Spoiler: Resposta


CAPÍTULO 17 – ALL HELL BREAKS LOOSE


Jason e Apocalypse se encaravam longamente, sem que nenhum deles movesse um músculo sequer. A garota era mais bonita do que o garoto gostaria de admitir, e ele sentia certa hesitação em feri-la. Naquele instante, contudo, o ódio que o dominava era maior do que seus eventuais desejos sexuais. Seja quem fosse aquela mulher, Apocalypse a utilizava somente como casca, receptáculo, e nada mais. Provavelmente, o corpo já estava morto há muitos séculos.

Ela segurava em sua mão direita uma caixa de joias muito bonita, toda ornamentada. Seus olhos, vermelhos, eram insolentes.

— É o que você quer? – ela levantou a caixa.

Jason fez que não, sem ao menos saber o que era aquilo.

— Um pedaço do céu – disse ela, como se lesse seus pensamentos. – A criação de Crunor em forma de rocha. Dizem que tocar este item pode lhe trazer a loucura absoluta ou o esclarecimento total. Você se arriscaria?

No instante seguinte, uma terceira pessoa se materializou na sala. Era um homem de meia idade, de cabelos e barbas muito brancos e muito bem aparados. Tinha o porte físico de um atleta que deixara de se exercitar: era forte e vigoroso, mas ligeiramente flácido aqui e ali. A julgar pela expressão, parecia não dormir há muitos dias. Suas armaduras eram iguais às de Apocalypse.

Jason o conhecia muito bem. Zathroth.

— O que está fazendo, filha? – perguntou ele, num tom de voz que pretendia ser descompromissado, mas cheio de significado.

Apocalypse sorriu para ele, sem nem mesmo corar.

— Não existe vergonha em migrar para o lado vencedor, pai.
— Vai entregar dois dos Seis Trabalhos? Pretensioso. Não tem noção do tamanho da repercussão que isso pode causar.

O espadachim não estava entendendo absolutamente nada daquela conversa. Porém, compreendera que Apocalypse era filha de Zathroth, e que havia uma certa tensão entre os dois cuja motivação era ligeiramente difícil de entender. Apocalypse parecia relaxada, mas alerta; Zathroth segurava o cabo da espada embainhada, aparentemente controlado.

Jason decidiu se aproveitar do fato de que as atenções não estavam voltadas para ele e se esgueirou devagar, tentando se aproximar do trono de Apocalypse. Pai e filha mantinham os olhos fixos de um nos dos outros, e não se moviam. Não pareciam dar atenção ao garoto.

— Bazir, o trono de Infernatil, o Livro das Ciências Ocultas – contou Zathroth, rapidamente. – Vai entregar seu selo e o pedaço do céu? Não posso permitir, filha. Perderemos a guerra.
— Você já perdeu essa guerra, pai – Apocalypse recuou meio passo, os olhos semicerrados. – Ele já venceu. Não pode derrotá-lo. Não tem poder para isso.

O cavaleiro estreitou os olhos, atento à conversa, e interrompeu momentaneamente sua empreitada para o trono. Estariam eles falando sobre Crunor? Por que é que Apocalypse dizia que ele já havia vencido a guerra, e que Zathroth não teria poder suficiente para derrotá-lo, seja ele quem fosse?

Antes de qualquer coisa, no entanto, o som de vários passos começou a encher o ambiente. Jason, Apocalypse e Zathroth olharam para a entrada da plataforma onde ficava o trono do demônio, as testas franzidas, analisando a escuridão.

Não demorou para que surgissem John, Melany, Leonard, Heloise e Svan, por algum motivo muito assustados, todos de arma em punho. Jason sentiu um choque violento percorrer-lhe o corpo ao se deparar com Melany, mas não olhou para ela mais de uma vez. Aquela chegada era absolutamente inoportuna; o garoto não gostaria que os amigos estivessem envolvidos em combate, ao menos não naquele combate, que parecia se desenrolar agora quase que exclusivamente entre Zathroth e a filha.

