
Postado originalmente por
Favaru
@Caboom: Sinceramente você podia ter sido mais simpático com aquele cidadão. Se ele não quis ler, deixa ele. O primeiro capítulo é cansativo no começo sim, então não me surpreendo que ele não tenha passado das 2 primeiras linhas...
Não, não poderia ter sido mais simpático porra nenhuma porque o roleplay é meu e eu boto ordem do jeito que quero nele. Não fico mendigando qualquer comentário inútil aí como certas pessoas...
Aliás, o número de comments da história me surpreendeu e muito, sendo que logo no primeiro capítulo já passou das três páginas o0
Acho que foi o roleplay que foi mais comentado nos últimos meses logo no primeiro capítulo.
Sobre o Prólogo e o primeiro capítulo, eles foram escritos com o objetivo de serem confusos mesmo. Agora a história vai tomar o rumo que eu quero, a verdadeira história vai começar a sair, em um formato bem diferente. Agora mudei tudo, desde o modo de escrever, ao mundo, aos personagens, à complexidade, a tudo. A base da história foi formada e aqui está o resultado.
Eu não gostei do Prólogo e do primeiro capítulo. Achei tediante.
Mas esse eu realmente gostei.
Espero que gostem também.
Bjus do Barney.
E um tapinha no trazeiro.
Capítulo II
Projeto Babel:
E eles falaram sobre sal de fruta...
Ele abriu a sua barra de chocolate e começou a comer. Parou no meio do caminho e sentou-se num banco ali do lado, para descansar seus pés. Tirou os sapatos, esticou seu corpo e deu mais uma mordida no chocolate. Olhou para o alto, atrás de seus óculos redondos na ponta do nariz, vendo a grande copa da árvore que lhe fornecia sombra durante aquele momento. As folhas balançavam conforme o vento mandava, iam de norte a sul apenas com uma mudança na rota do suspiro da terra. Virou sua cabeça para baixo, inclinando-se. Já terminara de comer o chocolate. Tinha esse hábito de comer rápido: uma mordida, um espaço a mais preenchido no estômago. Apesar disso não era nem um pouco gordo, até magro para sua idade. Poderia ter algum tipo de verme parasita no estômago, mas seu jaleco que impunha sua posição social e intelectual fazia essa hipótese se tornar cada vez mais rala.
Ele se espreguiçou e começou a observar os arredores. Um grande jardim, um jardim artificial para ser mais exato. Era uma reprodução clara de uma das mais belas das sete maravilhas do mundo antigo; os Jardins Suspensos da Babilônia, mas com um toque futurístico claro, hortas e hortas de fotogênicos. Os Jardins de Creed, última criação de uma união de mega-empresas, o futuro da ciência básica que ajudaria na sobrevivência humana durante as próximas décadas. Todos sabiam que a terra iria explodir de tantos químicos, assim sendo, nos últimos vinte anos a ciência se dedicou inteiramente nas oportunidades de sobrevivência na Terra e suas possibilidades. Tudo fora testado e, agora, os Jardins de Creed são a última criação para testar novas estufas e a base das novas colônias espaciais que surgiriam logo após o experimento.
O homem olhou para o chão novamente.
Coçou a barbicha ruiva com o olhar preguiçoso, a mente pensando em nuvens e em salada de alface. As sobrancelhas, então, se ergueram para avistar alguma coisa ali, no solo, na grama. Grama verde que cobria todo aquele jardim. Visto de longe parecia que na frente do banco tinha um ponto azul, mas de perto se via claramente: um pássaro. Ele estava caído, iluminado por uma falha nas folhas da copa da árvore.
– Caiu do ninho, amiguinho? – Cochichou o homem, segurando o passarinho com as mãos enrugadas pelos químicos com os quais mexia constantemente – Vou te levar para a estufa.
E ele segurou o pássaro curiosamente azul, com peito branco, carregando-o em direção ao que parecia ser a estufa principal do jardim, que mantinha ligação com todas as demais. Ela era imensa, aspecto colossal por ter nela anexado o principal centro de pesquisa de Creed. O homem entrou em uma estrada de pedras brancas, que dava para uma fonte, onde lá perto se encontrava uma porta toda remendada por fetiches artísticos, arte greco-romana que, naquela época, considerava-se o auge do charme e da fineza. Ele inseriu algum código no aparelho ao lado da porta, fazendo-a abrir rapidamente, mostrando uma sala escura. Ele apertou um interruptor logo ao lado da porta, acendendo as luzes e mostrando algo que beirava um escritório ou algum tipo de laboratório.
Ele colocou o pássaro em cima da mesa branca no meio da sala, coçou um pouco o braço e andou em direção a uma cadeira de madeira logo ali perto. Sentou-se, espreguiçou-se, virou-se e pegou uma caixa de papelão de baixo da mesa. Arrancou uma revista de lá.
