De Heróis e Vilões
Professor Girafales
Carlin, 1357 da era de ouro, ano zero da era das trevas. O recém descoberto continente de Zao, desbravado a cada novo dia, revelava novas riquezas. A rainha Eloise de Carlin mantinha-se ocupada, seja negociando novos tratados comerciais com os anões de Farmine, ou cuidado de entrepostos comerciais que estavam sendo estabelecidos nas ilhas gélidas de Folda e Senja ou no vilarejo de Northport. O tempo gasto por ela e seus conselheiros governamentais cuidando dessas questões era tão grande, que sobrava pouco tempo para olharem para seu próprio quintal.
Aproveitando-se disso um culto demoníaco secreto, com poucos membros, bem selecionados, estabeleceu-se na cidade. Seu líder era o Barão de Ljungberd, um homem baixinho e barrigudo. O pouco cabelo que lhe sobrava na lateral do cocuruto era prateado, uma mistura de negro com grisalho. Ostentava um grande bigode. Era uma pessoa simpática, adorava crianças e estava sempre brincando com as pessoas, um estereótipo de bonachão. Ninguém poderia imaginar que participava de uma seita secreta.
Além do nobre, participavam do culto o jovem Fritz, garoto forte, de uns 20 e poucos anos, cabelos loiros e uma expressão sempre séria, que trabalhava no porto de Carlin. Também havia a jovem Caroline, irmã gêmea não idêntica de Fritz, tinha longos cabelos lisos negros, olhos azuis e um namorado que não fazia ideia da existência do culto. Outras figuras, de menor importância participavam.
Era numa noite, atipicamente fria, que o grupo se reuniu no porão de um casarão pertencente ao Barão. O porão empoeirado servia de depósito para toda sorte de artigos. Tapeçaria de Darashia, frutas exóticas de Port Hope e Liberty Bay, artesanato dos elfos de Ab’dendriel, entre várias outras coisas. Envolta de uma mesa, estavam de pé os principais membros do culto, o Barão, Fritz e Caroline. O vento que soprava do mar ao sul trazia boas notícias ao grupo, más notícias para Carlin. O barão tira um pequeno tubo, contendo um líquido prateado de um bolso interno de seu paletó, e diz:
― Amigos... Finalmente podemos dar início ao nosso plano ― o Barão abre um largo sorriso. ― Por anos estivemos reunindo os raros artigos necessários para criar o veneno mágico que nosso mestre me ensinou a fazer em minha visão.
― Salve o mestre Zathroth! ― Disseram os gêmeos, quase que ao mesmo tempo.
― Agora basta que Fritz espalhe o veneno no porto, e logo a maior parte dos habitantes de Carlin estará compartilhando de nossa visão para o mundo.
O Barão estende sua mão para Fritz, dando-lhe o frasco. Fritz pega o frasco e o fita por alguns segundos. Sua face não deixava claro suas emoções, era um misto de êxtase e nervosismo. Ele guarda o frasco em uma pochete de couro que trazia em sua cintura.
― Fico honrado com essa missão, e tenho certeza de que vou conseguir...
Caroline o interrompe e diz:
―Já está na hora de terminarmos a reunião. O plano começa amanhã e é, na verdade, bem simples.
Os três saíram do casarão um a um, dando um tempo, para não levantar suspeitas.
***
Tão logo os primeiros raios de sol começaram a bater no alpendre, Fritz já despertava. A ansiedade para por o plano em ação venceu rapidamente o sono. Ao som do canto dos galos e outros pássaros da alvorada, o jovem colocou seu uniforme de estivador e foi até a sala da casa desjejuar. Caroline, que também acordara cedo, havia lhe preparado o que comer.
― Tome, meu irmão, aqui está o seu café.
― Hmm ― murmurou o irmão, ainda sonolento.
― Está preparado para botar o plano em ação hoje mesmo?
― Claro que sim, quanto antes, melhor. Nem é tão difícil...
― Mas se alguém vê é perigoso mano... O sacerdote do templo poderia desfazer o feitiço, se for descoberto rapidamente.
― Tomarei todas as precauções, já discutimos isso umas quinhentas vezes.
― Tá bom, tá bom, boa sorte maninho! ― A irmã deu um beijo carinhoso no topo da cabeça do irmão e volta até seu quarto.
“É, a hora chegou...” Pensou Fritz. O rapaz foi andando, pensativo e ansioso, rumo ao porto. Logo ao sair de casa, percebeu que as ruas ainda estavam vazias. Um ou outro pássaro a cantar, folhas sendo empurradas pelo frio vento da manhã. Um ou outro comerciante abrindo suas lojas... A cidade ainda dormia, e isso era bom para Fritz. Precisava que o porto estivesse vazio, para que pudesse colocar o plano em ação, espalhar o veneno na comida que vinha de Thais.
