Meus menininhos! —Exclamou meu pai, exultante. — Oh, como estão grandes! — Falou, erguendo os dois do chão, as perninhas de meus filhos balançando alegremente no ar. Ele depositou gentilmente os netos no chão e abriu seus braços novamente, dessa vez para nos cumprimentar. — Meu raio de sol, venha aqui dar um abraço no seu velho!

    — Sua bênção, paizinho? — Indaguei, retribuindo o forte abraço de Mikhail Barbarruna.

    — Durin te abençoe, meu amor! — Abençoou meu pai, beijando minha testa. — Rauta! Venha cá rapaz! —Os dois se cumprimentaram com um bater de mãos e um abraço breve e forte, típico das amizades entre homens. — Tá magro hein?! No barco não tinha comida não?!

    — Ha,ha,ha,ha,ha! — Riu meu marido, feliz em rever o sogro. — Tinha, mas eles deram um nome engraçado: ração.

    — HA, HA, HA, HA, HA! Boa, meu rapaz! — Era impressionante o quanto meu pai e meu marido se davam bem, como se Rauta Cobresangue sempre fosse da família. Talvez fosse, de fato, destino. — Vamos, vamos! Levarei as coisas de vocês para sua casa e de lá vamos para a taverna, para vocês matarem a saudade da terrinha!

    Assentimos e seguimos meu pai; nós, os adultos, pegamos nossos baús e pertences e caminhamos em direção às fazendas de cogumelos, onde eu e Rauta tínhamos nosso quartel de moradia; era uma casa retangular de dois andares, com as latrinas posicionadas do lado de fora, em direção ao oeste, onde o vento soprava longe, aliviando o cheiro. A cozinha, a mesa comunal e o quarto de hóspedes ficavam no térreo, enquanto o meu quarto e os dos meninos ficavam no andar superior. Tínhamos, no lado oposto às latrinas, um pequeno canteiro onde cultivamos nossa variedade de cogumelos e nossa criação de abelhas, das quais podíamos obter mel para fermentar — por incrível que possa parecer, esse conhecimento foi um presente dado pelo Seithmadur Szczeisny, cujo povo era conhecido por fabricar uma bebida à base de mel fermentado, o Hidromel, o que nos permitia uma renda extra. A pequena forja de Rauta ficava nos fundos da casa, o cadinho nos aquecendo durante o inverno. Ali era nosso santuário, nosso refúgio do mundo externo. Ali era o melhor lugar para se estar, e quem me dera ter tido mais tempo com eles, naquela paz, naquela calmaria… Naquela perfeição.

    Deixamos nossos pertences em casa e seguimos para a taverna; Kimmo ainda estava um pouco manhoso e, pela primeira vez em dias, roçava suas mãos impacientes contra meus seios, com o semblante birrento.

    — Kimmo, meu filho? O que foi?! — Indaguei, intrigada com a súbita desobediência de meu menino caçula. — Ai, ai! Sem arranhar a mamãe! — Ralhei com ele, ajeitando-o em meu colo para amamentá-lo; não era fome o que movia meu caçula, senão uma estranha inquietude. — Pronto, pronto… — Abaixei a parte de minha blusa que cobria meu seio direito e deixei meu filho sugar meu mamilo e acalmar a pequena grande fúria que ali havia.

    — O que ele tem, coração? — Indagou Rauta, preocupado. — Ele não desmamou?

    — Deve ter ficado assustado. — Repliquei, embalando o pequeno Kimmo, que respirava rápido enquanto se concentrava na tarefa de se alimentar de meu corpo. — É a primeira vez dele em Kazordoon, ele estava acostumado a ver o céu e as estrelas diretamente, sem falar que nossos portos subterrâneos são bem diferentes de outras enseadas… — Acariciei as bochechas de meu caçula, que piscava devagarinho seus grandes olhos acobreados,sua mãozinha repousando em meio seio confortavelmente. — Logo ele se acostuma. Ele deve dormir até chegarmos na taverna.

