Capítulos 21 & 22 - Wyverns & O anjo da morte:
Bom dia!
Trago novidades.
Primeiro: esta história agora pode ser lida também no meu site, com uma formatação - assim eu espero - talvez um pouco mais amigável. Além disso eventualmente postarei lá também outras fics! A história continuará sendo publicada no TBR (enquanto ele durar ).
Além disso, trago os dois capítulos que fecham o PoV de Wil na Parte I. Estamos praticamente no fim; depois, faltará apenas o último interlúdio!
Espero que gostem.
Spoiler: Capítulo 21
Capítulo 21 - Wyverns
Wiler Benson - Monte dos wyverns
Os oito thaianos haviam chegado aos pés da montanha que, na língua dos homens, era conhecida como monte dos wyverns. Elenshael, como seus companheiros élficos o chamaram.
Apesar de aquele já ser território pertencente aos orcs, não se via nenhum deles. Toda a vastidão das planícies gramadas que precediam Elenshael, e do terreno mais acidentado e rochoso que se estendia além, parecia repousar em um silêncio absoluto. Ouvia-se apenas o sussurro do vento e o ocasional bater de asas de alguma ave de rapina. Os olhos perspicazes de Lucius e Hal, os paladinos batedores, não identificaram uma mísera forma de vida caminhando ou rastejando em canto algum.
Além, é claro, dos wyverns. Eles faziam questão de não esconder sua presença, e os thaianos os viam, sobrevoando seu ninho negro.
O monte dos wyverns era um promontório de cume agudo, que devia ter pelo menos uns dois mil metros de altitude. Sua superfície era coberta de rocha negra, marrom e cinzenta, e havia pouca ou nenhuma vegetação sobre suas inúmeras facetas nuas. Wil poderia imaginar que seu nariz e olhos lhe pregavam peças, mas jurava que o lugar emanava uma leve e quase imperceptível fumaça esverdeada, e exalava um cheiro fétido. Não era um odor de nada que pudesse reconhecer, mas sugeria algo doentio. Os wyverns, afinal, contaminavam qualquer lugar onde resolvessem se aninhar. Nesse sentido, eram como os duendes.
Aqui e ali, em diversas alturas do monte, viam-se pequenos buracos negros: cavernas que penetravam na rocha. Do sopé de Elenshael, onde estavam os thaianos, elas pareciam pontinhos diminutos, mas os guerreiros sabiam que as aberturas deveriam ter vários metros de diâmetro. Afinal, eram tocas de wyverns.
– Onde é que os malditos orcs se esconderam? – exclamou Trent, olhando em todas as direções.
– Pois é. É quase como se estivessem nos convidando a se aproximar – comentou Mart.
– Provavelmente, os orcs não têm muita necessidade de defender este pedaço de sua terra – disse o comandante Artos. – Os wyvern devem fazer um excelente trabalho de afugentar intrusos. E os orcs hão de ter caminhos secretos para saírem e entrarem sem precisar passar perto daqui.
– Nada com o que não possamos lidar – disse Maxwel, animado, com os olhos brilhando, enquanto olhava para a vastidão do monte acima de si, no alto do qual alguns wyverns sobrevoavam, como urubus imensos, sem se aproximar. – Quem aqui já enfrentou um desses?
– Já abati alguns. Não sozinho – respondeu Lucius, olhando com seus olhos negros, estreitos e afiados de caçador para os monstros alados. – A pele não é tão dura quanto a de um dragão. Uma flecha certeira no centro do peito pode dar conta do recado.
Maxwel assentiu.
– Ainda assim, não devemos subestimá-los. Suas garras não são poderosas como as de seus primos superiores, mas ainda têm o tamanho de nossos dedos da mão. Seus corpos não possuem a força ou os músculos dos dragões, mas um deles ainda dá dois de vocês em peso. E o que é pior: cada centímetro de seus corpos é coberto de veneno mortal. Presas, garras, espinhos dorsais e nas asas de morcego, sua própria saliva e hálito. Foram feridos por um wyvern? É melhor rezar que nossos magos estejam por perto para salvar suas peles, ou que estejam carregando antídoto.
– Espero que a quantidade que os elfos nos deram seja suficiente – disse Wil.
– Como prosseguiremos a partir daqui? – perguntou Hal.
Artos apontou para algum lugar à direita, no sopé do pico. Ali, parecia haver uma entrada cavernosa, apropriada para humanos ou alguém de tamanho semelhante.
– Podemos explorar o caminho por aquela caverna – disse o comandante. – Tenho um pressentimento de que não seremos felizes se continuarmos tentando avançar a céu aberto além deste ponto. Não quero wyverns nos atacando em terreno exposto. Tentar atravessar os rios, com todo o equipamento, seria pior ainda, e seríamos trucidados se fôssemos apanhados ali.
O pico alto e nevado de Elenshael dava origem a dois rios, cada um seguindo em direções opostas, para o norte e sul. Quando a água acumulada chegava aos pés do monte, já dera origem a cursos d’água de tamanho considerável, que segundo se sabia, eram muito fundos para serem vadeados. Os dois rios, em conjunto com a montanha no centro, formavam uma barreira natural que impedira, no passado, a conquista total dos territórios orcs pelos humanos.