Não houve tempo, apesar, para que Jason consignasse seus protestos. O seleto grupo de cinco amigos começou a disparar flechas e feitiços por todos lado na direção de Zathroth e Apocalypse, que sacaram suas armas e começaram a trabalhar no sentido de repeli-los.

A caixa de joias caiu ao chão e Jason, aproveitando-se da balbúrdia, rolou até ela e a tomou para si. Ninguém pareceu notar; Zathroth combatia Svan e John e Apocalypse batalhava sozinha contra todos os outros.

Jason atirou a caixa para cima e a rachou ao meio com a Espada de Crunor, cortando-a em dois pedaços. A belíssima caixa e a relíquia dentro dela se partiram ao meio, rolando pelo chão e transformando-se em fumaça quase que instantaneamente.

John e Zathroth berraram em uníssono, absolutamente aterrorizados. O combate parou por meio segundo, somente o tempo suficiente para que Jason identificasse o absoluto temor nos olhos do incandescente. Seja lá o que o garoto tivesse feito, provavelmente tinha cometido algum erro.

Apocalypse também aproveitou-se do momento e saltou para trás, escapando de uma flecha de Leonard. No momento seguinte, incompreensivelmente, ela cravou a própria espada no próprio trono, partindo-o ao meio.

Uma sensação mista percorreu a sala. John parou na metade de um ataque, os olhos fixos em Apocalypse, que ameaçava bater em retirada; parecia, de algum modo, aliviado. Zathroth, no entanto, estava totalmente enlouquecido, tentando saltar na direção da filha para fazê-la em pedaços.

— Não deixem que ela escape – ordenou John quando o demônio se esquivou de um golpe de Zathroth e tentou furar o bloqueio na saída da plataforma. – Ela não é imortal, rompeu o selo sem consequências!
— Apocalypse é imortal, seu imbecil – Zathroth acertou um soco em cheio no rosto de John, atirando-o pela plataforma com impressionante força.

O incandescente desapareceu na escuridão. Leonard pensou depressa: sacou uma flecha da aljava que carregava, equipou-a no arco e disparou contra a cabeça de Apocalypse.

O corpo da mulher pendeu para trás por um segundo antes de se endireitar novamente, o projétil bisonhamente cravado em sua testa. Ela puxou o rabo da flecha devagar e a atirou no chão; Leonard piscou duas vezes, surpreso.

— Além de não morrer, é imune à armadilha do demônio? – perguntou, o arco pendendo mole das mãos.
— Fracos e patéticos – disse Apocalypse, mirando um chute no estômago de Svan e atirando-o na direção do corpo desaparecido de John. – Já não me é suficiente a incompetência do meu pai, mas Crunor ainda me prova que o lado dele também não tem nada a oferecer.

O demônio de Zathroth desarmou Heloise com facilidade e acertou Melany no queixo, nocauteando-a instantaneamente. Sem nem mesmo olhar para trás, ela marchou para fora da plataforma, desaparecendo na escuridão.

Não demorou para que John voltasse à claridade dos archotes de mármore, um dos olhos totalmente fechado pelo golpe que sofrera. Svan apareceu mancando atrás dele, parecendo inteiro.

Zathroth olhou para John com desgosto.

— Você não serve para absolutamente nada.
— Talvez não – ele sorriu, os dentes encharcados de sangue. – Mas posso ser o último trabalho. Não ousará.
— Acho que ele pode dividir a coroa.

Apocalypse ressurgiu da escuridão, segurando a espada de Bazir. A mulher marchou obstinada, afastando Heloise com um empurrão, e enfiou a arma no estômago de John, puxando-a para cima no sentido de sua cabeça, abrindo-o quase de baixo acima.

Jason sentiu as pernas amolecerem e a Espada cair de suas mãos. O corpo quase dividido em dois de John tocou o chão tão logo Apocalypse sacou sua arma de volta, os olhos da mulher cheios de esperança fixos em Zathroth, que não esboçou qualquer reação.

