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CAPÍTULO 6 – TRAIÇÃO VELADA
— Vamos raciocinar.
Jason, Heloise, Leonard e John estavam cada qual mais branco que o outro. Não só Svan os condenara em um tribunal de exceção, como também era a primeira vez que havia o regime de regência na cidade de Carlin. A Rainha pensou por um instante no fato de que era a primeira vez que um homem ocupava tal posição no seu reino e, francamente, ela nunca se sentira mais incomodada na vida.
— Vou te falar sobre o que vou raciocinar – Leonard torceu a cara numa careta engraçada e colocou a língua para fora. – Tragam esse bunda mole aqui e vou enfiar é uma flecha no rabo dele, sem dó nem piedade.
John deu-lhe um meio sorriso, soltando uma risada anasalada curta. Heloise e Jason trocaram um olhar, tensos.
— Arthur não vai apoiá-lo – disse ela, aparentemente sabedora do que se passava na cabeça do jovem cavaleiro. – Podemos tentar contato com…
— Não – Jason sacudiu a cabeça. – Thais não é parceira de Carlin. Preciso que você pense com clareza, Heloise. Temos alguma outra comarca que tenha relações mais saudáveis do que isso com nossa cidade?
A Rainha pensou por um instante, mas sentiu sua mente cada vez mais anuviada. Por alguma razão, John tirou um elástico do bolso e começou a girá-lo entre os dedos, aparentemente nervoso. E Leonard, de boca entreaberta, fitava o vazio, dando a impressão de estar em outra dimensão.
— Podemos contatar a Sociedade dos Exploradores – disse ela, sem convicção. – Lorik reside aqui, em Svargrond, e eles são bem numerosos.
— Leonard, nos ajude a pensar nisso… - ia dizendo Jason.
Naquele instante, a dona da hospedaria se aproximou com uma tigela com algo muito cheiroso dentro. No instante seguinte, Leonard fez menção de comer, mas parou a meio caminho da tigela ao notar a expressão de Jason.
— Salgadinhos de forno com guacamole – disse a mulher, desaparecendo na sequência.
— Leonard, concentre-se – exigiu Jason, ligeiramente frustrado.
— Eu quero comer guacamole.
O cavaleiro bufou, irritado.
*
Bambi Bonecrusher encontrou Svan tentando passar por uma porta aparentemente trancada no castelo. Ela tentou sair de fininho, mas o capitão já a havia notado.
— Você – exigiu ele, irritadíssimo. – Como faço para passar por esta porcaria?
— Este é o quarto da Rainha – respondeu ela, em tom de obviedade.
Svan deu um passo na direção da mulher, os olhos mordazes.
— Este é o quarto do rei que estiver designado para Carlin no momento em que estiver. Sou o Rei Regente neste momento. Quero acessá-lo.
Bambi deu de ombros.
— Boa sorte, Rei Regente – ela disse, tentando esconder o sarcasmo. – Se conseguir passar por esta porta, amanhecerá com café na cama levado pessoalmente por mim.
Dando-lhe as costas, Bambi desceu as escadas, enquanto Svan mordia a língua, mais nervoso do que jamais se sentira na vida.
Bambi chegou até o hall do castelo, onde alguns soldados pareciam discutir certas táticas de proteção da cidade. Ao sair para o ar quente do verão, sentiu-se, pela primeira vez, mais arrasada do que jamais se sentira na vida. Seria leal a Heloise até o fim, e mesmo os cidadãos de Carlin pareciam pouco convencidos de que ela realmente praticara qualquer crime contra a cidade. Além disso, apesar dos esforços contínuos de todos e da magia bastante avançada da maior parte dos membros da Academia, a cidade era reconstruída com passos de formiga, como se algum tipo de mágica oculta estivesse entravando as obras realizadas.
Uma mulher de armadura completa, ruiva e de rabo-de-cavalo, se aproximou de Bambi tão logo ela deixou o castelo.
— Tisha – cumprimentou, incerta.
— Venha aqui – disse a líder da guilda dos cavaleiros da cidade.
A mulher de nome Tisha conduziu Bambi para fora do muro norte da cidade, onde parecia ter notado alguma coisa peculiar. Ali, ela apontou para o céu sobre o castelo, onde, sem sombra de dúvidas, havia uma espécie de nuvem negra, deveras imperceptível, somente notável pelos olhos mais perspicazes.
— O que acha que é isso? – perguntou a cavaleira, mordendo o lábio.
Bambi parecia hipnotizada.
— Parece-me que o Rei Regente deixou passar alguma coisa muito importante na vigência do seu reinado.
— Como é que…
— Preciso de um meio de comunicação que seja seguro – Bambi colocou muita ênfase na expressão “seguro”.
Tisha parecia nervosa.
— Você quer conversar com quem acho que quer conversar?
A guerreira do exército levantou seus olhos para a nuvem bisonha novamente.
*
Heloise bebericou seu hidromel com certa ansiedade. Somente no minuto seguinte percebeu que a estalajadeira conversava com ela.
— … através de um meio de comunicação seguro – ia ela dizendo.
— Desculpe, querida. O quê?
A mulher revirou os olhos, torcendo um pano de prato entre as mãos delicadas.
— Recebemos uma chamada de Carlin através de um meio de comunicação seguro – ela repetiu. – Seja quem for que queira falar com a senhora, deve possuir uma relação afetiva consigo que é bastante transcendental.
Heloise levantou-se num rompante, seguida de perto de Jason, que acabara de retornar com a Espada de Crunor embainhada. Não havia sinal de John ou Leonard. A rainha olhou para o cavaleiro, que a encorajou com um aceno breve de cabeça, parecendo espantado.