– É nossa melhor aposta – disse Maxwel, com um aceno de cabeça.
– Só espero que a tal passagem não acabe sendo apenas uma caverna rasa – comentou Lucius, lúgubre.
– Ou que sejamos apanhados por algum outro tipo de monstro ali – disse Mart.
– Não pode ser pior do que os wyverns. Avante, homens. E vamos permanecer sempre juntos – exclamou o comandante.
Assim, os guerreiros venceram a distância que os separava do monte, em silêncio, cada um remoendo seus próprios pensamentos sombrios.
Wil só pensava nas criaturas agourentas sobrevoando o morro acima de si, e em como seria ter de enfrentar algum deles. Por vezes, era possível ouvir o bater das asas coriáceas de algum wyvern que voava particularmente próximo, ou mesmo suas grasnadas agudas, similares às de alguma ave de grande porte.
Além disso, haveria os próprios orcs além daquele ponto. Nada naquela terra gelada e áspera era amigo de thaianos. Wil se perguntava até onde teriam de ir, até que dessem a missão por encerrada. Quando o comandante iria mandá-los retroceder? Até onde guerreiros como Maxwel ou Trent iriam, apenas com base em sua coragem? Certamente não estavam pensando em invadir Ulderek com uma força de oito homens. Isso se chegassem até lá.
– Cavaleiros na frente – disse o comandante, e seus homens entraram na formação padrão.
– Utevo lux – sussurraram várias vozes, e fez-se a luz mágica assim que penetraram na caverna.
Era seca e deserta, pelo menos, e parecia relativamente limpa - excetuando-se aquele vago fedor tóxico que parecia se espalhar por toda a extensão da montanha, e que era mais forte ali. A caverna em si era constituída de uma ampla câmara de formato mais ou menos circular, cujo teto era salpicado de estalactites imensas, algumas das quais quase chegavam ao chão terroso. No lado oposto ao da entrada, havia vários outros buracos que pareciam levar a lugares mais profundos na caverna.
– E agora? Escolhemos um? Saberemos como voltar depois? – perguntou Mart.
– Corda – falou Lucius. – Quanta temos?
– Acho que o bastante para o que você está pensando – disse Hal, com um ligeiro sorriso e um aceno aprovador de cabeça.
Todos os homens retiraram de seus fardos toda a corda e barbante que tinham: no total, devia haver algumas centenas de metros. Amarraram uma ponta de uma corda em uma estalactite na entrada da caverna, e então escolheram um dos corredores internos para explorar. Lucius ia atrás de todos, amarrando fios de barbante e soltando-os pelo caminho.
– Alto – disse o comandante a certa altura. Wil calculava que já deviam ter penetrado na caverna uma centena de metros, e pareciam estar se dirigindo levemente para cima. – Bifurcação.
– O caminho da direita parece levar mais para cima – julgou Maxwel.
– Vamos por ele – disse o comandante. – Pode ser que acabemos encontrando uma saída do outro lado dos rios.
O que se ouvia era apenas os passos pesados de dezesseis botas pisando o chão de terra seca, e os ocasionais grunhidos de algum homem que tropeçava ou pisava em algo. Tudo o mais era silêncio. A quietude no interior da caverna, cujos túneis indubitavelmente cavados por mãos inteligentes eram baixos e estreitos, era perturbadora. Em certo momento, Wil percebeu o barulho do que parecia água corrente chegando aos seus ouvidos.
– Estão ouvindo isto? – ele perguntou, e sua voz lhe soou estranha após os vários minutos de silêncio no qual estiveram até então.
– Sim; devemos estar perto de alguma saída. Deve ser um dos rios correndo na face da montanha – disse Lucius.
A previsão de Lucius se mostrou correta: o caminho estreito, percorrido pelos thaianos em fila indiana, começou a ficar iluminado por uma luz natural que foi ficando mais forte, até tornar a luz mágica desnecessária. Ao fazerem uma última curva, o fim do túnel apareceu diante dos guerreiros.
– Agora, cuidado – advertiu o comandante Artos, fazendo os homens pararem na saída da caverna –, pode haver wyverns logo aí fora. Cavaleiros, comigo; escudos à postos. Os outros, preparem-se.
– Utamo vita – sussurraram Mart e Norton, em uníssono, e Wil pôde discernir o leve brilho azulado, quase invisível do escudo mágico conjurado pelos magos em volta de si. Lucius segurava o arco, com uma flecha já encaixada. O próprio Wil muniu-se de seu escudo e espada, e seguiu Artos, Maxwel e Tent para fora da caverna.
A geografia naquela face da montanha era bastante diferente da do lado pelo qual vieram, talvez pela presença do rio próximo, cuja forte corrente à direita agora produzia um barulho ensurdecedor enquanto descia pela encosta íngreme. Ali, árvores retorcidas e arbustos montanhosos ocultavam parcialmente a presença dos homens, conforme iam saindo da caverna. Wil julgou que deviam ter subido quase cem metros.
Encontravam-se numa espécie de plataforma que parecia ter sido escavada artificialmente na face da montanha, e seguia para ambas as direções a partir da saída do túnel. Ela não permitia que duas pessoas se pusessem lado a lado, portanto, os homens foram novamente se enfileirando conforme iam saindo do túnel. Para a direita, ficava o rio, dificultando o seu progresso. Logo, começaram a marchar para a esquerda.
