Capítulo III - A Criação do Dreamwalking (Parte II)
Teshial estava extremamente cansado. Trabalhar no vácuo exigia muito esforço mental. Ele decidiu repousar por alguns dias, tirar o vácuo dos seus pensamentos numa tentativa quase desesperada de não sonhar. Ele sabia como acessar a segunda dimensão, mas agora que aprendeu, não sabia nenhum método para reverter isso. Ele simplesmente ficava parado no vácuo, como se estivesse dormindo num sonho. Pôde descansar normalmente, pois não estava a trabalhar nem a pensar, apenas dormia.
O elfo não aguentava. Tamanha fora a descoberta, tamanha ainda era a sua curiosidade em saber os limites da segunda dimensão. Depois de algumas semanas sem trabalhar no sonho, Teshial voltou a criar objetos e buscar evoluções na descoberta. Criou novamente uma mesa e uma cadeira, exatamente como em sonhos anteriores, e procurava criar objetos maiores, como uma casa.
Num sonho, Teshial simplesmente encontrava-se em uma cidade. Perguntou-se diversas vezes como poderia ter feito aquilo, ou se a dimensão do sonho era realmente paralela à da vida real. Achou possível que alguma outra criatura pudesse ter descoberto tais fatos, mas isto seria extremamente difícil. Sonhos e mais sonhos, sempre no mesmo lugar, sem conseguir entrar vácuo. Ao andar pela tal cidade, lembrou-se da antiga Daeaith. Havia locais muito semelhantes à cidade nos velhos tempos, quando tinha uma mãe, era bem criado e feliz, embora não tivesse pai. Logo ele viu-se vivendo o passado, num sonho.
Três belas árvores com aroma de primavera, folhinhas parecidas com as de camomila caíam e espalhavam o aroma que já lhe dava muitas saudades. Ao lado delas, um pequeno montinho de terra com brinquedos de criança. Ah, bons velhos tempos!
Certo dia Teshial formulou hipóteses para tentar explicar a dita sequência de sonhos iguais, e concluiu que a mais óbvia envolvia seu sub-consciente. Ele podia estar recriando um passado do qual sentia falta, tentando reviver os bons tempos, tentando reviver as pessoas que lhe fazem falta, os lugares que lhe deixam saudades. Ele pôde notar também que toda a vez que abria a porta de sua casa, quando sua mãe o chamava, um clarão atrapalhava sua visão e ele nunca conseguia ver a face de sua figura materna. Quem sabe seu sub-consciente, sobrecarregado de tantos pensamentos e trabalhos, possa ter falhado ao lembrar do rosto de sua mãe. Ele tentava entender como pôde esquecer o rosto da primeira e única pessoa que fora boa com ele na infância, além disso, a pessoa que levou-o ao mundo.
Teshial acordou-se assustado, ouvindo fortes batidas na porta de seu casebre. Levantou-se rapidamente e vestiu uma roupa esverdeada, perguntando quem era.
- A única pessoa que mantém contato com você nos últimos anos, meu caro.
Já sabia de quem se tratava. Embora não exatamente, Sparlyn era como um aprendiz de Teshial, pois mais aprendia do que ensinava-o. Sparlyn fora rejeitado pelos seus pais, que tiveram-o por acidente. Ele foi entregue à uma família, e recebeu uma excelente criação, tornando-se um jovem simpático e inteligente, além de sentimental e otimista. Ele geralmente levava as notícias da cidade à Teshial, que mal saía de casa e fazia poucos exercícios dentro de casa apenas para manter-se em forma.
A casinha de Teshial era de madeira velha e de qualidade ruim. Sua casa não tinha qualquer pintura e possuía muitas brechas, principalmente no teto. O elfo conseguiu armar uns trapos e lajotas para escorrer a água em caso de chuva, tudo improvisado, afinal, Teshial viveu numa família pobre e sua casa atual era quase como uma mansão, perto de sua antiga residência. O casebre era apenas um cômodo. Era bem pequeno e possuía uma cômoda, onde ele guardava suas roupas. Havia uma pequena mesa e três cadeiras, além de um criado-mudo posicionado ao lado da cama, que era para uma pessoa e de madeira.
- Espere, irei abrir a porta.
Sparlyn entra e é convidado a sentar-se em uma das cadeiras.
- Pois bem, meu caro jovem, o que tens para mim? - Pergunta Teshial.
- Notícias nada boas, amigo. Ontem um encarregado de Cordae esteve aqui na cidade, para falar com o líder dos Lybael. Rola um boato de que os dois não entraram em concordância e há princípio de guerra na região. - Diz Sparlyn.
- Já esperava por isso. Cordae não costuma negociar, e a casta agiu de forma errada. Além do mais, esse modo de ganhar dinheiro é muito infantil para ser realizado por uma casta guerreira como essa. Agora com o fim da Mussel, a casta opositora, eles decidiram impôr domínio na cidade...
- Eu achei isto coisa de criança, afinal eles não podem com o exército do rei. - Disse Sparlyn.
- Não tenha tanta certeza. Os Lybael sempre agiram escondidos e podem muito bem ter fortes aliados agindo às escuras. Podem também armar contra o inimigo, sabotar, fazerem diversas coisas. Se eles forem aliados dos Riddar, a casta com os melhores assassinos, poderiam agir escondidos o tempo todo, dando apenas o golpe final em campo de batalha. Nunca subestime os Lobos Guerreiros, jovem.
- Você fala com se fosse experiente, Teshial. Você tem apenas uns três anos a mais que eu.
- É difícil explicar, mas sinto-me com mais de cinquenta anos, como se já tivesse vivido meia dúzia de décadas. Acredito que sou mais inteligente que um sacerdote, e os mesmos tem por volta de sessenta anos.
- És incrível. Cada dia que passa você descobre uma montanha de coisas novas.
- O conhecimento não tem fim, Sparlyn. É completamente impossível, em apenas uma vida, você saber de tudo.
- Bom, é a minha hora. Não posso me atrasar, daqui um pouco minha bela chegará em casa. Vou indo Teshial, até mais.
- Até. Cuide-se e não pare de buscar conhecimento.
As últimas palavras de Sparlyn lembraram-lhe poucos anos atrás, quando Vainky ainda era viva e ele perdeu a oportunidade de viver com ela. Perdeu a segunda pessoa que realmente amou, mesmo sem ter convivido com ela. Coisas como amor à primeira vista, sabe-se lá como isto é possível. Esta lembrança amarga o fazia estudar ainda mais tentando realizar o objetivo que mais queria.
Agora Teshial precisava descobrir como manipular a coisa mais difícil que pode existir, o próprio sub-consciente.