A dona da estalagem os conduziu escadaria acima através de um labirinto insondável de madeira e feno. Finalmente, chegaram em um quarto minúsculo, onde mal havia espaço para Jason e Heloise permanecerem sem que seus corpos se tocassem de maneira constrangedora, e a mulher fechou a porta atrás deles.
Ali, não havia nada exceto um pedestal com uma espécie de bacia d’água. Heloise desviou o olhar, frustrada, mas logo seus olhos retornaram para a bacia. Ela parecia assombrada.
— Bambi?
O rosto da guerreira de Carlin flutuava na superfície das águas, e, por algum motivo, ela parecia aliviada. Sorria de orelha a orelha para a rainha e seu cavaleiro, ao lado, curiosamente, de Tisha, uma das mulheres que haviam treinado Jason em Carlin, muitos anos antes.
— Rainha, que bom que a senhora está bem – a voz de Bambi era simultaneamente ansiosa e atropelada, etérea, como se dita através de um cano muito comprido. – E também o jovem Jason. Que momento feliz.
Heloise aproximou-se da bacia, certa de que desconhecia aquele tipo de magia, o que a deixava ainda mais frustrada. A rainha era conhecida por ser uma druida de primeiro escalão, e desconhecer qualquer ramo da magia branca lhe servia tão somente como uma incisiva e dolorosa fratura exposta na honra.
Porém, tinha informações mais importantes de que precisava e decidiu tratar o ego ferido depois.
— Bambi, o que está havendo?
— Rainha, preciso ser rápida, a qualquer momento Svan vai constatar que estou contatando Svargrond e o exército pesará sobre a cidade quase que simultaneamente.
Heloise assentiu, os olhos arregalados.
— Svan tomou a regência da cidade e está transformando a vida de todos em um verdadeiro inferno. Ademais, os esforços dos nossos cidadãos estão sendo infelizes no sentido de reconstruir nossa cidade. Parece que os blocos simplesmente não se aderem, não existe mais aquela ligação que tornava tudo tão perfeito.
— Magia do dragão – disse Jason, imediatamente.
Bambi sacudiu a cabeça, surpreendentemente.
— Existe uma… aura estranha sobre o castelo, Rainha e cavaleiro – prosseguiu Bambi, falando cada vez mais depressa. – Já vi coisa semelhante no passado. Isso não é magia draconiana. Isso é magia negra, encantamento pesado.
Heloise sacudiu a cabeça, confusa.
— Vamos ao ponto, Bambi. Magia negra deixa rastros, tudo bem? Não é algo que se possa castar e simplesmente desaparecer. Ela é rastreável.
— Sei disso, Rainha, sei disso. Porém, tenho razões para crer que Svan está possuído, ou algo do gênero. Mesmo em situações de muita crise, ele nunca foi tão agressivo. Seja quem for o Rei Regente de Carlin atualmente, não é Svan. Talvez não seja necessário rastrear a magia, porque quem a castou pode estar dentro do castelo neste exato momento.
Jason e Heloise trocaram um olhar, e o cavaleiro se adiantou.
— Estaremos em Carlin ao amanhecer – disse, concisamente, atraindo o atento olhar da rainha. – Bambi, prepare o cais para que sejamos recebidos, tudo bem? Por falar em rastros, não os criaremos por aqui, em Svargrond. Faremos uma escala em Ab’Dendriel e utilizaremos a influência de Leonard por lá para tomarmos o primeiro navio para Carlin. Se Svan realmente está possuído, reagirá à presença da Espada de Crunor.
— É arriscado, Jason, sei que…
— Nossa decisão já está tomada – cortou-a o cavaleiro, com firmeza. – Temos o que precisamos, somente necessitamos da facilitação do desembarque. Bambi, você foi uma soldada leal até agora, mas precisaremos de um pouco mais, podemos exigir isso de você?
Bambi assentiu prontamente, engolindo em seco. Jason fez que sim, aprovando.
— Primeiro navio da manhã – disse ele, com pressa. – Vamos interromper a ligação para que não seja rastreada.
— Nos vemos por aqui amanhã – disse Bambi, interrompendo a chamada.
A água da bacia retomou sua cor translúcida, revelando o fundo do recipiente e refletindo os rostos de um cavaleiro e uma druida repletos de incertezas.
*
Ao lado do corpo nocauteado de Leonard, deitado sobre a cama da rústica cabana como se dormisse, John tomou seu pulso. Ele ainda estava vivo. O antigo incandescente de Crunor respirou fundo; era importante tirá-lo de combate, mas não matá-lo. Jason não sossegaria até que encontrasse seu assassino.
Com cuidado, John limpou o ambiente de modo a garantir o desaparecimento das evidências da sua presença. Mesmo agora, em situações que exigiriam tudo de sua lealdade à guilda dos Gatunos da Meia-Noite e às ordens de Lancaster Wilshere, sentia suas dúvidas, mas não podia permitir que elas tomassem seu coração. Lancaster o mataria tão logo tivesse notícia disso.
Seu papel como agente duplo estava funcionando bastante bem. Jason tinha suas desconfianças, mas John sabia muito bem de que lado se encontrava. Agora, cavaleiro e rainha pretendiam invadir Carlin com base na força bruta. Teria que lutar ao lado deles para manter as aparências e não revelar sua nova identidade.
Devagar, John saqueou o que o arqueiro tinha: flechas, dardos, um livro de magia e algumas poções de recuperação. Quebrou-as uma a uma, utilizando sobre elas um encantamento de desaparecimento antes de sair da cabana. A hora chegara.
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