– Até onde será que vai esse caminho? Bastante conveniente – perguntou Hal.
– Espero que até o solo firme – falou Trent.
– Cuidado, há pedras lisas de limo aqui. Se escorregarem, vai ser uma queda dolorosa e espinhosa até o chão lá embaixo – falou o comandante Artos, que ia à frente, testando o caminho de maneira cuidadosa.
– E fiquem de olho nos malditos wyverns – completou Maxwel, olhando para o restante da montanha acima.
Tudo parecia deserto e pacífico. Por algum motivo, longe de tranquilizar Wil, aquele fato fez com que um bolo se formasse em seu estômago.
– Estão vendo ou ouvindo algo? – perguntou Norton.
– Nada – respondeu Lucius, tenso. Wil percebia que o paladino tinha a expressão tensa de quando estava muito concentrado na hora da caça.
– Maldito seja – praguejou Trent, no mesmo instante em que escorregava numa pedra solta. O cavaleiro só não resvalou pela estreita plataforma e rolou morro abaixo porque a rápida manzorra de Maxwel o segurou. Por pouco, o cavaleiro de elite não se desequilibrou e rolou junto com o companheiro.
– Eu disse para ter cuidado – exclamou o comandante Artos, por entre dentes.
– Você está bem? – perguntou Maxwel, enquanto puxava Trent de volta.
– Não foi nada – respondeu Trent, mas sua face ficara pálida como a de um carliniano.
– CUIDADO! – gritou Mart.
Wil só teve tempo de perceber a sombra massiva que cobriu os sóis sobre si, e de colocar seu escudo à sua frente. As garras do wyvern, que de fato tinham o tamanho de dedos humanos, perfuraram o escudo de madeira do cavaleiro. O wyvern, que esvoaçava acima de Wil, fazia um barulho ensurdecedor enquanto tentava soltar seu pé, meio reptiliano e meio aquilino, do escudo, batendo as asas loucamente. Wil fazia força para não ser jogado para lá e para cá com os movimentos da criatura. Sentia que seus pés começavam a deixar o solo da plataforma. O wyvern o estava levantando enquanto tentava alçar vôo e desembaraçar-se do escudo.
Wil debatia com seus pés, agora completamente fora da plataforma, enquanto tentava acertar o pé ou a perna coriácea e musculosa do adversário. Sua espada bastarda conseguiu rasgar um tendão na área que imaginou ser o tornozelo do wyvern. O monstro urrou, e de seu ferimento jorrou um sangue esverdeado. Wil notou que as garras enfiadas em seu escudo secretavam um líquido verde similar, que escorria pela madeira e pelo braço do cavaleiro. A própria saliva do wyvern, escapando em bicas por entre os dentes afiados em sua cabeça de crocodilo, pingava por todo lado e começava a fumegar. Veneno.
– Puxem o Wil! – gritou Artos, e ele, Maxwel e Trent seguraram Wil, para impedir que o wyvern o levasse mais para o alto. Os três foram capazes de conter o avanço da criatura. Ao mesmo tempo, Lucius enfiou uma flecha no lado esquerdo do peito do monstro, e Hal, um virote no direito. O wyvern berrou novamente, e começou a perder as forças.
– Tire o escudo, Wil – sibilou Maxwel. – As garras não vão soltar, e logo a besta vai desabar morro abaixo.
Wil assentiu, e removeu as alças de mão e do antebraço do escudo. Havia, no entanto, uma alça passada no ombro, na transversal. Esta resolvera ficar emperrada na armadura de correntes do cavaleiro.
Então, o wyvern foi assaltado por mais flechas, e também por algum feitiço de fogo de Norton, do qual Wil vira apenas o clarão e o calor. Parou de bater as asas. Wil observou com horror a gravidade começar a puxar o monstro recém abatido para baixo. Ao mesmo tempo, percebeu Maxwel praguejar, e tentar cortar a alça de ombro do escudo de Wil com a espada. Ainda viu, pelo canto do olho, a silhueta de outros dois wyverns se aproximando pelos dois lados da fila, pousando e cercando os companheiros.
Maxwel conseguiu cortar a alça, mas um momento tarde demais. O wyvern morto desabou pela face do morro, dando um puxão no corpo de Wil no último instante em que o cavaleiro ainda estava conectado ao escudo. Maxwel tentou segurá-lo pelo antebraço, mas o braço de Wil estava cheio do veneno escorregadio do wyvern. Ele escapou por entre os dedos do cavaleiro de elite, e caiu.
– Utamo vita sio! – Wil ouviu Mart exclamar. Um escudo mágico quase invisível envolveu Wil.
