Final
Chegou a hora da grande final!
Lembrando que os textos são postados de forma anônima. Os escritores não podem dizer qual é seu texto!
Para votar, basta identificar qual a disputa e qual o texto escolhido. Todos usuários podem votar, mas apenas aqueles com uma justificativa plausível serão levados em conta. Votos de usuários fantasmas também serão desconsiderados. E lembrando que a votação popular será apenas um dos pesos da nota dos textos, e o vencedor final será decidido por membros da Equipe TibiaBR. Por último (e talvez o mais importante):
Agora, dito isso, vamos aos textos!
Tema: O Colosso de Kazordoon
Spoiler: Texto 1Alguém
Um vazio, um nada, era tudo o que se via.
A única explicação para aquilo era a morte.
Finalmente morri, pensou alguém. As palavras pareciam flutuar no nada. Na verdade não eram palavras, eram fragmentos. Mas do quê? São pedaços da minha vida? São restos que sobraram do que já fui? Um rosto, repentinamente, cortou a escuridão. Era tão claro quanto a luz na escuridão, quanto um pássaro gigante sobrevoando um pequeno pedaço de céu.
— Quem é você? — Perguntou a voz para o rosto.
— Sou o que sobrou para você, amigo. Você não sabe quem é, e é melhor que assim permaneça, isto é um favor que lhe faço. Esta primeira etapa será difícil, eu entendo, mas estamos quase prontos para realizar grandes feitos. O mundo jaz em decadência, e nós o libertaremos. Confie em mim, e faça o que eu lhe pedir. Você será mais que isso, mais que o nada. Você ganhará um corpo. Sim, um corpo. Não é maravilhoso?
O rosto então sumiu, e a escuridão preencheu seu espaço.
A sensação de estar girando foi tomando forma. Alguém olhou para o meio da ausência de matéria e notou a formação de um redemoinho. Era um furacão, ou pelo menos parecia ser. Foi sugando tudo que estava ao redor, toda a massa negra foi sumindo, como que escorrendo feito água, e então o que Alguém viu foi fantástico.
Havia um rosto, e agora todo o resto do corpo, a poucos centímetros e, ao redor dele, cores, objetos e até sons davam a boa vinda ao mundo que Alguém um dia conhecera.
Mas claro, Alguém não se lembrava de quem era, nem de onde viera, não tinha nem mesmo certeza se era alguém. Mesmo assim, era reconfortante autodenominar-se como Alguém, pelo menos ter um nome, mesmo que indefinido, fazia-o sentir-se melhor. Esse era seu nome, e seria até o fim de tudo aquilo.
— Você... é o mesmo rosto que enxerguei na escuridão. O que é tudo isso? Por que não consigo me mover?
— Você não é ninguém... — começou a explicar o velho rosto. Tinha uma barba comprida e branca, da mesma cor do cabelo, que ao contrário do tamanho da barba, já estava em fase intermediária de calvície. Além disso, apresentava as características típicas de um anão.
— Chamo-me Alguém, prazer. — anunciou, interrompendo o homem, deixando-o com uma expressão preocupada no rosto.
O ser que chamava-se Alguém olhou para baixo, na esperança de enxergar alguma parte sólida de seu corpo. Ele tinha a sensação de estar sentado, pois algo o apoiava, e ele podia sentir uma superfície sólida. Além disso, ele podia jurar que suas mãos estavam atadas, pois toda a força que fazia para sair dali era em vão. Igualmente como as pernas e o pescoço.
Ao mover seu campo de visão, tudo o que observou foi uma cadeira, e em cada um dos braços da cadeira, notou presilhas de ferro com inscrições em sua superfície que pareciam ter sido moldadas a ouro.
— Onde estou? Cadê meu corpo? Por que não me vejo?
