CAPÍTULO 7

Os dias e as noites passavam e Arstan ainda estava desacordado. Sua barba crescera, porém ainda rala, mas começava a dar um ar de descuido com a aparência.

Depois de quatro dias apagado, Arstan acordou. Ainda estava nos calabouços do deserto, porém, de acordo com sua memória, não era ali que havia caído. Seu braço estava enfaixado e imobilizado, bateu com os dedos de sua outra mão para conferir que material era. Um “toc” abafado. Madeira.

A sala onde estava era oval, com uma única entrada, iluminada com uma espécie de fogo azulado que queimava nas velas dos três candelabros espalhados uniformemente pela sala. Suas roupas estavam limpas e sua espada estava encostada na parede à sua direita, ao lado de sua mochila. Um prato com biscoitos de aveia repousava sobre um bidê ao lado da cama onde repousava. Seu estômago rugiu como uma fera que amedronta sua presa. Pensou em pegar um dos biscoitos, porém desde cedo aprendeu a não aceitar comida de desconhecidos, ainda mais quando se está perdido embaixo de um infinito deserto.

Sentiu falta de seu punhal, havia o perdido ou fora furtado, ponderou.
Arstan pôde ouvir um riso agudo vindo do corredor que fazia conexão com a sala, andou até sua espada e desembainhou-a.

— Não há necessidade disso, jovem. — Disse a voz, entre risos. Era uma voz de mulher, aguda e cansada, como de uma velha, porém seja lá quem pronunciava tais palavras não revelou seu rosto. — Abaixe a lâmina, jovem, iiieeehihihihi.

Arstan obedeceu, apesar de contar agora somente com o braço esquerdo para se proteger, acreditou que venceria a mulher caso ela investisse contra ele.

Aos poucos um corpo foi surgindo das sombras, tomando forma. Não era uma velha, como julgara ser, era uma mulher jovem, provavelmente da sua mesma idade, porém a sua aparência era desumana. Seu nariz era torto, suas bochechas eram caídas e possuía grandes olheiras, sem contar seu lábio leporino — uma deformação na região da boca, semelhante a um corte aberto, que partia da região central dos lábios e seguia até a região que dividia suas narinas — mesmo com a boca fechada seus dentes podres e quebrados eram visíveis. Seus cabelos eram acinzentados e finos, além de escassos. Não possuía orelhas, em vez disso eram duas fissuras nos locais onde elas deveriam se encontrar.

Arstan se controlou para não demonstrar espanto, apenas recuou dois passos e perguntou quem era ela.

— Iiieehihihih. Acho que essa é a pergunta errada, jovem. O quê eu sou? Essa é a pergunta certa. Iiieehihii. — Arstan tentou falar, explicar que aquela não era sua pergunta, porém a mulher seguiu falando. — Já houve outras como eu, vocês nos chamavam de um nome, um nome muito feio, Banshee — gritou aquele nome com desgosto —, mas não é isso que eu sou, não, não é isso, o que eu sou, na verdade, é uma maldição.

O homem não soube o que dizer, conhecia a lenda das banshees, criaturas morto-vivas que há muito não eram vistas. Nunca soube se eram hostis ou não, não sabia como lidar com elas.

— Há quanto tempo você está aqui? — Foi a única coisa que conseguiu transcrever em palavras.

— Uma semana, um ano, um milênio... os dias e as noites aqui são sempre iguais, perdi a noção do tempo há muito tempo. — As risadas pareciam haver acabado, falava com melancolia agora.

— Por que você me ajudou? — Perguntou Arstan, alternando o foco da sua visão entre a mulher e a sua espada que havia colocado em cima da cama, dois passos à sua esquerda.

Não lhe ajudei, apenas te preparei, pensou a mulher. — Lhe ajudei pois você trouxe boas memórias para mim, sim, boas memórias, dos campos floridos, do meu amado Kliver e do nosso filho Voltan. Você é parecido com Kliver, por isso te ajudei. Agora coma um biscoito, por favor. — A mulher olhava para o chão enquanto falava.

Arstan dispensou os biscoitos, estava analisando a mulher, ela não produzia sombra nem saliva, chegou a essa conclusão pois conhecera um homem com a mesma deformidade que ela tinha nos lábios, e aquele homem jorrava saliva como um chafariz.

— Coma um biscoito! — Gritou a mulher, sua voz tomou um som grave e gutural, seu rosto ficou sombrio e as luzes dos candelabros enfraqueceram.