Por alguns instantes, toda a percepção de Wil foi tomada pelos movimentos que ocorriam à sua volta. Os gritos, produzidos em uníssono pelos companheiros, ao perceberem o que estava acontecendo. Os urros do wyvern, em seus últimos instantes de vida, enquanto escorregava pela encosta, levando Wil consigo. O vento, enregelante na altura em que estavam, cortando a pele de Wil, enquanto ele despencava, se agarrando como podia ao ventre do monstro. A sensação das escamas na barriga do wyvern. O mundo girando, conforme monstro e cavaleiro, parceiros naquela dança estranha, rolavam morro abaixo. O cheiro reptiliano, misturado com veneno e sangue…
Dez segundos depois, tudo chegara ao fim. O wyvern estatelou-se no chão, com um barulho alto, e Wil sobre ele. Os tecidos moles da criatura amorteceram sua queda. Além disso, o escudo mágico de Mart fizeraum bom trabalho de protegê-lo da maior parte dos arranhões e contusões que teria sofrido na queda pela montanha. Estava vivo.
Ainda assim, seu corpo estava sujo, ensanguentado, e cada parte doía. Suas entranhas pareciam estar pegando fogo, e era como se uma faca tivesse sido enfiada no meio do peito. Wil tentou respirar fundo, mas precisou parar, pois ao fazê-lo, a pior dor que já sentira na vida perpassou o lado de seu corpo. Devia ter quebrado uma costela, ou várias. Seu joelho esquerdo também doía horrivelmente. Ele só esperava ainda conseguir andar.
O último movimento do wyvern fez Wil escorregar pelo ventre da criatura, que exalava sangue venenoso de inúmeros ferimentos pequenos, e também dos buracos feitos pelos projéteis de Hal e Lucius. Wil desabou no chão mais uma vez, e o impacto o fez gritar de dor.
– Exura ico – pronunciou o cavaleiro, com o fôlego que lhe restava. O feitiço básico de cura, um dos poucos disponíveis para a guilda dos cavaleiros, aliviou um pouco o seu sofrimento. Pagou por ele com uma boa parte de sua mana.
Apesar de ainda estar inteiramente dolorido e com os membros fracos e trêmulos, Wil conseguiu se pôr de pé. Olhou para o alto, de onde julgou que tinha caído. Havia sido uma queda de pelo menos cinquenta metros. Wyverns rondavam toda aquela área, sem dúvida ocupando os companheiros. Os thaianos pareciam ter sido divididos em dois grupos, que lutavam em pontos diferentes da encosta, cada um deles atormentados por dois ou três wyverns esvoaçando sobre si.
Então, o jovem cavaleiro observou alarmado, com um soluço, quando outro corpo despencou da montanha. A armadura metálica da vítima reluziu sob o sol enquanto ele rolava e caía. Um dos cavaleiros. Qual deles? Wil não conseguiu identificar.
De qualquer maneira, o companheiro caído não dispunha de um wyvern para amortecer sua queda. Estatelou-se no chão.
Wil tentou correr na sua direção, mas acabou apenas mancando na maior velocidade que pôde. Ainda não conseguia identificar quem havia caído. Receava olhar o estado em que estava o companheiro. Poderia ser Maxwel? Wil não acreditava que o cavaleiro de elite teria sido jogado do penhasco. Talvez fosse Trent…
Seu avanço foi impedido. Um wyvern pousou entre ele e o companheiro caído, fazendo os cabelos negros de Wil balançarem com o vento produzido por suas asas. A criatura ergueu o pescoço serpentino até que sua cabeça ficasse muito acima da de Wil. O monstro encarou-o com olhos verdes faiscantes. Por entre seus dentes afiados, escapava a baba venenosa.
Wil encarou o inimigo. Não tinha mais escudo. Segurou sua espada bastarda com as duas mãos, e engoliu em seco.
Spoiler: Capítulo 22
Capítulo 22 - O anjo da morte
Wiler Benson - Monte dos wyverns
Wil apenas olhava para o adversário. Inerte. Alerta.
Por alguns momentos, o wyvern nada fez além de o fitar de volta, com olhos que pareciam brilhar de fúria. Talvez ele soubesse que Wil estava debilitado pela queda, e fosse presa fácil. Ou vai ver estivesse furioso pela morte do companheiro, que caíra junto com o cavaleiro, e quisesse se vingar.
Wil não fez o primeiro movimento. Seus companheiros, de mentes mais alinhadas com o código dos cavaleiros, poderiam ter avançado com tudo o que tinham para cima do wyvern. Trent sem dúvidas o teria feito.
O wyvern movia seu pescoço comprido e magro para lá e para cá. Por vezes, uma língua bifurcada saltava para fora de sua mandíbula comprida, salivando. Wil acompanhava cada movimento. Incitava-o a atacar. A criatura cravava seus membros dianteiros, transformados em asas membranosas feito um morcego, no chão. Na ponta de cada braço-asa havia uma única garra pontuda e curva. Os espinhos dorsais da criatura corcunda tinham o mesmo formato. Era como um lagarto-morcego enorme e repulsivo.
O wyvern investiu com a boca, e Wil interpôs a espada. A criatura recuou.
– Utani hur – exclamou o cavaleiro. O feitiço o ajudou a recobrar um pouco mais de seus reflexos e forças.
O monstro avançou um passo. Sua garra cravou-se na terra novamente, e ele cuspiu veneno na direção de Wil. O cavaleiro esquivou-se.
O wyvern atacou novamente, e Wil saltou para o lado e investiu contra seu pescoço vulnerável. Produziu ali um pequeno corte que derramou sangue esverdeado. O wyvern gritou, e começou a bater as asas, impaciente.
