Um vento gelado percorre meu corpo. Abro os meus olhos. É o Outono que dá o primeiro sinal que está chegando.

Pego minhas coisas no chão, coloco a espada na bainha. Estico-me um pouco para curar as dores no corpo causadas por uma noite dentro da armadura. Não gosto de ser pego desprevenido.Espalho as cinzas da fogueira que fiz na noite anterior, e começo a rumar para a cidade que já pode ser vista à distância. Carlin.

A cidade-estado de Carlin não é uma cidade comum no Reino. Ela reivindicou sua independência do Rei Tibianus, embora o mesmo não a reconheça. A tensão entre o Rei e a Rainha Eloise de Carlin está sempre sobre o fio da navalha. Poucas pessoas acreditam que não haverá uma guerra em breve.

Cumprimento com a cabeça a guardiã que vigia o portão norte da cidade. Ela já me conhece de vista. A cidade evoluiu de uma tribo de Amazonas que acampava neste lugar, há alguns séculos, segundo o que Jerek me disse. Por isso, sua cultura é matriarcal, e os homens são um tanto menosprezados, sendo considerados inferiores.

A guardiã me vê e torce o nariz, olhando para o outro lado. Já esperava por isso.

Após passar no Depósito da cidade, me encaminho para um dos bueiros que dão acesso ao bar, para ver se consigo algum contrato. Precisamos de dinheiro para financiar a Tropa. Depois disso, procurarei Jerek para juntos cumprirmos a missão, caso consiga alguma. Isto está um pouco difícil de se conseguir, tendo em vista que só aceitamos trabalhos limpos.

Quando dobro a esquina, os sons de uma batalha chegam até mim.

No beco, dois homens em roupas estrangeiras, e rostos cobertos por bandagens cercam uma jovem. Alguém está caído aos pés da garota.

Saco minha espada e grito o hino da Tropa.

Quando estou a dois metros, um clarão e um barulho ensurdecedor me jogam para trás. Algo me faz lembrar do simpático dragão que Jordan me apresentou.

Levanto-me rapidamente forçando a vista para enxergar algo, e quando consigo, vejo a garota sorrindo, quase convencida e revirando os bolsos dos estrangeiros, agora caídos no chão. Uma feiticeira, pelo visto, pois deixa cair a Runa que usou para lançar seu feitiço.

“Você está bem, moço? Não queria te machucar, mas você inventou de se meter no meio...”

Antes que eu possa responder, duas guardas da cidade aparecem na esquina. Após uma rápida explicação da feiticeira, levam os copos dos estrangeiros e também o terceiro corpo, que parecia ser se um homem de meia idade, e pele morena. Não nasceu na região, pelo que posso ver.

Após levarem os corpos, a garota parece se lembrar que estou ali e se volta para mim sorrindo. Vai dizer algo, quando repara no símbolo gravado na placa peitoral de minha armadura e dá um gritinho.

“Você também é da Tropa?”

“Como assim, ‘também’?”, Pergunto eu, assustado.

Ela se vira , me mostrando as costas. O Símbolo está bordado em um enorme círculo nas contas de seu manto.

“Então já se conhecem?”, diz uma voz que ecoa pelo beco. Não teria como eu não reconhecer aquele sotaque. Era Jerek.

“Estava vindo para o Bar pra apresentar vocês dois. Gelidus, esta é Gwen Lilith, a mais nova feiticeira da tropa. Gwen, este é o General Gelidus.”

“General?”, pergunta ela, arregalando os olhos. Pergunto-me se o que passa pela sua cabeça seria como o General poderia ter sido apanhado por um ‘feiticinho bobo’.

“Bem...” Eu disse, tentando mudar de assunto, “será que você poderia nos contar o que aconteceu aqui?”

“Eu estava indo encontrar o Jerek no Bar, quando vi aqueles dois caírem de pau em cima do coitado que estava saindo pelo túnel. Apaguei os dois e tudo o que eles tinham nos bolsos era isso”.

Mostrou um pedaço de pergaminho para Jerek, que arregalou os olhos. Fiquei imaginando o que poderia ser mais assustador do que ouvir uma dama falar daquela maneira.

Quando me passou o pergaminho, vi uma lista que parecia ser de nomes. Os três primeiros nomes estavam ilegíveis, tendo sido manchados com algo que parecia sangue. O terceiro parecia estar manchado com sangue fresco, enquanto os outros dois já estavam secos.

“Uma lista de pessoas a serem assassinadas”, disse Jerek, com seu sotaque forte.

Olho novamente para a lista. O próximo nome da lista é “Arito”.

-Parece que alguém vai bater as botas – Disse Jerek, irreverente, enquanto acendia um cigarro.

-Temos que impedir. – Eu disse. Não poderia deixar algo assim acontecer.

-Abre os olhos, garoto. Nem sabemos quem é o tal...- Disse Jerek, enquanto dava uma baforada. – Além disso, temos metas a cumprir, certo?

-Espera... Onde está a menina? – Disse eu, enquanto olhava em volta. Jerek me acompanhou no olhar, mas ela havia desaparecido.

-Sei lá... Agora, voltando ao assunto, precisamos de grana para cumprir nossos objetivos. Sem dinheiro, sem exercito. Não dá pra sair por aí pulando de cabeça em qualquer aventura.

-Um homem vai ser assassinado. Você realmente não sente nem um pouquinho de remorso pelo que está dizendo?

-Nem um pouquinho... – Disse ele, com um sorriso cínico.

Ouvimos passos, e ambos nos viramos para ver Gwen chegar correndo na esquina. Aquele beco estava com uma agitação muito fora do comum para um dia.

-Ei vocês dois! Parem com essa baboseira. – Disse ela, quando recuperou o fôlego – A Rainha quer falar com vocês.

-Rainha? – Perguntei, achando a brincadeira um tanto fora de hora.

Olhei para Jerek, mas ele não pareceu estranhar nada, e simplesmente sorriu, da forma cínica que começava a me irritar.

Segui os dois, mesmo sem atender o que estava acontecendo.

Mas confesso que senti um frio na barriga quando nos aproximamos do castelo de Carlin.