Capítulo 1 - Um estranho na noite
As folhas que caíam esporadicamente dos galhos das árvores outrora exuberantes, rapidamente eram levadas pelo vento frio que anunciava o inverno próximo. Era comum nessa época do ano os lenhadores de Beneator aparecerem todo final de tarde nos pequenos bosques que se extendiam por ali, a fim de coletar e estocar lenha para os próximos meses. Beneator era governada por Anias, um rico comerciante eleito pela elite da cidade para atender às suas necessidades. Era um bom homem, apesar de sua ingenuidade, muitas vezes se deixando controlar pelos nobres em decisões importantes.
Beneator crescera nos últimos três anos, viu florescer o comércio e a indústria, se tornando a cidade mais importante das redondezas, atraindo todo o tipo de gente para a cidade, desde intelectuais, artesãos e bardos até bandidos e assassinos que se refugiavam dentro de seus grossos muros. Fazendas de trigo proviam a maior parte do alimento necessário aos moradores, embora alguns deles se sustentassem pela caça.
A lua já aparecia no céu quando Bian voltava de sua bem-sucedida caça. Tinha estatura média, e cabelos negros que lhe caiam pelos ombros. Trazia nas suas costas doloridas o seu prêmio, um cervo abatido com uma flecha certeira no peito. Ofegava pelo peso, mas mesmo assim andava o mais rápido que podia, queria muito voltar para casa e ser coberto de elogios pelo seu pai Triano. Teriam carne para comer o resto da semana.
Então escutou um barulho por perto. Parou de andar, e tentou enxergar por entre as escuras árvores. Nada. Balançou a cabeça e seguiu em frente tomando cuidado para fazer menos barulho enquanto pisava pelas folhas secas. Novamente fez-se ouvir o mesmo som. Colocando o cervo no chão, Bian apanhou seu arco e começou a olhar à sua volta. Foi quando sentiu um toque no seu ombro. Virou-se abruptamente e encontrou um homem pálido fitando-o com um sorriso entre os lábios.
-Calma garoto – ele levantou os braços ao ver-se na mira do arco de Bian.
-Mathias – sussurrou Bian, abaixando o arco e abrindo um sorriso de alívio – o que está fazendo aqui? Por que me assustou?
-Seu pai me pediu para ver onde você estava e... – Mathias olhou o cervo deitado no chão – bela caça. Ele vai ficar contente com você.
-Assim espero – disse Bian recolocando o animal nos ombros.
-Vamos logo, sabe que não é seguro andar por aqui – disse Mathias – Principalmente a essa hora.
-Já conseguiram prendê-lo? – perguntou inesperadamente Bian.
-Ele quem?
-Você sabe... O homem que está roubando as pessoas no bosque.
-Não. Ainda não. E é justamente por isso que seu pai se preocupa com você. Não pode andar por aí com esse maluco à solta.
-Besteira. Eu sei me cuidar – dizendo isso Bian bateu na madeira do arco e riu – E esse rapaz também.
Em pouco tempo saíram do bosque. As ruas de Beneator estavam vazias. Bian se dirigia ao seu caminho habitual para casa, quando Mathias segurou pelo seu ombro e disse:
-Calma, preciso ver uma coisa. Espere aqui. Já volto – dizendo isso virou um beco e sumiu de vista.
A noite estava mais fria. Enquanto admirava a rua deserta, Bian colocou o cervo no chão recostou as costas cansadas na parede. Esperava que Mathias voltasse logo, não via a hora de deitar e descansar. O seu pai, Triano, era o dono de uma marcenaria humilde, onde o único ajudante era Mathias, um antigo amigo da família.
O tempo passava lentamente, e Mathias ainda não tinha retornado. Bian começava a ficar preocupado. Apanhou o arco com a mão esquerda e recostou-se novamente. A rua estava mais quieta que o normal, o único som era o vento que soprava por entre as calhas das casas. A lua cheia iluminava o seu rosto, mostrando os pequenos fiapos de barba que começavam a nascer, determinando o início de sua fase adulta. Estava próximo de completar seus dezoito anos.
De repente uma voz despertou Bian forçando-o a armar seu arco involuntariamente com tamanha destreza:
-Então você está aí! Sou eu, Udek, abaixe essa arma – gritou uma figura solitária do outro lado da rua.
-Ah é você, desculpe – disse Bian, abaixando o arco, envergonhado consigo mesmo. Udek era seu irmão, um jovem lenhador de dezoito anos. Forte e alto, seus cabelos castanhos contrastavam com os cabelos negros de seu irmão.
-Nosso pai pediu para vir lhe procurar – Udek olhava ansiosamente para os lados, deixando transparecer claramente o medo em seus olhos.
-Você é o segundo hoje... – suspirou Bian – acho que nosso pai anda muito preocupado.
-Do que está falando? – perguntou Udek admirando o animal abatido.
-Mathias também estava comigo, e assim como você foi mandado por nosso pai.
-Não. Você está enganado. Mathias sumiu da marcenaria pela tarde. Pensei que tinha brigado com meu pai. Mas aí ele disse que também não tinha visto ele pelo resto do dia.
-Que estranho... Porque Mathias mentiria? – disse Bian coçando a cabeça.
-E onde ele está agora?
-Não sei, disse que voltaria logo. Faz trinta minutos que ele saiu.
-Vamos para casa logo. Isso está estranho e também esse animal está com a cara ótima... – Udek parou de falar e de repente estreitou os olhos e caiu de joelhos no chão com uma adaga cravada no ombro direito.
Bian, horrorizado, gritou o nome do irmão e se ajoelhou. Olhou para cima e viu o rosto pálido de Mathias iluminado pelo luar. Seu sorriso contrastava com a expressão séria no rosto do outro homem ao seu lado, vestido com um sobretudo preto.







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