Arstan pegou um dos biscoitos, deu uma mordida e o engoliu sem mastigar. Certa vez fizera um experimento com pães com um veneno leve, demorara cinco minutos para se dissolverem depois de engolidos e começarem a causar o efeito, teria mais um ou dois minutos com o biscoito, até que se dissolvesse.

— Bom menino, agora durma.

— Conte-me sobre Kliver, ele era mesmo parecido comigo? — Arstan estava relutante em atacar a mulher, mesmo sabendo que era uma alma condenada.

— Kliver era um bravo cavaleiro, um dos melhores da Legião Vermelha, morreu na última batalha nos Campos da Glória. Deixou-me sozinha com o filho para criar. Eu o amava muito, por isso, quando me noticiaram da sua morte chorei três dias ininterruptos. No quarto dia assassinei meu filho, cortei sua garganta e após isso fiz o mesmo comigo, a nossa família iria estar reunida de novo. — Dois minutos, pensou Arstan. — Mas os malditos deuses não se contentaram em foder comigo só uma vez, recusaram meu sacrifício e me transformaram nisso, e estou aprisionada aqui desde então.

Um minuto, melhor atacar.

Arstan empunhou a espada com o braço bom. Investiu contra a mulher. Esta deu um grito gutural e as luzes se apagaram. Sentiu a espada ser removida de sua mão. Ouviu passos logo à sua direita, havia calculado aproximadamente a altura da mulher, então investiu com sua mão e prendeu seu pescoço. As luzes se acenderam novamente. A mulher implorou por piedade.

Uma dor começou a subir pelo pescoço de Arstan, o biscoito estava dissolvido. Com o braço enfaixado apertou o olho direito da mulher, e com o outro braço fez o mesmo com o olho esquerdo. Um líquido preto escorreu por seus braços, a mulher gritava. Empurrou-a até a parede, bateu com a cabeça cinco vezes contra ela. A mulher caiu sem vida.

Com os dedos embebidos no líquido escuro, estimulou sua úvula. Um líquido verde-amarelado jorrou, junto de flocos amarelados e pigmentos escuros. A dor de seu pescoço diminuiu imediatamente, seja lá qual fora o veneno, estava começando a perder o efeito.

As luzes dos três candelabros aos poucos começaram a tomar um tom amarelado, natural para aquele tipo de vela. Arstan pensou naquela mulher, pelo relato dela, havia estado presa ali embaixo, naquela forma há quase três milênios, a essa altura a insanidade já havia a controlado. E sabe-se lá o que ela planejava fazer dele.

O corpo aos seus pés estava murchando, como biscoito dentro dum copo de leite. Poucos segundos depois só restava seu esqueleto envolto pelos trapos que a mulher vestia e o líquido escuro em volta. O punhal perdido foi encontrado no meio das vestes. Limpou-o nos trapos sujos da mulher e o prendeu à sua cintura.

Arstan apagou dois dos candelabros e os guardou em sua mochila, encontrou a bainha da espada sobre a cama e a vestiu. Pegou o candelabro que ainda estava aceso com a mão esquerda — seu outro braço começou a doer novamente após o esforço feito para estourar os olhos da Banshee — e dirigiu-se até a estrada daquela sala, onde encontrou sua espada jogada ao chão. Dessa vez ela não fora de grande utilidade, porém não poderia abandoná-la ali por uma única falha.

Deixou aquela sala pensando em quantas criaturas amaldiçoadas ainda enfrentaria ali embaixo, naquela escuridão sem fim e silenciosa. Será que um dia ele também iria ser amaldiçoado, ou já estava? Expulsou tais pensamentos de sua mente e imaginou sua antiga vida em Thais, junto da esposa e da filha já morta, que não pôde vê-la uma última vez em seu enterro.
Aí está pessoal, mais um capítulo do Arstan. Ainda estou com dúvida sobre o destino que vou dar pra ele...

Obrigado ao Pearl e ao Shizzle Nizzle (apesar de ter ficado na promessa de resposta )
Fica aqui o pedido, se ler, comente aí, nem que seja só para dizer que leu e que ta acompanhando. Senão fica chato de fazer a história se ninguém da um feedback =[

É isso ae, obrigado a todos que apareceram no tópico pra que ficasse com 1000 views, e é isso, até a próxima ^^