Abriu o zíper da calça e começou a folheá-la. Os óculos na ponta do nariz vislumbravam com atenção as mulheres da revista, a forma, o corpo, a sensualidade... Pornografia. Pode ser algo considerado até normal para um cientista de laboratório. Até que ele parou numa página. Dobrou a revista de modo que mostrasse apenas a mulher que ele tinha escolhido; ou melhor, a figura que o tal queria fantasiar. Colocou a revista na mesa e colocou a mão no pênis. Um sussurro, então, falou algo próximo dele:
– Vai se masturbar, seu vadio?
Na hora, ele parou e olhou para os lados, com os olhos um tanto quanto arregalados. Subiu o zíper e colocou a revista na caixa de papelão, levantando-se da cadeira e olhando para o teto e para a luz.
– Quem está aí?
– Eu...
E ele virou para trás, no exato momento, vendo que em sua frente estava apenas a mesa branca, onde estava deitado o pássaro. Ele girou a cabeça, buscando entender melhor, mexeu com a boca como se quisesse pronunciar palavras que mostravam sua confusão naquele momento. Palavras que não saiam. Viu então que o pássaro começou a se erguer, levantar-se lentamente. A asa caída, quebrada provavelmente. Os pequenos olhos olharam fixamente para o homem, este que também olhava. Troca de olhares prolongada aquela, vozes complicadas aquelas. O pássaro então, com sua voz fina, começou a murmurar.
– Você tem água aí?
O homem andou vagarosamente até a pia, pegou um copo de vidro e colocou-o para encher. O galão fez algumas bolhas enquanto o homem parecia estar tentando entender. Mas estranho não demonstrar isso. Talvez estivesse um tanto quando morto, um tanto quando usado demais para poder demonstrar alguma coisa ou algum sentimento. Pegou o copo e colocou-o na mesa, onde estava o pássaro. Esse tentou subir no copo, escorregando.
– Que diabos... Você não vê que to com a asa quebrada?
–... Claro, desculpe... – E ele segurou o copo no ar, na altura da mesa, de modo que o pássaro pudesse nele beber a água e matar a sede.
– Obrigado, companheiro – E começou a beber, bicada por bicada.
O homem olhava atentamente para o animal e suas bicadas na água. Parecia impressionado, mas ao mesmo tempo, parecia que não pensava absolutamente nada resolúvel. A sensação da confusão e da trégua, da preguiça de raciocinar, quando pego em um momento em que esse ato não é muito bem-vindo.
– Mas então... Você fala? – Fez a primeira indagação, o homem.
– O que você acha? – E continuou a beber.
– Não é todo dia que se vê um passarinho azul... E ainda mais falante – E esboçou um sorriso na face.
– Não mesmo – E ele caiu dentro do copo, já vazio.
O homem tirou-o de lá e os dois começaram a conversar.
Falaram de poesia, Napoleão Bonaparte, contos antigos – Em especial “As Viagens de Gulliver” –, sobre a teoria do caos, sobre as tsunamis, sobre bombas atômicas, re-citaram versos poderosos de filósofos que naquela época já estavam quase mortos. Falaram sobre a morte de Silvio Santos, grande empresário brasileiro, assassinado por um terrorista paquistanês em meados de 2007. As revoltas, a fúria das potências... Falaram sobre a recente cura para a Aids e para o câncer, sobre as mais novas doenças e, conseqüentemente, mais temíveis de todos os tempos. Falaram sobre armas químicas e poemas.
Falaram sobre a essência o amor: o sal de fruta.
Sim, e eles falaram sobre sal de fruta...
Isso até à meia-noite, quando mudaram de assunto.
– E aí? Todos de vocês falam e são inteligentes assim? – Indagou o moço com um sorriso no rosto, feliz com a conversa com o pássaro. Feliz com o bem possível delírio.
– Na verdade, acho que sou o único. E nem sempre foi assim...
– É de se estranhar que um pássaro comece a conversar do nada comigo sobre tantas coisas inteligentes. Realmente... – E ele coçou a cabeça, olhando para baixo logo em seguida, desviando o olhar –... Desde quando fala assim, pequenino?
Houve um suspiro, algo que como uma respiração profunda, uma pausa.
– Eu não marco tempo – E ele se virou de costas para o homem.
O pássaro de penas azuis começou a andar pela mesa, indo em sua outra ponta, sua extremidade mais longe dos braços humanos. Lá tinham alguns cadernos, todos escritos à caneta azul, uma letra sem capricho e escrita rapidamente, naquela folha amarrotada e em alguns pontos suja de café expresso. Logo ali do lado tinha um porta-retrato vazio, com uma foto ao lado, como que pronta para ser colocada no mesmo. Nela, apenas uma mulher. Linda, maravilhosa, elegante. Lábios lindos como um pedaço de tapete vermelho, daqueles que apenas os mais afortunados podem ter.
– Quem é essa? – Perguntou o pássaro.
– Elane... Minha ex-esposa.
