Consegui um monitor emprestado ^^ Graças a isso posso postar o capítulo III, longamente prometido. Ele ficou maior que os outros dois e possivelmente mais fraquinho, mas ele é basicamente uma conversa e um jogo de pensamentos. Lendo atentamente dá pra se concluir muito sobre a Angela e sobre o misterioso novo personagem. Espero sinceramente que compense pela longa espera :x
"Zoroast" lê-se "Zoroást", sem o "t" mudo.Capítulo Três
Crainte
Estou nas Planícies do Caos.
Era uma realidade tão cruel quanto a que recebera tão pouco tempo atrás, ao encontrar sua casa destruída. A única coisa que a mente cansada e confusa de Angela conseguia processar naquele instante era a consciência de que havia descido mais ao sul do que pretendia. Saíra da rota imaginária que fizera – na qual fugia da multidão e podia seguir mais reservadamente e rapidamente para a cidade dos elfos que ficava no extremo norte do continente, Ab’Dendriel. Mas acabou saindo em um ponto muito ao sul do Pântano da Pata Verde, e acabou indo parar no pior lugar que podia ir.
As Planícies do Caos não tinham tal nome por causa de nada. Era uma gigantesca área nunca colonizada que se estendia do fim do único deserto que havia no continente, situado no coração deste, até que as terras alcançassem o mar. Era picotada por rios profundos e negros, que demarcavam junto com as árvores e montanhas as fronteiras entre as habitações. Não havia humanos ali. Moravam nas Planícies, distribuídos em cidadelas mal organizadas, cavernas e florestas, ciclopes, orcs, minotauros, mortos-vivos, insetos gigantescos e répteis misteriosos, alguns dos quais podiam voar. Outros eram os seres escamosos e verdes mais falados nas histórias de cavaleiros: os dragões. Em resumo, as Planícies do Caos eram o berço e lar de todas as criaturas renegadas pela sociedade humana.
E ela estava ali. Exatamente em que pedaço do lugar maldito ela não sabia. Podia ser no domínio dos orcs no extremo sul, no cemitério dos mortos-vivos, nas habitações dos gigantes... Ela apenas sabia que estava dentro de uma tenda de lona velha e empoeirada. O interior era extremamente limitado: havia uma esteira de bambu seco onde ela estava deitada, uma mesinha de madeira, um criado-mudo todo furado e marcado e diversas sacolas cheias jogadas ao chão. O interior da tenda era iluminado fracamente por um lampião vermelho que emanava uma luz alaranjada localizado sobre o criado-mudo. O chão era de terra batida e grama seca, transmitindo uma desagradável sensação de morte e tristeza. Talvez nem tão desagradável assim.
Angela foi lentamente libertando os pensamentos e tomando mais consciência da situação. Começou a se lembrar dos barulhos estranhos, dos passos, do chiado, da dor... E do minotauro. Seus olhos se arregalaram e ela levou as mãos às costas. Tocou no tecido leve e aveludado do vestido e logo encontrou o ponto onde fora atingida sabe-se lá pelo que. Doía e ardia muito, e ao toque da bruxa, começava a latejar. Mas já não sangrava mais. Ficou meio feliz ao perceber que o vestido não fora rasgado pelo golpe: era a única peça de roupa que trouxera. Felizmente o reforcei com magia, riu em pensamento, num momento completamente inapropriado.
Então sua mente despertou-a para a realidade: Minha mochila! O agressor devia ter roubado. Com a respiração difícil e uma sensação de ódio e confusão misturada, ela se ergueu com dificuldade e começou as vasculhar a tenda com os olhos. Deu alguns passos, mas as suas costas explodiram em dor, derrubando-a de volta na esteira. Sentiu-se estranha e irreconhecível a si mesma, como se sua personalidade tivesse desaparecido e sido substituída por um espírito raivoso e anormalmente preocupado.
Então, sem aviso, passos foram ouvidos avançando sobre a grama. Projetou-se na tenda a sombra de uma criatura enigmática. Angela engoliu em seco quando o ser entrou na tenda e largou uma sacola em um canto. Ele resmungou alguma coisa com uma voz forte e cortante. Então se virou e pousou seus olhos negros sobre a paralisada bruxa, constatando que estava acordada.