– Vamos, feioso – disse Wil, entre dentes. – E agora?
Seu adversário começou a voar uns dois metros acima do chão, expondo o abdômen.
– Exori ico – exclamou Wil, concentrando-se. Aquela era a única magia de combate direto de que dispunha. Era como uma mini versão do tremor, concentrada em um ponto da escolha do cavaleiro. Ao pronunciar as palavras, sentiu sua mana quase se esvair por completo, e sua força física ser projetada para fora de si, na direção da barriga do wyvern.
Atingiu-o em cheio, e o impacto fez o monstro aéreo ser arremessado para cima.
– Pensou que eu não conseguiria te pegar aí? – gritou Wil.
Wil esperava fazer a criatura entender que não tinha opções seguras. Se atacasse pelo chão, ele investiria contra seu pescoço comprido e desprotegido. Se tentasse sobrevoar acima de si, o acertaria com magia.
Parecia estar funcionando, pois o wyvern aterrissou, espumando.
Era um blefe. A mana de Wil estava quase no fim, e julgava que só teria capacidade para mais um ou dois impactos. Se o wyvern resolvesse se manter acima de si, atacando pelo ar, ele não teria chance nenhuma. Por sorte, o lagarto não parecia muito inteligente. Permaneceu no chão, investindo em intervalos periódicos.
Wil dançava com o wyvern, acompanhando seus passos, olhando no fundo dos olhos com pupilas verticais do inimigo. Quando o wyvern dava um passo para o lado, fincando um de seus pés delgados na relva, Wil o imitava, sempre mantendo a espada à frente, como um enorme espinho no qual a criatura poderia se espetar.
Mas então, em certo momento, o wyvern começou a fazer algo estranho. Parou completamente suas investidas, empertigou-se e recolheu suas asas marrom-escuras para junto de si. Então, começou a balançar a cabeça para lá e para cá, como se estivesse executando um estranho ritual de acasalamento. Ao mesmo tempo, ruídos ritmados e guturais saíam do fundo de sua garganta.
Era quase como uma espécie de canção.
Wil piscou os olhos. Por que agora existiam dois wyverns?
Seu inimigo se multiplicara. Um segundo wyvern saiu de dentro dele, e agora dançava ao seu lado, exatamente no mesmo ritmo.
Wil deu um passo para trás. Seu pé lhe pareceu muito pesado.
– Utani hur – exclamou o cavaleiro, franzindo o cenho. Ele sentiu sua mana ser consumida até chegar praticamente ao fim, mas nada aconteceu. Já estava sob o efeito do utani hur.
Por que, então, se sentia tão letárgico?
As árvores e plantas ao redor também começaram a se multiplicar. O mundo girava. Quando deu mais um passo incerto para trás, Wil quase tropeçou e foi ao chão.
O wyvern voltou a ser um só, e investiu contra o cavaleiro. Wil julgou que o olhar da criatura era triunfante.
A mente do thaiano estava embotada, e seus reflexos muito prejudicados por alguma estranha razão. Viu o wyvern se aproximando com seu bote de serpente, mas tarde demais. As presas da criatura morderam o ombro de Wil.
Sua armadura absorveu a maior parte do impacto, mas um dos dentes do adversário encontrou uma parte de seu corpo coberta apenas em couros, e não em metal. A dor invadiu o ombro de Wil como uma flecha venenosa. Sentiu o bafo tóxico do wyvern, e o veneno inoculado em suas veias. Ergueu a espada e enfiou-a no pescoço do wyvern, imprimindo no golpe toda a força que tinha.
O monstro recuou, com um corte profundo no pescoço do qual jorrava sangue.
Wil tossiu e cuspiu. Suas pernas fraquejaram, e ele caiu de joelhos. Quanto tempo teria até que o veneno do wyvern o dominasse? Havia de ter um frasco de antídoto em um dos bolsos. Todos haviam recebido um. Por que demorara tanto para se lembrar disso? Seu intelecto, sua maior arma, lhe falhava.
O cavaleiro retirou um frasco do antídoto de um dos bolsos, e o bebeu com lentidão. Começou a se sentir melhor. O mundo ainda girava, e ainda era como se uma bola de chumbo houvesse sido colocada em cima de sua cabeça.
O wyvern atacou novamente; desta vez, com a imensa garra da ponta da asa. Wil fez um grande rasgo na asa do adversário, ao mesmo tempo em que a garra cortava seu braço. De novo sentiu o veneno circulando dentro de si.
Não era justo, pensou o cavaleiro. Seu oponente tinha veneno, ele não. Iria perder a luta. Encontraria seu fim logo na sua primeira missão como cavaleiro de Thais. Nunca seria um Maxwel, um Artos, ou mesmo um Trent.
Desta vez, o wyvern avançou com muito mais confiança. Esvoaçou e caiu sobre o cavaleiro, derrubando-o com uma de suas pernas traseiras musculosas. Fincou a garra sobre Wil, prendendo-o no chão sob si. Wil ainda conseguiu enfiar toda a extensão de sua espada no bucho da criatura.
Era provável que ambos acabassem mortos naquelas planícies rochosas, pensou o cavaleiro, enquanto o monstro mordia seu braço com suas últimas forças.