O pássaro ficou em cima da foto por alguns instantes, observando a figura da mulher. Olhava profundamente na foto, olhava com um olhar... Bem, com um olhar de pássaro.
– Porque ex...?
– Eu me separei dela há alguns meses...
O pássaro olhou para o homem e sorriu.
Está certo. Pássaros não sorriem, não possuem lábios, não possuem dentes, não possuem músculos faciais para realizar tal movimento. Mas ele sorriu mesmo assim, sem explicação, sem resposta. Não precisamos de resposta. Precisamos de perguntas. É assim que o homem e o pássaro vivem: de perguntas, apenas perguntas confusas.
– Mas isso é passado – Disse o homem pegando a foto e colocando-a em outra mesa cheia de frascos vazios e murais com contas algébricas incalculáveis –... Elane nem mesmo está entre nós.
–... Morreu?
E os dois falaram sobre a morte, sobre a vida, sobre a magia. Falaram sobre acidentes de carro que aconteceram ontem de tarde. Falaram sobre a noite passada. Sobre embriaguez em um bar qualquer por aí. Falaram sobre um revólver próximo da cabeça, sobre um computador. Sobre um jogo. Sobre bonecos não-pensantes. Sobre o alívio.
Falaram então, mais uma vez, sobre sal de fruta.
– Vou te contar uma coisa – Disse o pássaro.
– Sobre o quê? – Perguntou o homem, indo até o armário para pegar mais uma daquelas garrafas de uísque alemão.
– Sobre o tempo.
E o homem parou e olhou para o pássaro. Ele guardou a garrafa, fechou o armário e sentou-sena cadeira virada para o passarinho. Ajeitou seus óculos na cara.
– Diga então o que tem que dizer.
O pássaro então deu um pulo da mesa, indo ao chão. Atravessou o piso, subiu o armário perto da pia, chegando em um canto escuro, onde tinha apenas uma ampulheta. Sim, uma ampulheta. Daquelas de areia, feita do modo mais arcaico possível. Ele se aproximou do marcador de tempo e o deu uma patada. Imediatamente o homem se levantou em um salto. A ampulheta estava em estilhaços, com a areia esparramada pelo chão.
– Mas que merda você pensa que está fazendo?
– Está vendo a areia? – Disse o pássaro, com uma calma que emitia angústia no coração de qualquer um.
– Claro que estou – E olhou para os grãos no chão. Explodiu, com um grito – Essa ampulheta eu ganhei de Elane! – E ele sentou na cadeira, com as mãos no cabelo, posição clássica de tristeza, de desespero, de angústia. Sim, a calma trouxe angústia como eu disse.
O pássaro pulou da mesa e começou a andar pelos grãos.
– Está vendo essa areia?
– Já disse que estou...
– Sem ela, a ampulheta não passa de um simples pedaço de madeira, de um mero objeto inútil – Dizia, como que ciscando entre os grãos e os cacos de vidro – O tempo em si precisa de algo que o sustente para ser o que é... Assim como essa ampulheta precisa dos pequenos grãos de areia.
– E daí? – Disse o homem, na evidente ironia.
– E daí é que um dia eles acabarão.
E o pássaro cortou as patas nos cacos de vidro.
– Sabe o que acontece quando esses grãos acabam?
Foi então que o pássaro esfregou suas patas no azulejo. A forma? Apenas uma marca de sangue. Sangue, apenas isso. Vermelho líquido. O homem olhou com atenção, com o olhar que queria e que estava faltando para eles falarem algo mais além de coisas inteligentes. Ultrapassarem esses limites.
– Sangue... – O homem murmurou.
– Exatamente.
E o pássaro subiu novamente na mesa, onde estava a porta-retrato e a foto. Subiu nos cadernos, manchando-os de sangue. Mas não fazia mal, já estavam quase que ilegíveis com tantas manchas de café. Começou a folheá-los. O homem apenas olhava com atenção cada movimento, com uma astúcia, já que sabia que o pequeno “animal” não devia estar mexendo ali. O pássaro, então, parou em uma página.
No topo, em negrito e itálico, duas palavras:
“Projeto Babel”
Talvez esse fosse o único ponto do caderno de anotações que não continham manchas de café nem cortes logo no meio das frases. Poderia até narrar o que dizia em todo o resto da página, mas no momento seria impossível, já que imediatamente que tinha caído naquela folha, o homem já tinha fechado o caderno. Apenas as duas palavras foram vistas e lidas.
– O que você quer? – Perguntou ele, com o caderno na mão.
– Babel... Acho que isso pode ajudar, não?
– Do que diabos você está falando?
O pássaro virou-se, andou pela mesa. Revirou-se.
– Qual seu nome? – Perguntou ele.
–... Guido. Guido Lübke.
– Sou Gad, prazer – E ele sorriu.
Eu sei. Pássaros não sorriem. Mas aqui ele sorriu sim. É fato.
Fato...
Um Fato...
Apenas um único fato.
...
E eles voltaram a falar sobre sal de fruta...