Angela estava atônita. É... Um minotauro! Não restava dúvida: era um ser muito alto e de ombros largos, com o peitoral e os braços de um homem adulto, mas as pernas terminadas em cascos de um boi. A cabeça também era deste animal, sendo alongada e com um focinho mais escuro munido de dentes afiados e incomuns. Os olhos ficavam um de cada lado do crânio enfeitado com um par de chifres de marfim muito brancos e longos, que se empinavam para cima, disfarçando as orelhinhas triangulares do ser. Usava uma capa amarelada e rala presa ao corpo por um cinto de couro recheado com armas e utensílios. O cinto cruzava sua cintura bem na parte onde ele se transformava em animal e então subia, atravessando o peitoral. Suas pernas não estavam nuas: uma folgada calça de pregas marrom que cobria os membros até os joelhos. Mas o que Angela realmente temeu encontrar foi o que viu enfiada no cinto do minotauro: uma maça negra não muito maior que seu antebraço, com a ponta terminada em uma esfera pesada de ferro incrustada com espinhos enferrujados e marcados pelo sangue seco. Logo ela reconheceu a arma que a feriu.
O minotauro bufou.
- Vejo que acordou. – Trovejou ele, perturbando os ouvidos de Angela com sua voz forte e marcante. Estranhou ao notar que o homem touro conseguia falar sua língua. Mas estranhou ainda mais o fato de estar perante um minotauro. Não que não soubesse de sua existência, mas ela duvidava muito que um dia veria um novamente. Viviam muito reservados em suas cavernas ou acampamentos em florestas escuras. Os poucos que ela encontrara haviam sido muito hostis com ela, obrigando-a a decepar suas cabeças. Isso ocorrera enquanto ela tentava alcançar a enigmática Mintwallin, cidade dos minotauros que estes ergueram no âmago da terra, metros e metros abaixo da capital dos humanos. Após o episódio evitou o contato com tais criaturas. Até então.
- Você... Fala minha língua! Mas como? – Ela esforçou-se para falar, tentando ser o mais amistosa possível, afinal, ela que era a visitante ali. Ou a refeição das próximas horas. A idéia provocou um tremor anormal na sua barriga.
- Não é difícil aprender. – Disse ele. Então ele pegou um toco de árvore seco – que a bruxa jurava estar enraizado ao solo – e sentou-se nele, ficando de frente para ela. Encarou-a nos olhos de um modo perturbador, fazendo-a recear. Nunca antes se sentira tão acuada. Nem mesmo quando encontrara o assassino de Wyda.
- Onde estou?
- Planícies do Caos. Meu acampamento. – Ele falava lentamente, travando em alguns instantes, tentando adivinhar ou lembrar que palavra usar.
Ela apontou para a maça, sentindo uma pontada de dor ao fazê-lo.
- Foi você que me feriu?
A pergunta pareceu não pegá-lo de surpresa. Respondeu instantaneamente.
- Não. Foi uma caveira.
Então estava explicado. Enquanto estava distraída observando as pessoas e aproveitando o vento, um morto-vivo repugnante e podre saiu do nada com uma arma qualquer em mãos e a acertou bem nas costas com força.
- Uma caveira é? Vinda de onde?
Ele bufou de novo.
- Do exército imperial. É formado de mortos-vivos.
Angela sabia. Ouvira algumas poucas vezes enquanto perambulava por Venore comentários sobre os exércitos do Pentágono. Como quase todo ser vivente repugnava o que eles faziam – principalmente os rituais sinistros que supostamente executavam – era preciso buscar exércitos em fontes onde fosse possível achar um bom número. E mortos eram o exército perfeito: bastava ter vários necromantes para comandar os feitiços e reviver qualquer um em qualquer lugar, de qualquer raça. O resultado era uma máquina de matar que não podia ser morta e totalmente leal. Tais seres só podiam ser detidos ao se explodir os ossos do peito e a coluna, que era onde a magia negra se concentrava para estabilizar o novo “ser vivo”. Geralmente os seres eram muito bem equipados nessa região, tornando mesmo números pequenos deles extremamente complicados de se derrubar. Talvez por isso o Pentágono já dominara quase todo o Condado do Sul, as região do deserto de Darama, as ilhas do sul e as ilhas do norte.
- Então porque eu o vi antes de cair desacordada?
O minotauro remoeu a pergunta e pareceu escolher bem as palavras. Seus olhos não saíam de Angela, o que a deixava transtornada.
- Eu estava caçando. – Ele apontou para alguns corpos estripados de cervos jogados abaixo das sacolas. Corpos que a bruxa não notara antes. – E vi você e a caveira. Eu gritei para te avisar, mas o bicho te atacou. Você caiu e eu o destruí. Então a trouxe pra cá.
- Mas... Eu sou humana! Porque me...
- Salvaria? – Dessa vez o minotauro ficou em pé e bufou alto, claramente aborrecido com o comentário. Angela fitou os pés e se perguntou se havia falado alguma coisa que não devia. Mas é verdade! Minotauros e humanos são inimigos declarados! – Nem todos os minotauros são cruéis. Nem todos odeiam humanos. Meu clã era pacífico. Vivíamos todos aqui muito felizes, sem incomodar humanos. Humanos não nos incomodavam.
