Capítulo 3 – Do Outro Lado...
Ela está estranha hoje. Dormiu tarde, e acordou aflita, com algo lhe preocupando, mas não sei o que. Não quero perguntar...
Não. Na verdade eu gostaria de perguntar a ela o que a abatia tanto.
Mas isso poderia piorar nosso relacionamento já gasto. Como uma mulher de apenas vinte e nove anos anos, que ganha um bom salário, mora numa bela casa, cria um ótimo filho, tem um corpo de dar inveja a muitas garotas de vinte anos, um belo corpo com medidas extravagantes... Tem de tudo, como pode estar assim, tão triste?Será que sou eu, eu sou o culpado?
Sou?
Está certo que já cometi muitos erros durante nossa vida conjunta, erros grotescos, erros que para muitos seriam imperdoáveis, mas ela poderia ao menos falar comigo sobre o que está acontecendo!
Vejo Vanessa tomar um rápido banho, preparar o café e arrumar o Davi para levá-lo à escola. Não me dirige a palavra em nenhum momento.
Como se eu não estivesse ali...
Dá apenas um “tenha um bom dia” para mim antes de sair, e seus belos olhos castanhos continuavam com a mesma expressão de preocupada com a qual estava desde que tinha acordado, e consigo levava um livro na mão; o segurava firmemente, mas não importa o porquê disso ou o título do mesmo, tinha que me trocar para ir trabalhar também...
Me troco, ficando longos dez minutos arrumando meu cabelo, e mais quinze procurando as chaves do carro, e acho dentro de um brinquedo de Davi, criança danada! Assisto um pouco o noticiário antes de ir. Corinthians ganhou, filho da....
Entro no meu carro e o ligo, um simples Vectra, presente de aniversário que dei à Vanessa faz dois anos, mas que não o usou mais depois de sofrer um sérissimo acidente de carro há dez meses, na Marginal, ficando quatro meses internada no hospital onde nos conhecemos quando éramos jovens, e na qual eu ainda trabalho.
Saio da garagem e contemplo a rua onde moro, que é exatamente o que a maior parte de São Paulo não é: Bonita, bem-cuidada, limpa, com suntuosas casas enormes e belas, típico de um bairro de classe média-alta. Mas ao sair desta rua, se vê a verdadeira face da cidade: Feia, com carros cuspindo tanta fumaça que deixa o ar insuportável, com um tom cinza horrível. Prédios e mais prédios gigantes, abandonados, aos pedaços... Poluição e sujeira para todo lugar que se olhasse, pessoas solitárias e egoístas que só se preocupavam consigo mesmas.
Vanessa...
A chamam de “a cidade que não pára”, mas com trinta quilômetros de congestionamento, fica difícil, e só me restam vinte minutos para chegar ao trabalho...
São Paulo pode ser a cidade mais rica do país, mas de longe não é a melhor para se viver....
Chego ao hospital, coloco meu jaleco e já tenho serviço a fazer: Checar os resultados de raio-x da perna quebrada de um garoto, visitar uma mulher com câncer terminal, me encontrar com outro que sofre de tuberculose, enfim, coisas que para mim são rotineiras, mas que para muitos seria o fim do mundo ver e fazer; se sentem melhores fingindo que coisas assim nunca acontecerá com eles, só com os outros...
Será que eu deveria ligar para Vanessa?
Estava fazendo meu serviço, até que sou interrompido por uma enfermeira:
- Dr. Gustavo, temos um paciente no quarto treze com hematomas e escoriações por todo o corpo. Foi encontrado hoje de manhã desmaiado em um beco, a dez quilômetros daqui.
- Pode deixar, já irei dar uma olhada nele.
Deixo o paciente que estava atendendo em companhia com a bonita enfermeira, e vou ao já citado quarto treze, onde mais um infeliz me esperava.
Entro no quarto, e lá estava ele: Um rapaz, um jovem rapaz, mas não dava para calcular a sua idade, devido ao corpo e rosto estarem enfaixados e com graves ferimentos, na qual ele só não agonizava de dor pelo fato de ter recebido uma alta dosagem de morfina. Não há muito o que fazer, creio que não resistirá por muito tempo, infelizmente sou experiente nisso. Só checo sua respiração, os batimento cardíacos e a pulsação, e vou me retirando do quarto, mas antes peço a ficha do paciente para a enfermeira que tinha acabado de chegar.
Seu nome é Rafael. Rafael Santos de Almeida, de apenas 23 anos, muito jovem para lhe acontecer uma desgraça dessas. Não que deveria acontecer com os mais velhos, mas esse rapaz não aproveitou quase nada da vida, e já se encontrava à beira da morte...
Vou saindo, já pensando no que iria dizer à família do rapaz a respeito de seu grave estado. Isso se achassem algum parente do rapaz, já que com ele não havia nada que pudesse ajudar nisso. Minha conduta ética obriga a não esconder nada dos pacientes e seus familiares, e logo, também teria que dizer a eles que as chances de Rafael sobreviver sem a ajuda dos aparelhos seriam nulas. Já fiz isso diversas vezes, mas dar uma notícia dessas nunca é fácil, a parte que mais odeio... Talvez a única... Do meu trabalho.
Nisso, quando estou no corredor, que possuía uma cor depressiva, mas que ao mesmo tempo tranqüilizava o ambiente, reparo em um homem; um homem que normalmente não chamaria a atenção estando no meio de uma multidão, mas ali, tinha uma estranha conduta, e uma aparência um tanto quanto “curiosa”.
Não parava de dar voltas e mais voltas ao redor da entrada do quarto onde Rafael estava internado. Tinha uma aparência desleixada, com barba a fazer e com falhas, cabelos excessivamente grandes e lisos, que iam até a metade de suas costas... Poderia facilmente ser confundido com uma mulher... Vestindo uma camisa preta de uma banda de rock qualquer, e por cima uma jaqueta de couro, também preta, com um estranho volume no bolso esquerdo... E para terminar, usava uma calça jeans toda surrada e um tênis da Olympicus, falsificado, com certeza...
Fumava compulsivamente um cigarro, o levando à boca a cada dez segundos.
Mas, não é permitido fumar aqui!
Dirijo à ele de forma autoritária. Que mal educado, fumando em um local desses!
- Senhor, me desculpe, mas queira apagar o cigarro, aqui é proibido fumar. Temos uma sala especial para isso e...
Antes que eu terminasse de falar, o sujeito faz uma cara de reprovação ao meu aviso, visivelmente com raiva, e joga com ignorância numa cesta de lixo o que tinha sobrado da droga.
Em seguida dá meia volta e anda em direção ao banheiro, sem dizer uma palavra.
Definitivamente, hoje não era meu dia...
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