O próximo pensamento de Wil foi de que aquele seria o momento perfeito para usar o tremor. O trunfo de um cavaleiro. Jamais teria a chance de aprendê-lo. Nunca iria aprender uma série de outras coisas a respeito de ser um guerreiro. Ainda assim, sendo aquele seu último momento, não custava nada tentar…
– Exori – exclamou Wil, com o restante de ar que tinha nos pulmões.
Mas, é claro, não conseguira executar o tremor com a ínfima quantidade de mana de que ainda dispunha. Sentiu o resto dela se esvair, e nada aconteceu. Um novo fracasso. Wil resignou-se ao seu destino, e deixou de lutar.
Então, o wyvern caiu para o lado. Wil percebeu que uma flecha penetrara no flanco da criatura.
– Rapaz! – exclamou uma voz conhecida. Uma voz muito bem-vinda. – Você está vivo?
– Por muito pouco – balbuciou Wil, surpreendendo-se com o quão fraca estava sua voz.
Lucius, seu salvador, se aproximou. O paladino retirou de um bolso um frasco de antídoto, e fez o cavaleiro engolir.
– Estes ferimentos estão feios – disse Lucius, com uma careta desfigurando o rosto magro. – Tomara que o antídoto seja o bastante. Como está?
– Melhor agora – respondeu Wil, sentindo o antídoto combatendo o veneno dentro de si. Sua cabeça também parecia menos enevoada. Sentou-se com dificuldade. – Alguma coisa aconteceu comigo. Minha cabeça e meus reflexos de repente começaram a ficar muito pesados. Era como se…
– Como se você tivesse ficado bêbado – completou o caçador. – É, rapaz. Os wyverns fazem isso. Fui burro; deveria tê-lo avisado. Era o mais inexperiente de todos. Deveríamos tê-lo preparado melhor. Mas afinal, essa coisa toda foi uma farsa. Talvez o quisessem morto também.
– O que você… – começou Wil, levando a mão à testa. Então, lembrou-se do companheiro caído.
Imediatamente, o cavaleiro se pôs de pé. O mundo girou por um instante, mas então, tudo se estabilizou. Ele se pôs a correr na direção do homem que havia caído, ignorando todas as dores. A vítima continuava no mesmo lugar.
Wil percebeu que o cavaleiro não era Trent, afinal. Era o comandante Artos, imóvel. Seu corpo estava perfurado por seis virotes. Virotes familiares.
– O que significa isso? – perguntou Wil, atônito.
– Isso significa, rapaz, que fomos traídos – respondeu Lucius, entre dentes, se aproximando. – Fique próximo de mim; precisamos dar o fora. Não sei em quem confiar, mas imaginei que você fosse inocente. De qualquer forma, ele com certeza não fez isso sozinho. Pelo menos um dos outros também está metido nessa.
– Ele? – repetiu Wil. – Hal? – Os virotes eram idênticos aos usados pelo paladino real. Seu companheiro de missão. O caloroso Hal, de olhos azuis cálidos e sorriso bondoso.
– É – confirmou Lucius. Wil nunca vira seu rosto tão sombrio. – Imagino que a ideia era fazer parecer um acidente. O comandante morto por wyverns; muito conveniente. Mas infelizmente para ele, ou eles, eu vi de longe quando Hal se afastou com o comandante, e encheu as costas dele de virotes, enquanto Artos estava ocupado com um wyvern, e então o chutou montanha abaixo. Foi a coisa mais covarde e sangue-frio que eu já vi.
Wil lutou contra o seu primeiro instinto, que era o de negar o absurdo que o companheiro relatava. Afinal, não tinha porque duvidar da palavra de Lucius. E, mais importante, tinha a evidência principal diante de si: Artos Arcrest, morto feito um grande porco espinho, espetado de virotes de fabricação thaiana.
– Fomos lentos demais – sibilou Lucius, apertando o ombro de Wil com sua mão forte.
Wil se voltou para a direção para a qual o paladino olhava, e percebeu seus companheiros correndo na direção deles, saídos de um túnel no pé da montanha. Wil identificou todos. O grande Maxwel, à frente. Trent, ao seu lado, sempre espelhando-se no cavaleiro de elite. Norton, o feiticeiro, com seu jeito inconspícuo. Mart, o druida, um pouco atrás dos outros, quase tropeçando em sua grande capa de mago das histórias. Hal, o paladino real, com seus cabelos loiros reluzindo sob a luz dos sóis. Em outras circunstâncias, ver a aproximação dos companheiros intactos teria enchido Wil de alegria. Agora, só sentia apreensão.
– É possível que ele tenha visto que eu o vi – sussurrou Lucius, fuzilando o paladino loiro com o olhar. – Eu não sei quem está com ele. Talvez todos; mas acho que não. Agora, tudo será esclarecido.
Antes que Wil pudesse falar alguma coisa, o vozeirão de Maxwel sobressaiu-se em meio ao campo aberto:
– Vocês estão bem?
Nem Lucius nem Wil responderam. Wil quis gritar que sim, e correr para junto do cavaleiro de elite, mas se conteve. Ao invés disso, os dois se afastaram do corpo de Artos, para que os outros pudessem vê-lo.