— Era isso que eu tentava lhe explicar, você não é ninguém. Isso basta. Mas eu posso ajudar-lhe, tudo depende de você. Posso lhe fazer lembrar do que já foi um dia. Mas amigo, escute com muita atenção. Há um plano. Um grande plano, e você tem a honra de ser a peça fundamental dele. Há muitos anos, um Basilisco passou a viver sob as pedras de Kazordoon. Na mesma época, uma estátua era moldada, talvez tenha sido a maior obra escultural já criada. No entanto, obviamente, ela não é apenas um objeto de enfeite. Ela é viva, está apenas em estado latente, esperando o momento apropriado para despertar. Sabe o que é mais interessante? O veneno do Basilisco, se aplicado sobre ela, a faz despertar. É isso que tu farás para mim, conseguirás o veneno.
— Mas como? Estou preso aqui, não consigo me mover.
E, ao falar isso, tudo sumiu, e Alguém mergulhou em um sonho sem formas.
~~ ~~
Um anão segurava uma espada com ambas as mãos, apoiando-se com seu gume ao chão. Às suas costas, uma enorme figura de pedra sobrepunha-se até as alturas. O homem e o Colosso. O guardião e o protegido.
Esta era a função de Dodrik: evitar que qualquer um vandalizasse a estrutura. No começo achou o trabalho um tanto monótono e inútil, mas conforme o tempo foi passando, Dodrik aprendeu a entrar em uma espécie de transe, em que ele conseguia, ao mesmo tempo, tanto prestar atenção à sua volta quanto fazer planos para o futuro.
Era assim que Dodrik estava neste momento e, por isso, como frequentemente acontecia, seu olhar estava vago, percorrendo o labirinto de sua mente. Dodrik pensava sobre o que seria aquilo que aparecera de forma tão misteriosa na palma de sua mão, algumas noites atrás. Pareciam escrituras. Elas brilhavam no escuro, um dourado ofuscante que chegava a doer os olhos.
Porém, de repente, algo naquele olhar mudou drasticamente. De uma forma assombrante ele passou de sonhador para concentrado. O olhar que antes observava o chão sem percebê-lo, agora olhava-o
como se fosse a coisa mais importante do mundo.
O anão soltou a espada, olhou para as luvas em cada uma das mãos, e depois pressionou-as contra seu próprio rosto, para senti-lo.
— O que é isso? Onde estou?
Era Alguém. De alguma forma ele viera parar ao corpo de Dodrik.
— Será que o velho realmente me ajudou? Será que estou de volta ao meu corpo?
E então Alguém olhou para trás, na direção do gigante de pedra. Lembrou-se das palavras do velho. Era aquilo que ele devia fazer tornar-se vivo.
Algo esquentava a palma de sua mão. Parecia que brasas eram atiçadas naquela região, tornando a sensação cada vez pior. Alguém retirou as luvas e o que viu foi muito semelhante às palavras inscritas a ouro naquela cadeira em que estava preso.
— É o plano. Este corpo deve ser outra peça do mago, ou seja lá o que for aquele velho misterioso, e eu o estou usando.
Pegou de volta a espada que estava ao chão, e seguiu pelo corredor, esperando alguma espécie de pista. Não tinha a menor ideia de onde estava, mas mesmo assim, algo lhe dizia que esse era o certo a se fazer.
— Ei! Dodrik, o que está fazendo aqui? Por que saiu de seu posto? — gritou um guarda, logo quando o avistou.
Dodrik levantou a espada na direção do guarda, involuntariamente, assustado. Por um segundo, perpassou-lhe matar o guarda que o avistara, mas logo o pensamento tornou-se apenas névoa. Será que fora um assassino antes disso tudo acontecer? Será que este era seu castigo? Sentiu uma enorme tristeza e lágrimas espirraram de seus olhos. Aquilo tudo era demais para ele.
— Eu me sinto um tanto... estranho. — respondeu Dodrik ao guarda que se aproximava.
— O que é isso em seus olhos, anão? Você está chorando? Você sabe o que acontece se o superior lhe ver deste modo? Imagina o que os outros irão comentar? Limpe isto agora mesmo! É uma ordem!