Foi como se o ambiente tremeluzisse e se transformasse momentaneamente em algo irreal. Jason ajoelhou ao lado do corpo sem vida de John e Zathroth desapareceu no ar com um movimento breve. Apocalypse virou as costas pela segunda vez e deixou a plataforma.

Svan, Heloise e Leonard se aproximaram devagar, e nenhum deles ousou tocar em Jason ou no corpo de John. O cavaleiro parecia em transe absoluto; seus olhos arregalados não deixavam o ferimento do incandescente, a boca ligeiramente entreaberta, uma sensação avassaladora de culpa e terror tomando conta de sua mente, inebriando seus sentidos, pulsando com seu coração.

Jason se manteve ao lado de John pelo que lhe pareceu um tempo infinito. O incandescente estava morto. O cavaleiro falhara em sua missão de proteger os amigos.

Paralelamente, a plataforma começou a tremer violentamente, como se estivesse prestes a desabar. Algo estava emergindo das profundezas.

— Jason, precisamos ir – o cavaleiro ouviu a voz distante de Leonard Saint, como se dita através de um túnel excepcionalmente longo. – Vamos.
— Não vou deixá-lo – a primeira lágrima escorreu pelos olhos do cavaleiro.
— Então leve-o – o arqueiro o incentivou. – Mas precisamos sair daqui.

Jason não precisou que fosse sugerido novamente. Pouca conta fazendo do sangue que empapava as vestes de John, ele alçou o corpo do incandescente sobre o ombro direito, segurando-o com firmeza e pronto para carregá-lo.

Svan puxou o corpo de Melany, desmaiada, Heloise dando-lhe suporte, e Leonard atento a qualquer movimento de Jason que denotasse que o cavaleiro falharia na missão de carregar John.

Mas Jason manteve-se firme, os olhos fixos na escuridão enquanto atravessavam o caminho que levava do portal até a plataforma de Apocalypse, aparentemente inerte ao trajeto que faziam.

Poucos minutos depois, chegaram até o portal, que por algum motivo se mantinha aberto. Entreolhando-se, os amigos tocaram o portal simultaneamente, desaparecendo da sala do trono de Apocalypse.

*

Jason teve dificuldade para abrir os olhos. Tão logo sentiu o chão sob seu corpo desabado novamente, sentiu também o cheiro de grama aparada e rocha queimada. Os músculos tremiam pelo esforço que fizera de tomar o portal de Apocalypse carregando John consigo, mas deixara a escuridão para trás, e não conseguiu sentir o incandescente em nenhum lugar tateável por perto.

Ele se apoiou no chão com ambas as mãos e tentou se colocar em pé, muito devagar. Foi só então que sentiu o frio enregelante, quase ao mesmo tempo em que suas mãos queimavam, por algum motivo.

Ele abriu os olhos. Encontrava-se em um local totalmente inesperado.

Imensas crateras estavam abertas ao longo de todo o terreno, tudo, absolutamente tudo, coberto de neve. Não havia estrelas no céu escuro, somente uma densa nuvem que não parecia ter a intenção de arredar pé tão cedo.

A Espada de Crunor estava de volta à sua bainha. O cavaleiro ficou de pé, com esforço.

Encontrava-se exatamente no centro de um vilarejo, se é que podia ser assim chamado. Aqui e ali, pequenas cabanas rudimentares tinham sido erigidas, aparentemente feitas de paus e panos ou lonas. Não havia ninguém visível. Sob os pés do garoto, os restos de uma fogueira que, há muito, já havia sido extinta, se acumulavam em pequenas quantidades de cinzas.

O corpo de John não estava em lugar nenhum. Tampouco Leonard, Melany, Svan ou Heloise. Estava sozinho.

Jason marchou devagar até a cabana mais próxima, cuja entrada estava semiaberta. Lá dentro, identificou um homem de cabelos louros e malcuidados e uma mulher de cabelos muito ruivos, pelo ombro.

Ele bateu duas vezes na lona, e o garoto veio até ele.

— Que fazes no frio? – perguntou, a voz estranhamente familiar.
— Eu não…
— Venha, venha para dentro – convidou, analisando os arredores antes de fechar.