– O que significa isso? – exclamou Trent, correndo até o comandante. – Isso é…
– É, Trent – disse Lucius, e Wil percebeu que o paladino encaixara uma flecha em seu arco no espaço de um segundo, e a apontava para Hal. – Eu imaginei que você não fosse um dos traidores. Eu sugiro que se afaste desse aí – e fez um gesto com o arco apontando o paladino real.
– O que você fez, Hal? – perguntou Trent, já puxando a espada; o rosto rechonchudo ficando vermelho.
O paladino real fechou os olhos por um instante, e suspirou.
– Eu tive a impressão de que você tinha me visto – ele disse, agora olhando para Lucius. – Isso complica as coisas um pouco.
Wil notou que Mart se afastava discretamente do paladino real. Norton mantinha-se no mesmo lugar, imóvel. Por alguns instantes, ninguém disse nada.
Maxwel, então, também puxou sua enorme espada das costas. A alegria que Wil sentiu foi transformada na mais absoluta desolação no espaço de uma respiração, pois o cavaleiro de elite apontou a espada não para o traidor, mas para Lucius e ele.
– Nada que não dê para resolver – disse Maxwel. As palavras do cavaleiro chegaram aos ouvidos de Wil e provocaram nele as mais estranhas sensações. Maxwel havia perdido completamente o calor de sua voz. – Levando-os até Ulderek por boa vontade ou à força, não faz diferença.
Lucius, então, voltou sua flecha na direção do cavaleiro de elite. Mart correu para junto do paladino e de Wil, com o cajado em mãos. Trent olhava de forma confusa e raivosa para todos. Dois grupos antagônicos se formaram: Lucius, Wil, Mart e Trent. Maxwel e Hal, sozinhos. Norton olhava de um grupo para o outro, parecendo em dúvida.
– Não tentem nenhuma gracinha – disse o cavaleiro de elite. – Vocês podem ser maioria, mas ainda acabamos com vocês. Você sabe disso, Lucius. E você também, Trent. Não é hora para brincadeiras.
– O que eu sei – disse Trent, com uma voz estranhamente baixa, entre dentes. Ele parecia estar usando toda a sua força para conter a raiva. – É que vocês pelo jeito esqueceram o que significa ser um thaiano. Se você acha que vou segui-los, depois dessa covardia, você está mais perdido que um lacaio de Zathroth.
– Qual o sentido de tudo isso? – perguntou Mart. Era a primeira vez que Wil via o druida com uma expressão séria.
– Thais é um reino falido – disse Hal calmamente, colocando um virote em sua besta. Wil notou que o paladino usava um anel cinzento na mão direita. Voltando o olhar para a manzorra de Maxwel, percebeu um anel similar. Será que eles sempre tinham usado aqueles anéis?
– E o sentido de tudo isso – Maxwel respondeu – é irmos até Ulderek. Este sempre foi o objetivo.
– Eu não dou a mínima para o que dois covardes traiçoeiros querem – rosnou Trent. Então, partiu para cima de Maxwel, sem esperar nenhuma deixa.
A luta que se seguiu durou poucos segundos. Wil sempre soubera que o cavaleiro de elite estava um - ou vários - degraus acima dos outros, mas nunca aquilo ficara tão claro quanto naquele momento. O imenso guerreiro brandiu sua espada com leveza e habilidade, e seus golpes faziam o pobre Trent, menor e mais fraco, sacudir-se inteiro e suar na tentativa de apará-los. Uma sequência particularmente ágil de golpes pesados foi demais para Trent, e sua espada escapou de suas mãos, voando para longe. Maxwel chutou-o, e Trent foi parar no chão. O cavaleiro de elite apontou sua espada para ele.
– Você é um bom guerreiro, Trent – disse Maxwel. – Mas suas qualidades são desperdiçadas aqui.
– Ainda assim, há chance para todos vocês – disse Hal, com o mesmo olhar e sorriso bondosos de sempre, que agora causavam repulsa a Wil. – Podemos todos continuar a viagem pacificamente. Basta se renderem.
– Parece que ele não teve muita chance – disse Lucius secamente, apontando para o comandante Artos.
– Ele não teria lugar no mundo que está por vir – falou Hal.
– Qual o problema com Artos?
– O problema não é com Artos – respondeu Maxwel. – É com Arcrest. Nobreza.
Wil franziu o cenho. Trent debateu-se sob a espada de Maxwel, e deu uma cusparada na cara do cavaleiro de elite.
– Eu prefiro que me mate de uma vez. Você sabe que não vou segui-lo a lugar nenhum agora, não importa o que faça.
O cavaleiro de elite o olhou por alguns momentos. Então, rangeu os dentes.
– Eu sei, velho companheiro. Que Banor o receba em seus salões.
Maxwel perfurou o torso de Trent com sua espada.
– NÃO! – Lucius gritou, e atirou sua flecha contra o cavaleiro de elite, ao mesmo tempo em que Norton exclamava:
– Utamo vita sio – o feiticeiro criou uma barreira mágica, não em volta de si, mas em volta de Maxwel, barrando o projétil de Lucius.
– Pelo menos alguém tem bom senso – disse Hal, sorrindo, quando o feiticeiro juntou-se aos traidores. Wil odiou-o naquele instante. – Eu sempre soube que você tinha potencial, Norton. Será útil para os libertadores.