Dodrik passou as mãos nos olhos, limpando aquele ofensivo gesto de fraqueza, na opinião dos anões, e disse ao guarda:
— Preciso falar com o superior, é urgente.
Ele imaginava que o que quer que ressuscitasse aquele monstro de pedra, estivesse com alguém importante. Qualquer superior, qualquer cargo alto, poderia possuir o veneno do Basilisco, bastava ele procurá-lo. Apenas o fato daquele velho ter lhe enviado para este corpo, já significava que o veneno não estava muito longe. O foco era aquele, não podia se desviar do caminho.
— Eu sei o que se passa contigo. — começou o guarda, falando em forma de sussuro e estranhamente um tanto sentimental — É a sua mulher, não é? Elas são terríveis. Às vezes penso o porquê de nós sermos os guerreiros enquanto elas ficam em casa. Essas anãs acumulam um ódio surreal, guardam aquilo por anos, e nós que temos que aturar. Elas deviam usar tudo aquilo em batalha, isso sim, mas não é o que acontece né, amigo? Já apanhei muito da minha mulher, pra te falar a verdade. Chegava em casa, cansado, e ela, por algum motivo que desconheço, pegava a espada, e batia, com seu punho, bem aqui. — confidenciou o guarda, apontando para as duas nádegas. — Vamos para sua casa, resolveremos isto da mesma forma que resolvi com minha mulher.
E agora? Pensou alguém, no corpo de Dodrik.
~~ ~~
— O colosso de Kazordoon é uma estrutura magnífica, tanto em seu exterior quanto interior. Seu sistema de molas e engrenagens é inovador e foi elaborado por nada mais nada menos que Fabrik, considerado o maior gênio de todos os tempos. Fabrik viajou o mundo, e uniu tecnologias presentes em cada um desses lugares, construindo o guardião de nossa cidade. No entanto, Fabrik desenvolveu-a de modo que não caísse em mãos erradas, nem que fosse usada de forma superficial. Na verdade, Fabrik torcia para que sua maior obra servisse apenas de caráter estético...
Venore observava o instrutor boquiaberto. Muitos da turma implicavam com ele, pois não aceitavam que um anão, ainda mais do sexo masculino tivesse um nome daqueles. No entanto, ele não se deixava abater, pois sempre acreditou que estivesse reservado para algum feito extraordinário. Como Fabrik, por exemplo, Venore também queria ser descrito na aula de "História de Kazordoon".
Seus pais sempre foram apaixonados pela cidade de Venore de uma forma que ele não entendia, pois, na verdade, eles nunca sequer foram lá, por isso, para amenizar a sensação de distância, haviam resolvido botar o nome do próprio filho de Venore. Seus pais até poderiam ser rotulados de egoístas, mas Venore não pensava assim. Ele gostava de seu nome, era diferente de todos os outros, e pessoas que realizam proezas deviam ser inigualáveis, até mesmo no nome.
Era a quinta vez que escutava a história do Colosso e, mesmo assim, cada vez que a ouvia, captava e imaginava pequenas coisas inéditas, que antes não reparara. Enquanto as palavras do instrutor deslizavam através da sala e pousavam suavemente aos ouvidos de Venore, a imaginação ia longe. Tão longe que Venore sentia-se lá, naquela época, com o gosto de pedra e de poeira em sua boca.
Centenas de anões construíam uma estrutura gigantesca. Arcabouços, apoios e escadas haviam às centenas. Venore tinha uma vista panorâmica de tudo, até mesmo conseguia enxergar através das paredes. Ele era como uma espécie de espectador, ninguém o via, era um fantasma, um espírito perambulante, uma névoa. Poderia deslocar-se, voar, atravessar objetos.
Deslocou-se, flutuando, alguns metros para a direita, dando uma meia volta no esqueleto do que viria a ser um enorme punho de pedra. A visão apurada o permitiu ver, mais a frente, sob um cômodo temporário recém-construído, três anões. Um deles Venore poderia jurar que fosse Fabrik, mesmo sem nunca tê-lo visto.