- Eu lamento mas é que...
- Sou um monstro? – Ele bufou alto e chutou uma sacola. Instintivamente Angela buscou a varinha, mas não a encontrou. Ele deve estar tentando me enrolar! – Nunca lhe passou pela cabeça que minha raça vive como a sua? Nem todos humanos matam minotauros. Nem todos minotauros matam humanos. Eu apenas não queria ver vida inocente cair pelo Pentágono. Eles cruéis. Eu não.
Até agora Angela não compreendia porque se solidarizara com o minotauro. Se era por causa do modo engraçado e sério como falava, cortando frases quando não devia e falando coisas incompletas, ou se era porque ele também odiava Yöer. Ela se levantou e fez uma careta quando o ferimento nas costas doeu.
- Eu sinto muito. É que tudo é muito estranho agora, eu estou confusa... Lamento. – Não acredito que estou me desculpando. E que estou confusa. Decididamente as coisas estavam muito mudadas naqueles tempos.
Ele grunhiu.
- Tanto faz. Se eu fosse te matar o teria feito na campina. – Ele indicou o criado-mudo. – Suas coisas estão ali. Nada quebrou.
Ela correu e pegou sua mochila da primeira gaveta do móvel e checou. Tudo estava ali, intocado, bem como ela deixara. A varinha branca estava escorada ao móvel, completamente inerte. Sentiu-se então uma imbecil sem tamanho pelos seus atos.
- Sou Angela. – Decidiu dizer. Achava que era o melhor caminho para melhorar os laços entre eles, afinal, estava cansada e faminta. Não conseguiria viajar naquelas condições, até porque aparentemente já era tarde da noite. Iria ter de passar a noite ali.
- Eu Zoroast, da tribo de Akhun. Sou o último dos minotauros das Planícies do Caos. Todos os demais foram mortos pelo Pentágono. Não queriam se unir a eles.
- Ah... Lamento... – Um silêncio cruel pesou. Angela mordeu um dos pães que trouxera e constatou estar muito seco. – Eu morava em Venore. O Pentágono destruiu minha casa e matou minha companheira de quarto. Fugi da cidade porque o exército está indo atacá-la...
- Eles estão acampados perto. Não sei porque acampam já que todos estão mortos mesmo... – Zoroast baixou a cabeça e se ergueu. Andou até a carne crua dos veados e a examinou. – Vou comer. Tem fome?
Uma sensação estranha pesou dentro do corpo dela. Apesar de estar faminta, ela negou. Detestava carne, apesar de frequentemente trabalhar com cervos como cobaias em seu laboratório.
- Mais pra mim. – Ele sacou uma adaga e começou a cortar a carne de um jeito simples e displicente. – De qualquer jeito, deve dormir se quiser continuar sua viagem. Agora é noite. De manhã cedo você parte.
Ela concordou. Resmungando e sentindo dores fortes nas costas, deitou-se na esteira de bambu e fechou os olhos, tentando dormir. Acabara de dormir horas e horas, não estava com sono! Mas precisava repor as energias e se preparar para sua grande travessia continental. Esqueceu a fome e o lugar onde estava e foi deixando a mente vagar. Após horas perdidas ouvindo os ruídos de Zoroast cortar, cozinhar e comer a carne, saindo da tenda em seguida, ela finalmente pegou no sono. E o fato de estar em companhia de um minotauro não interferiu nisso.
"Crainte" é "medo" em francês.
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@Steve
Tenho que concordar que a comparação ficou estranha. Mas eu não pude encontrar um outro objeto para comparar decentemente, então ficou assim. Se puder pensar em um e me falar eu ficaria feliz em mudar ali. Quanto ao seu outro comentário, acho que o zack já disse o suficiente.
@Kamus
Está certo, estou pressupondo que todos os leitores conhecem o Tibia. Mas não adiantaria eu acreditar que um "não-tibiano" viria feliz da vida ler uma história de Tibia. Eu pelo menos acho pouquíssimo provável. Caso algum não conhecedor dessas estranhas terras viesse me mandar uma pm falando que gostaria de ler e que eu explicasse melhor esse lado, eu o faria sem problemas. Só estou seguindo essa minha crença, talvez errônea.
Sobre seu primeiro comentário, pode de fato estar certo. Mas eu acredito que terei toda uma história longa para falar da Angela, mostrar como ela é e aproximá-la do leitor. Eu preciso passar os fatos e preciso tornar a história compreensível, afeiçoável e boa e isso é complicado. Mas não se preocupe, anotei seu comentário e farei o possível para apresentá-la o suficiente para vocês o mais breve possível.
@Aos demais, obrigado por visitarem e comentarem ^^
Manteiga.
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