    Dito e feito; Kimmo repousou em meus braços pouco antes de chegarmos ao batente da taverna principal de Kazordoon; Tezilla nos recebeu de forma alegre e calorosa como sempre, e logo nos acomodou em uma de suas melhores mesas e nos preparou um banquete todo especial. Comemos, deixando as crianças explorarem nossas refeições mais tradicionais e, com os cântaros de cerveja, bebemos e compartilhamos histórias: as minhas e de Rauta fora da montanha e as de meu pai sob a cidade-império de Kazordoon.

    Porém, logo tive que deixá-los para atender à convocação do Imperador Kruzak; abracei meus filhos, sem saber que seria pela última vez, beijei meu marido com o máximo carinho — ele foi o amor para a minha vida. E, por fim, abracei meu pai com mais força do que imaginei que faria.

    — Boa sorte, filha! — Falou meu pai, determinado. — Estaremos esperando por você em sua casa; conte tudo que puder, sim? E mande um abraço àquele velho rabugento, ha, ha, ha, ha!

    — Pode deixar, paizinho! — Falei, orgulhosa. — Contarei os segundos para voltar até vocês!

    De fato, eu estava contando os segundos, mas, mal sabia eu que outra pessoa também estava fazendo essa conta por mim.


    ****

    Utilizei um dos vagões suspensos para chegar ao Quartel dos Nobres**, onde o alto escalão de senhores-anões e senhoras-anãs vivia, o que incluía a Casa Imperial e todos a sua progênie; apesar de já ter o título de Behogár a tanto tempo, transitar pelos corredores da elite de minha gente ainda era algo estranho para mim. Era uma área da cidade feita para os abastados, os quais comercializavam seus objetos de interesse com joias e pedras preciosas de muitas cores, assim como frutas exóticas, as quais nunca vi pelos andares inferiores da cidade, nem mesmo aqueles alimentados por portões solares***.

    Meu encantamento sonhador e infantil acabou quando fui abordada pela Guarda Imperial, um total de dez homens e mulheres, a qual gentil e respeitosamente me escoltou para a presença imperial. Uma vez na presença imperial, ajoelhei-me, tocando o solo com a minha testa, e levantando-me uma vez que minha presença foi notada e reconhecida por Kruzak Barbapoeira.

    — Deixe-nos a sós. — Pediu o Imperador, sua voz poderosa ecoando pelo salão de pedra de seu palácio. — Preciso falar com a Behogár.

    Os guardas assentiram, curvaram-se diante do imperador, deram três passos para trás sem dar-lhes as costas e, no quarto passo, viraram-se em perfeita sincronia e saíram pelos portões de entrada. Dois deles ficaram do lado de fora dos portões, montando guarda, enquanto os demais ficaram patrulhando as ruas e corredores do Quartel. Assim que os passos tornaram-se distantes, o Imperador pigarreou, e eu me aproximei dele.

    — A situação é grave, Behogár. Muito, muito grave. — A voz poderosa soava triste, como um cristal rachado que não mais poderia cantar.

    — Qual situação, meu senhor? — Indaguei, preocupada.

    — Como você sabe e se lembra… Ardabag morreu. — Os ombros de Kruzak caíram com o peso de suas palavras, e seu semblante foi tomado por dor e saudade. — Era o último dos meus meninos; o último que poderia tornar-se imperador diretamente. Ele tinha muito tempo de vida pela frente… — O imperador levantou-se de seu trono e começou a caminhar pela sala — E por isso, acabei arranjando casamentos para minhas sete filhas, uma para cada família proeminente da nobreza. Entretanto, a condição para cada casamento era o deserdar de minhas meninas, para que seus descendentes não desafiassem a linhagem contínua pelo trono.

    — Um plano sábio, majestade. — Comentei com um leve tremor em minha voz.

    — De fato, não fosse a morte de meus meninos, um a um. — Replicou Kruzak, caminhando ao meu lado. — Quando os mais velhos eram herdeiros, a maioria de suas irmãs eram meninas, apenas prometidas para se casar. Uma a uma, elas foram desposando seus respectivos maridos. Exceto uma, mais nova que Ardabag: Siobhan Líriolua. Ela já se tornou adulta, mas ainda não oficializei sua união.

    — Qual a proposta, torná-la Imperatriz Reinante? — Deduzi, curiosa.