Adentrou a saleta. Fabrik e os outros dois pareciam estar tendo uma conversa acalorada, sentados em cadeiras. Um pergaminho estava entre eles, e Venore soube que era importante, pois ao mesmo tempo em que os homens falavam, não desgrudavam os olhos daquele pedaço de papel.
Venore aproximou-se, tentando ler seu conteúdo, mas não conseguiu, pois sua visão embaçava. Era o único local em que não conseguia enxergar claramente. Contudo, para compensar isso, focou sua atenção ao teor da conversa.
— Sinto que a única motivação do Rei seja a conquista da superfície. — disse Fabrik, tristemente, percebendo que desde o início o Rei omitia seus planos obscuros. A superfície a que Fabrik referia-se era principalmente as cidades de Carlin, Venore e Thais. — Minha vontade é abandonar todo o projeto e jogá-lo no mar ou sobre um precipício, mas não posso fazer isso, minha família está sendo ameaçada. Todo o esforço, todas aquelas viagens, para no fim, eu ficar refém do Rei. Tenham certeza de uma coisa, não darei de mãos beijadas a conquista do mundo para aquele tirano! O projeto já foi entregue para os construtores do Rei, não posso mais modificá-lo, mas de uma coisa eles não sabem: há uma chave que ativa o Colosso, e apenas eu a tenho.
— Mas por que você está nos dizendo isso? — perguntou um dos homens.
— Porque vocês fazem parte dessa história, vocês me acompanharam por todos aqueles lugares e foram essenciais na construção dessa máquina. Não há ninguém em quem eu confie mais. Caso algo aconteça comigo, quero que saibam toda a verdade, para no futuro, haver justiça.
Toda a imagem então dissolveu-se a sua frente e, imediatamente, Venore estava diante da construção do Colosso concluída. Ele o viu, exatamente como estava em sua própria época, aquele gigante ser de pedra, com os punhos, e todo o corpo protegendo Kazordoon como um guardião adormecido. A diferença era que agora Fabrik estava ajoelhado em frente ao Colosso, enquanto um círculo de guardas havia se formado ao seu redor.
— Entregue-nos a chave, seu tolo! — rugiu um dos guardas. — Irá desobedecer a ordem do Rei?
Um brilho surgiu na mão de Fabrik, ao mesmo tempo em que ele o levantou para todos verem.
— Aqui está a chave, seus miseráveis! — era um frasco, com um líquido que emanava uma espécie de luz em seu interior. — Venham pegar.
No primeiro passo do soldado, Fabrik virou a chave goela abaixo. O líquido escorreu por sua garganta como uma cachoeira de ouro, queimando-o por dentro. O frasco de vidro vazio estatelou-se no chão com um baque surdo e todos observaram a sequência de convulsões do homem que havia ingerido a substância.
Depois de longos minutos, as convulsões finalmente pararam, e Fabrik parecia ter conseguido seu descanso. Estava morto, ou pelo menos foi o que todos acharam.
Os soldados aproximaram-se do corpo, e um deles falou:
— Observem os olhos!
Realmente, os olhos estavam um tanto esquisitos, as pupilas estavam tão dilatadas que pareciam querer saltar das órbitas, mas isso, afinal de contas, era normal em situações cadavéricas. O que fez todos afastarem-se novamente, eram que aqueles olhos esbugalhados estavam movendo-se, e analisavam cada um dos rostos daqueles soldados como que estivesse memorizando-os para no fim caçá-los.
Fabrik estava transformando-se, Venore pôde ver isso claramente. Os guardas pareceram não notar, estavam em êxtase, a adrenalina parecia estar atrapalhando todo o raciocínio deles. Agora era tarde demais... Fabrik já havia se transformado. Uma serpente. O criador acabou sendo vítima da própria criação. O Basilisco e o Colosso, pela primeira vez, um de frente para o outro. Os soldados foram devorados um a um. Basilisco correu em direção aos túneis, escondendo-se na escuridão.