Toda manhã ele era um dos primeiros, senão o primeiro, a chegar ao local. Tendo saído mais cedo que o normal, não foi diferente naquele dia. Ele pegou seu molho de chaves e abriu o portão. Foi andando até o armazém enquanto tirada a substância de um bolso interno de seu casaco. Ele abriu o vidro e o virou em cima das pilhas de alimento importado armazenado. O que se viu em seguida não foi um líquido caindo, mas sim uma nuvem negra estranha, como uma substância em sublimação, que começou a englobar todo o alimento. Não fosse a natureza mágica da substância, não haveria como isso acontecer. A nuvem então se dissolveu no ar, literalmente sumindo.
Essa parte do plano era a mais simples e se completou com sucesso. Bastaram poucos meses para que a maldição mágica que foi posta nos alimentos se espalhasse entre a maioria dos habitantes da cidade de Carlin. Ninguém sabia, mas as mentes dos amaldiçoados estavam prontas para obedecer aos comandos do Barão de Ljungberd sem questionamento.
***
Em um dia ensolarado, nuvens negras apareciam no horizonte, acima do mar, e se avizinhavam cada vez mais da cidade, como se estivessem trazendo a má notícia do dia que chegava.
A rainha Eloise havia acabado de acordar, e desceu de seus aposentos até o salão principal do castelo, para um dia que, ela imaginava, seria rotineiro. O Barão entrou no salão apressado:
― Minha rainha, preciso tratar de um assunto urgente com você, em particular!
A rainha olhou para os guardas e balançou a cabeça positivamente, sinalizando que eles poderiam se retirar.
― O que precisa falar, barão, que é tão urgente que fez você até se esquecer de falar comigo usando os pronomes apropriados?
― Se meu mestre permitir que você sobreviva, será você que deverá falar respeitosamente comigo.
A rainha se levanta, e apontando seu cajado real para o súdito, exclama, surpresa:
― Como ousa falar ― Mas foi interrompida bruscamente.
O barão tirou de seu casaco um amuleto e o apontou em direção a rainha. Um raio de luz púrpura saiu dele e atingiu em cheio a rainha, que foi jogada para trás e desmaio. Normalmente a magia do barão não seria páreo para a da rainha, mas ela se encontrava sob efeito da maldição.
Os guardas, alarmados, tentavam abrir a porta para o salão, mas ela parecia selada magicamente. O barão então sacou uma pequena adaga de prata e fez um corte no pulso da rainha. Ele pegou o braço e o esticou por sobre o amuleto, deixando que algumas gotas de sangue caíssem por cima do objeto, que começou a brilhar intensamente, como se estivesse incandescente.
O barão soltou o amuleto no chão e deu alguns passos para trás. O brilho se tornou um clarão insuportável, e foi necessário até que ele protegesse os olhos com o braço. De repente o brilho parou, e parado no local onde se encontrava o amuleto, estava uma figura assustadora. Três vezes o tamanho de um homem, pernas e braços extremamente musculosos e uma pele de cor escarlate, era um demônio, proveniente de um local aterrorizante, no qual nenhum homem jamais colocou os pés. O demônio então se dirigiu ao barão, com sua voz grave e alta, que ecoava pelos salões do castelo.
― Quem é o verme que ousa conjurar a presença de Morgaroth no plano terreno, em plena cidade de Carlin?
― Sou o Barão de Ljungberd, e não lhe chamaria se não tivesse a certeza de que o exército da cidade não irá lhe impor uma derrota como em outras oportunidades. Eles estão enfraquecidos.
― Estão mesmo? E por quê?
― Eu e meus parceiros amaldiçoamos a comida da cidade, e todos os habitantes estão enfraquecidos contra magias das trevas. Mesmo os mais valorosos guerreiros serão presa fácil.
― É o que veremos ― Disse o demônio, enquanto esticava seu braço, criando uma enorme bola de fogo em direção a porta na qual os soldados tentavam, desesperados, entrar.
O estrondo jogou todos para trás e abriu um buraco de tamanho suficiente para a passagem de Morgaroth. O que se seguiu foi um massacre. A cidade inteira foi rapidamente subjugada pelo demônio.