    — Sim, exatamente. — Concordou Kruzak, feliz com meu raciocínio. — Ela seria a primeira Imperatriz Reinante, e minha linhagem poderia continuar por mais uma geração. E também tenho outro motivo para querer impedir esse casamento.

    — E qual seria? — Indaguei, preocupada, notando o olhar do Imperador assumindo um tom sinistro.

    — A família para qual prometi minha caçula pertence a um nobre que me era de confiança. — Falou Kruzak, pensativo. — Era um dos meus melhores Geomantes, inclusive.

    — E o que aconteceu? — Indaguei, sentindo um calafrio subir pela minha espinha.

    — Ele levantou uma acusação grave contra a estabilidade desse Império. — O Imperador estava com os braços atrás de suas costas, fuzilando-me com o olhar. — Ele levantou sérias acusações contra você. Contra o seu feito, o que lhe rendeu o título de Behogár.

    Arregalei meus olhos; seria possível? Alguém reencontrou a Basilisco? Ou, pior ainda, descobriu meu acordo com ela? Eu não podia acreditar no que estava ouvindo, mas precisava estar segura de cada palavra que estava por proferir durante essa conversa.

    — Como assim? — Indaguei, tentando disfarçar minha apreensão.

    — Você está sendo acusada de duas coisas. — Falou o Imperador, sério e decepcionado. — A primeira é de ter matado meu filho, Ardabag Carvalhoscudo. Afinal de contas, você foi a única pessoa de sua expedição a reaparecer com ele, e a única que foi vista com ele!

    — Imperador, por favor! — Ajoelhei, em tom de súplica, levando minha cabeça ao chão em subserviência e respeito máximos. — Eu juro pela memória de Durin que o Príncipe estava sem vida quando o encontrei, e que o trouxe de volta pra que pudesse ter um funeral digno e ser honrado pelo senhor e por nosso povo!

    — A segunda acusação… — O Imperador continuou, e eu voltei meu olhar para ele, encarando-o com temor pela minha vida.

    Socorro! — Uma voz abafada soou de um dos baús da sala, e constatei, para o meu horror, que era igual a do Imperador Kruzak, que estava à minha frente com um sorriso sinistro — e o brilho de olhos muito verdes.

    — …Você não matou o Basilisco, matou? — O falso imperador falou, com um sorriso cruel, sem mudar sua postura, lançando apenas um olhar de soslaio indiferente. — Fale a verdade.

    — Eu… Você… — Arregalei meus olhos, gaguejando, apenas para engolir em seco e recuperar minha postura. — Você não é o Imperador. — Discretamente, levei minha mão esquerda para dentro de minha capa, a fim de pegar minha besta ou qualquer arma que eu conseguisse alcançar. — Quem é você?! Liberte o Imperador!

    — Quem sou eu? He,he,he,he… — O falso imperador riu, e eu vi, para meu choque e incompreensão, a mudança completa de suas roupas e feições, o brilho terrível daqueles olhos verdes me perseguindo. — Ora, Bradana, você sabe quem sou eu.

    — Você… — Não era possível. Não poderia ser. Não, dentre todas as pessoas possíveis, ele? Por que? Qual o motivo daquela traição?

    — Sua história acaba aqui, Behogár Bradana Vigiawyrm… — Declarou meu adversário. — E a minha começa… Argh!

    Aproveitei sua distração para disparar o virote de minha besta, a qual consegui engatar rapidamente; furioso, meu adversário avançou com seu cajado, tentando furiosamente golpear-me de todas as maneiras. Assustada com a primeira investida, usei minha besta para aparar o golpe, mas ela foi arremessada para longe com o impacto surpreendentemente forte; girei meu corpo e usei minha capa de distração, soltando-a de meu corpo e enrolando-a no rosto de meu adversário, que debateu-se contra o tecido por tempo o suficiente para eu sacar minha espada curta.

    — Maldição! — Bradou meu inimigo, arrancando a capa de seu rosto e batendo o cajado furiosamente contra o chão.

