“Então a Lua em vermelho se transformará, vermelho dos sangues dos inocentes. Woso, derrotada, geme por seus filhos. E a morte surgirá, vestida de preto, cavalgando um cavalo branco, rindo da sina final dos mortais.” O Livro Negro de Aladfar
Capítulo I
A floresta estava sinistramente silenciosa. Parecia que o espesso nevoeiro tinha emudecido os habituais barulhos do local. Nenhuma coruja piava, o vento não ululava e os passos dos viajantes pareciam abafados. Talvez, finalmente, Woso estivesse do lado deles. Com um suspiro de alívio, Helena Dyton colocou o pequeno Norlyar no chão. Era a primeira vez que vislumbravam uma esperança desde a fática noite anterior.
A mulher de porte altivo estremeceu, olhando os poucos remanescentes da sua tribo. Uma pequena lágrima escorreu pela bochecha suja de fuligem, ao perceber, pela milésima vez, que nem Páris nem Hector tinham sobrevivido. Seu marido e seu cunhado, que Helena considerava um irmão, tinham desaparecido, assim como quase todo mundo da vila. O velho Príamo, o chefe da aldeia, tinha sido o primeiro a morrer, ante aos atônitos Dytons.
O resto da noite foi uma confusão, com cenas sanguinolentas dos impiedosos Zamohtianos massacrando os praticamente indefesos aldeões. Páris tinha se despedido de Helena rapidamente e pegara suas armas, tentando formar uma resistência junto com os homens da família. Hector mandara-a fugir com o filhinho, Norlyar.
E Helena fugira. Pegara o filho e algumas trouxas de comida, para depois sair correndo da casa, para a floresta. Lá, ela conseguiu encontrar Grom e Yyavana, dois jovens namorados, que pareciam estar antecipando as comemorações de matrimônio. Aterrorizados com os gritos e o fogo, seguiram a Helena para dentro da floresta. Foram para uma pequena caverna, onde o riacho que banhava o vilarejo nascia.
Já havia pessoas na caverna, na maioria, jovens mulheres assustadas, com poucas crianças. Helena, como esposa do filho do chefe, organizou melhor que podia os fugitivos. Todos estavam extremamente assustados com o ocorrido, muitos choravam, desolados. Tinham perdido familiares, entes queridos, suas posses, tudo. Foi uma noite em que eles não conseguiram dormir direito, assombrados pelos latidos dos cães de caça e das imagens terríveis da chacina.
De manhã, Helena conduziu os fugitivos para o norte, porque sabia que os Zamohtianos estariam vigiando as estradas para o sul, na direção dos Alyranianos. Não faria sentido fugir para o leste, na direção do Oceano Infinito. Não tinham embarcações para isso, também. E, a agourenta estrada oeste levava para Zamoht. Então eles se embrenharam na densa floresta ao norte.
Helena sabia que havia um povo estranho, perto das Grandes Montanhas. Não sabia muito desse povo, mas o velho Príamo dizia que eram gigantes ruivos que gostavam de beber bastante e que viviam em uma guerra eterna com gigantes louros. O falecido chefe tinha dito que os gigantes vermelhos lhe deviam incríveis favores, e era nessa esperança que a mulher se agarrava desesperadamente.
Já tinham andado por todo o dia, num ritmo lento, como num pesadelo que nunca tinha fim. A fumaça do incêndio do dia anterior podia ser vista, subindo morbidamente por entre os galhos, ao sul. De vez em quando, ouvia-se um ladrar e passos, seguidos de gritarias. Helena sabia que os Zamohtianos estavam procurando os possíveis sobreviventes do massacre, por isso apressou a todos e os convenceu que era melhor continuarem de noite, para se afastarem o máximo possível do antigo vilarejo.
Norlyar lhe deu um puxão na manga, tirando ela dos seus devaneios. Todo mundo tinha parado e se acomodava na pequena clareira. A mulher pensou em protestar, mas viu que todos estavam mais que exaustos, e ainda pareciam chocados com a violência dos Zamohtianos. Helena mordeu o lábio inferior, deixando as madeixas escuras, agora sujas e cheias de pequenos galhos, caírem sobre a face. Estava exausta também, mas não podia fraquejar, todos precisavam dela, principalmente seu filho pequeno.
Suspirou, rezando internamente para Woso lhe dar proteção e forças suficientes para guiar seu povo para uma nova vida. Afastada dos impiedosos inimigos. Pediu um sinal, indicando que fizera a escolha certa. Olhando para o céu escuro, com ligeira claridade surgindo, Helena percebeu, subitamente, que o nevoeiro tinha se dissipado, as Grandes Montanhas estavam mais perto do que nunca. Sorriu, vendo nessa proximidade, um fiapo de esperança. Foi quando olhou a lua e viu que ela, antes cheia e branca como a neve, estava de uma cor vermelho-amarelada.
Horrorizada, a mulher baixou os olhos, pensando no que esse terrível presságio significava. Mais ninguém tinha reparado no funesto agouro ainda. Estavam reunidos, tentando se manter aquecidos na noite fria. Seu filho lhe deu outro puxão na manga, mais forte. Helena olhou para ele, com ligeira irritação. O menino de cabelos escuros e pele bronzeada estava apontando para algo no limiar da clareira.
A mulher franziu a testa, e discerniu o vulto. Era um cavaleiro, em cima de um grande cavalo branco e, para seu desespero, estava complemente vestido de negro. O elmo, negro também, estava fechado, dando um ar mortífero ao portador. Esse ar era confirmado pela pontiaguda lança que ele segurava com o braço direito. O cavaleiro balançou a cabeça, como que rindo deles. Helena, apavorada percebeu o que isso significava, e começou a gritar. A morte tinha chegado a cavalo.