***
Desde o dia em que Morgaroth dominou Carlin, já haviam se passado três semanas. Com seu enorme poder e a ajuda de um exército de cidadãos de Carlin possuídos pela maldição demoníaca e dos orcs de Ulderek que se prontificaram a servir o demônio, derrotar uma a uma as principais cidades do continente foi uma tarefa fácil. Por onde passava o exército, ficava um rastro de dor e sofrimento. Os homens eram mortos em sacrifício ao deus Zathroth, suas decepadas e empaladas, apodrecendo. As mulheres eram estupradas e depois mortas. O exército do mal fazia as crianças presenciarem tudo, e depois as abandonava a própria sorte. Traumatizadas e sem capacidade de se sustentar, a maioria morria rapidamente.
Uma a uma as grandes cidades do continente caíram. Ab'dendriel e Venore agora não passavam de ruínas. Carlin e Ulderek estavam sob domínio demoníaco. Kazordoon e Mintwallin se isolaram embaixo da superfície. A certeza de que seus exércitos não representavam perigo fazia com que os demônios nem sequer se incomodassem com a ideia de tentar invadi-las. As cidades espalhadas em ilhas sofriam com a falta da ajuda das cidades do continente. Sem liderança, eram como formigas que tiveram a cabeça arrancada e corriam, desesperadas, a deriva.
Restava apenas Thais, o último bastião de esperança do mundo livre contra o domínio dos servos de Zathroth...
A hora se aproximava, e o Rei Tibianus sabia que os demônios iriam atacar sua cidade com força total. Olhando pela janela de seu quarto, o céu vermelho-sangue do alvorecer de alguma maneira lhe alarmava. Ele sabia que seria hoje, o dia da verdade.
Ele tirou seu roupão de ceda de Liberty Bay e abriu seu armário. Colocou roupas de baixo, e vestes de batalha. Um elmo dourado com detalhes prateados, e uma armadura pesada, e certamente resistente, forjada pelos anões, de cor avermelhada. Embainhou sua espada longa que emanava um brilho fraco, de origem mágica, e colocou seu escudo nas costas, herança de seus antepassados. Terminou com a coroa, ornada por joias de rara beleza, forjada em tempos imemoriáveis pelos ciclopes, usando minérios raríssimos, também herança de seus antepassados.
Enquanto foi descendo pelo castelo, era encarado pelos súditos e guardas, que percebiam, tanto pela expressão, quando pela maneira como o rei se vestia, que o dia não seria normal.
Mas para Tibianus tudo era silêncio. Não escutava o barulho dos frequentadores do castelo, não escutava o barulho da cidade, não escutava o vento e o mar. Tudo que conseguia pensar era na batalha longa que estava por vir. Ao chegar na sala da guarda real, o rei abordou o seu general, Linus.
― É hoje, Linus, eu sei.
Entendendo o que o rei queria dizer, o general saiu, esbaforido, certamente para reunir o exército da cidade.
Alguns minutos se passaram, e estavam o rei, seu general e alguns outros membros importantes do exército na parte que emcimava o portal norte. No chão estava o exército da cidade, bem como inúmeros voluntários, alguns maltrapilhos, carregando desajeitados qualquer arma que conseguiram achar. O rei começou a falar, com sua voz imponente:
― Como vocês já devem imaginar, hoje é o dia em que os demônios tentarão tomar Thais. Muitos de vocês nem eram nascidos quando Ferumbras invadiu e espalhou a desgraça em nossa querida cidade. Apesar da certeza de que a guerra que enfrentaremos hoje será muito pior do que a invasão do mago maligno, sei que só venceremos no final se mantivermos o mesmo espírito dos bravos guerreiros que o baniram de Thais. Hoje, assim como naqueles dias, lutarei lado a lado com vocês, pois sou mais um, um cidadão de Thais querendo defender o lar que tanto ama. É importante que mantenhamos ― O rei se calou tão logo escutou ao longe o rufar de tambores de batalha. A hora chegará e um frio percorreu sua espinha. ― Escutem! Os tambores de batalha dos inimigos! Devemos nos manter dentro da cidade e defendê-la! Não devemos deixar o exército inimigo perpassar nossos muros!
Ao longe já se via o exército inimigo. Manchas verdes eram Orcs, vermelhas eram demônios, e borrados multi-coloridos eram humanos, de diferentes etnias, trajando diferentes armaduras. Não tardou até que flechas, pedras catapultadas e magias ofensivas fossem trocadas de lado a lado. O exército demoníaco era demasiadamente numeroso, e era questão de tempo até que encontrassem uma brecha nos muros da cidade. Mas, de repente, o sítio à cidade cessou. Morgaroth, que apenas observava a batalha, começou a falar, e sua voz ecoou por toda a cidade, como mágica:
― Venha, Tibianus, vamos lutar mano-a-mano! Quero ter o prazer de lhe derrotar antes que acabe morto por algum mortal qualquer de meu exército!