    E então, a terra tremeu aos meus pés; o chão de mármore abriu-se em um estranho portal, e fui sugada para dentro dele, meu adversário pulando em minha direção. Antes do portal se fechar, pude ver a guarda entrando no salão, apenas para o mundo fechar acima da minha cabeça e eu ser arremessada em outro túnel, distante da cidade.

    RAAAARRRGHH!!! — Meu adversário lançou-se com fúria em minha direção, determinado a me acertar com aquele cajado.

    Com um movimento preciso, consegui acertar o flanco de meu inimigo, fazendo-o sangrar; no entanto, a ferida rapidamente fechou assim que ele passou a mão por ela: naquele momento, entendi o que era, de fato, o meu adversário.

    ERA PARA VOCÊ TER MORRIDO AQUELE DIA! — Esbravejou meu oponente, avançando com o cajado uma vez mais; saquei minha adaga, a fim de usá-la como arma defensiva. — VOCÊ NUNCA DEVERIA TER ENCONTRADO O CORPO DELE! VOCÊ ESTRAGOU TODOS OS MEUS PLANOS, MALDITA!

    Consegui estocá-lo com a ponta de minha espada e ele urrou de dor e ódio, mas fiquei vulnerável a um golpe direto, e ele desceu a ponta de seu cajado com tudo em direção à minha cabeça, o impacto da pancada fazendo meu nariz sangrar e me desorientar.

    Urgh… — Gemi, levando minha mão cerrada à cabeça. — Você… Matou…

    — SIM! — Exclamou meu inimigo, batendo-me novamente com o cajado em minhas costelas, com força sobrenatural a ponto de quebrá-las e tirar o ar de meus pulmões. Para o meu horror, ele arrancou a espada de seu abdome e eu vi a ferida cicatrizar como se jamais tivesse existido. — EU MATEI ARDABAG! EU DESCOBRI SEU ARDIL! O BASILISCO ESTÁ SOLTO NA CIDADE, E DESSA VEZ… — Ele ergueu seu cajado no ar, e tentei alcançar alguma de minhas armas antes de tomar outra paulada. — Você não vai me impedir.

    Não…! — Arremessei minha adaga, a qual acertou seu alvo e o fez urrar de dor, mas o golpe derradeiro foi desferido por ele. O cajado encontrou o chão, e dele saíram diversas raízes, as quais se apossaram das minhas pernas, dos meus braços, do meu tronco, do meu rosto, do meu ar…Da minha vida.

    Minha vida começou a passar diante dos meus olhos; eu me debati, tentando arrancar as raízes, mas, era inútil, pois mais e mais delas apinhavam-se contra meu corpo. Então, tudo ficou escuro e frio, o ar em meus pulmões sendo extinto, meu corpo cessando os movimentos, meu coração desacelerando para enfim parar… E o brilho de meus olhos indo embora.

    E assim, acabou minha história. Assassinada covardemente por um dos meus, que agora soltara a Basilisco a fim de aterrorizar e destruir tudo o que eu amava. E eu não poderia impedir. Não mais.

    Acabou para mim. E nunca pude dizer adeus a ninguém que eu amava.

    Mikhail…

    Eleanor…

    Rauta…

    Perttu…

    Kimmo…

    …Audrey.


    Continua…

    ----

    (*): Refere-se aos Singing Crystals, que são parte da missão de acesso às Warzones Clássicas (I,II e III, também conhecida como Bigfoot’s Burden Quest).

    (**): Nobility Quarter de Kazordoon.

    (***) Portões Solares: aberturas na Montanha Grande Ancião cuja a função é permitir a entrada de raios solares no interior da montanha, sendo os fachos direcionados por grandes espelhos para as áreas desejadas. Inspirado nos Portões Solares demonstrados em “Senhor dos Aneis: Aneis de Poder”.

    ----

    É, a Bradana foi de Vasco mesmo, para quem tinha dúvidas ainda... Mas, e agora? Quem matou? Já conseguem deduzir?

    E o que aconteceu nesses cinco anos de ausência da meia-Anã? Para onde ela foi, quantas milhas ela percorreu?

    Aguardo o feedback de todos. O próximo capítulo encerra a Estação de Inverno... E talvez responda algumas de suas perguntas, hehehehe



    Forte abraço e até o próximo,
    Iridium.




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