– Vocês também têm um lugar entre nós – disse Maxwel, voltando-se para Wil e Lucius. – Basta aceitarem. Eu confesso que de início não lhe dei qualquer valor, Benson. O enxerido na missão. O plano A era fazer você morrer em algum momento junto com Arcrest. Mas você mostrou ter alguma qualidade.
As palavras frias do cavaleiro de elite fincaram-se como pregos no coração de Wil.
– Vá para o inferno – disse Lucius, com o maior tom de desprezo que Wil já o vira usar.
Então, tudo aconteceu rápido demais, e ao mesmo tempo.
Lucius colocou uma nova flecha em seu arco, e atirou em Hal.
– Utani hur. Utito tempo san – exclamou o paladino real. Ele começou a se mover muito rapidamente, e desviou do projétil de Lucius. Wil reparou que seus olhos brilhavam com um brilho azul.
– Utani hur – disse o próprio Wil.
– Nossa melhor chance é dar o fora – cochichou Mart, ao lado do cavaleiro. – Utana vid. Utana vid sio. É só o que posso fazer, Benson.
Wil reparou que o druida o tornara invisível. Será que era isso mesmo que deveria fazer? Fugir?
– Infelizmente, parece que não tenho mana o bastante para você, meu velho – tornou a dizer o druida, invisível, ao lado de Lucius.
– Está tudo bem – respondeu o paladino, engolindo em seco, encaixando uma nova flecha em seu arco. – Minha última caçada, então.
Lucius atirou na direção de Hal, que desviou para um lado sem dificuldades. Ao mesmo tempo, rajadas de gelo desceram sobre Maxwel, inicialmente invisíveis, conforme saíam de Mart, mas tornando-se visíveis quando se afastavam. Elas mantiveram o cavaleiro de elite ocupado por alguns momentos.
Wil correu na direção de Norton, e deu um chute no feiticeiro, derrubando-o no chão. Apesar da torrente de emoções negativas que ameaçava inundar o coração do cavaleiro, aquele gesto foi muito satisfatório.
– Wil, você precisa correr! Não é hora para heroísmos – sibilou a voz rouca de Lucius, que usava de toda a sua concentração para se desviar dos golpes de Hal. O paladino real, com seus olhos brilhantes, parecia agora uma máquina de atirar virotes, mexendo-se e movendo-se em uma velocidade que Wil nunca havia visto.
Wil fechou os olhos por um momento.
Então, deu meia volta e começou a correr o mais rápido que conseguiu dados seus ferimentos, mas não sem antes ter um vislumbre de uma cena que lhe causou um soluço e um aperto no coração.
Um virote de Hal penetrava na perna de Lucius. Maxwel livrava-se do gelo, e partia na direção do caçador…
– Vá atrás do Benson! – rugiu Maxwel.
Wil tentou não pensar em mais nada. Apenas correu. Percebeu um vulto branco e dourado atrás de si. Hal o perseguia.
O cavaleiro nunca correra tanto quanto naquele momento. Vagamente, percebia seus pulmões em chamas, e todo o seu corpo ferido protestando. Suas botas deixavam pegadas incorpóreas na relva alta. Era difícil manter a coordenação correndo invisível, pensou ele.
O primeiro virote atirado por Hal fincou-se no chão, a uns cinco centímetros de Wil.
O cavaleiro julgava que estava se afastando na direção sudoeste. Estava quase chegando à margem de um dos rios que saíam do monte dos wyverns. Talvez pudesse chegar até lá, e…
O próximo projétil do paladino assassino atingiu o quadril de Wil. Hal caçava seu alvo invisível com uma precisão assustadora. Talvez fosse o efeito de seus encantamentos. Talvez ele fosse apenas dotado de uma habilidade sobrenatural. Wil gritou, e lançou uma olhadela para trás. O paladino real se aproximava; seu rosto plácido, já encaixando calmamente outro virote em sua besta.
A adrenalina impeliu Wil nos metros que faltavam até a margem do rio. O feitiço da invisibilidade estava terminando.
– Acabou – disse Hal, de maneira neutra, quando se aproximou. Apontava sua besta para o coração de Wil.
O cavaleiro se jogou no rio. Hal disparou, e o virote perfurou o estômago de Wil.
Ao cair, Wil voltou-se para trás, e teve um último vislumbre do paladino. Seu recorte contra a luz dos sóis, incidindo sobre seu cabelos dourados e suas vestes brancas, quase o faziam se parecer com um anjo de Fardos. Seu anjo da morte.
Wil caiu na água e pensou nos companheiros. Artos, assassinado a sangue-frio. Trent, um guerreiro destemido até o final, igualmente morto. Lucius, provavelmente…
Ele não pudera fazer nada.
As lágrimas do cavaleiro misturaram-se com a água do rio e com o sangue de seus ferimentos. O mundo começava a escurecer.
Pensou na irmã, no irmão, e no pai. Parecia que não voltaria a vê-los, afinal.
Então, pensou na mãe. Pelo menos, poderia logo estar junto de Kendra.
O rosto suave de sua mãe dominou seus pensamentos, enquanto a correnteza carregava seu corpo e a escuridão tomava sua consciência.
Desde já, peço perdão por esse final.
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