O exército demoníaco abriu espaço, formando um corredor do portão da cidade de Thais até o local onde se encontrava Morgaroth. O rei veio andando, e novamente aquela sensação de silêncio invadia sua mente, até que se encontrava defronte o maligno Morgaroth.
― Vamos acabar com isso, aqui e agora! Derrotar-lhe-ei, usando o mesmo escudo e a mesma coroa que meu bisavô usou para banir Orshabaal na batalha de Jakundaf, o mesmo escudo e coroa que usei para banir Ferumbras da cidade de Thais!
O demônio gargalhou, esticou o seu braço e lançou um jato de energia em direção ao rei, que a barrou com seu escudo. Foram minutos de duelo, muito equilibrado. Por fim Morgaroth derrotou Tibianus. Com sua força descomunal, levantou o rei e lhe arrancou a cabeça do corpo, como se estivesse rasgando papel.
― Vejam! ― Exclamou, com o braço esticado, mostrando a cabeça do rei, como um troféu ― O rei de vocês está morto. O duelo foi árduo, devo reconhecer, mas agora sua linhagem está acabada, eu nunca serei derrotado!
Dentro dos muros da cidade, muitos choravam, e a maioria tirava seus elmos e largava suas armas e escudos no chão, desistindo da luta.
― Não! Não devemos desistir, não é isso que Tibianus queria! ― Gritou Linus ― Devemos lutar até o fim de nossas forças por nossa cidade!
As palavras de Linus pareciam em vão, o exército estava desmotivado, quase ninguém tinha forças para lutar. Mas ao longe, a esperança renascia. Ouviam-se gritos e tambores e exclamações de surpresa eram ouvidas de membros dos dois exércitos. Eram os anões que chegavam, trazendo sangue novo para a batalha. Como se tivesse sido combinado buracos começavam a se abrir no chão, levantando uma enorme poeira. Deles brotavam minotauros, que também vieram para ajudar.
A batalha recomeçou, e com as esperanças renovadas, os cidadãos de Thais pegaram em armas novamente para defender seu lar.
Linus sabia, no entanto, que o exército do mal ainda era muito mais numeroso, e ganharia a batalha mais cedo ou mais tarde. Deveria aproveitar a oportunidade que surgira com a inesperada ajuda de anões e minotauros para tentar vencer a batalha derrotando o líder Morgaroth. Mas se nem mesmo o rei não havia conseguido derrotar Morgaroth, será que ele conseguiria? “Depois do rei, certamente sou eu o guerreiro mais preparado, sou eu que devo derrotá-lo. É melhor morrer tentando do que esperar eles vencerem a batalha”.
Correndo por entre o exército inimigo, esquivando-se de golpes mortais e flechas certeiras, cortando através de fileiras de combatentes com sua espada, Linus avançava a passos largos rumo a Morgaroth, que agora, ao invés de apenas assistir a batalha, lançava bolas de fogo e esferas de dor e sofrimento concentradas, conhecidas como “morte súbita” em direção a cidade.
Morgaroth estava distraído e a oportunidade se apresentava, de pegar a espada de Tibianus que estava no chão e tentar derrotar Morgaroth. Linus lançou sua própria espada em direção ao demônio, atingindo-o no braço direito. Isso o distraiu, mas o fez também perceber a presença do oponente. Com uma cambalhota ágil, Linus pegou o escudo e a espada do falecido rei do chão e ajoelhou-se, defendendo uma rajada de morte súbita com o escudo. Tão logo defendeu o golpe, soltou o escudo, e, correndo em direção a Morgaroth, com uma mão lançava uma runa de magia no inimigo, e com a outra balançava a espada para trás. Com um pulo, empurrou a espada no peito do demônio.
― Não! ― Exclamou Morgaroth.
O demônio começou a brilhar e desapareceu, certamente banido ao plano das trevas. Os demônios menores que participavam da batalha também foram banidos, e ao mesmo tempo os humanos de Carlin, possuídos, retomavam sua consciência. Restavam apenas os orcs. Alguns se retiraram covardemente, enquanto outros ainda lutavam, mesmo sendo certa a derrota.
A batalha estava ganha e Linus era um novo herói.
***
Três meses se passaram desde a épica batalha, e a paz reinava em Tibia. As cidades destruídas eram reconstruídas com a ajuda de todos. Em Thais, era aclamado o novo imperador, herói da cidade, responsável por derrotar a ameaça demoníaca ao mundo livre, Linus.
"Acho que essa coroa ficou boa em mim"
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