— Anão, acorde! — chamou o instrutor.
E Venore acordou. Estava novamente na sala de aula.
~~ ~~
Uma onda sentimental parecera invadir o outro guarda.
Enquanto Dodrik e seu mais novo amigo inconveniente seguiam pelos corredores de Kazordoon, uma explosão de lágrimas começara a jorrar.
— Ela sempre me batia, Dodrik, aquela bruxa cabeluda conseguia ter mais barba que eu! — disse o guarda.
— Você acabou de me dizer para não chorar, controle-se anão! — tentara pedir Dodrik, sem sucesso.
Um menino vinha andando logo a frente, em direção oposta.
Enquanto Dodrik observava ao redor, matutando sobre alguma possível chance de escapar daquela situação constrangedora, o guarda ao lado, cego pela inundação em seus olhos, pisou em uma rocha, tropeçando e caindo sobre as pernas de Dodrik, que também caiu.
Esse corpo não é meu mesmo, pensou Alguém, não importando-se com a vergonha que estavam passando. O pobre do Dodrik verdadeiro que teria que explicar-se depois.
No entanto, uma mão ergueu-se a sua frente. Era o garoto que ele vira momentos antes.
Ao ser puxado, sua luva deslocou-se um pouco de posição, expondo o símbolo dourado que tanto a fazia arder.
O garoto olhou aquilo abismado, os olhos brilhando.
— Prazer, me chamo Venore.
~~ ~~
O garoto, que havia escutado um trecho da conversa entre Dodrik e o outro guarda, percebera que este queria livrar-se do chorão de qualquer forma, soube exatamente o que dizer:
— Há uma mulher perguntando sobre o senhor, ela está logo ali atrás. — mentiu Venore, apontando para o homem ainda estatelado ao chão.
— O quê ?! — foi o que deu tempo do guarda dizer, pois segundos depois, ele já havia corrido centenas de metros para a direção contrária.
— O que é tudo isso? Quem é você, afinal de contas? — perguntou Dodrik ao garoto.
E então Venore revelou a palma de sua mão, ela também continha o mesmo símbolo de Dodrik. Era tudo o que ele precisava saber.
— Isto lhe diz algo? — perguntou venore, com um sorriso de canto de boca. — Venho tendo sonhos estranhos e, numa dessas noites, abri meus olhos e lá estava ela, brilhando na escuridão.
Dodrik também contou o que acontecera a ele, e o que devia fazer.
O garoto observou-o assombrado. Agora tudo se encaixava! Os sonhos, os símbolos, o labirinto.
— Venha, rápido! — disse Venore, correndo pelo corredor, a caminho da grande estátua, do colosso, do mistério, do perigo.
~~ ~~
O menino e o guerreiro estavam de frente à estátua. Um punho erguia-se solene, forte, impassível. O punho do colosso.
Venore agora via tão claramente o pergaminho que Fabrik mostrara aos dois homens, durante o sonho, naquela mesa, que aquela imagem, nesse instante, parecia estar bem diante de seus olhos. Nas visões,
as palavras sempre ficavam embaçadas, mas não agora. Por algum motivo, um processo devia ter desencadeado aquele fênomeno. Um alçapão escondido, era esse o projeto secreto de Fabrik, ele sabia que precisaria de um, mais cedo ou mais tarde.
Fabrik, na ocasião, escolhera alguns poucos construtores de sua confiança, para torná-lo desconhecido até do Rei.
Venore começou a escalar os imensos dedos, Dodrik logo atrás.
Ao chegarem ao topo, Venore observou um pequeno desenho na superfície de pedra, o mesmo estranho símbolo, que tanto ele quanto Dodrik possuíam na mão.
Todos os três desenhos pareceram fumegar quase a ponto de pegar fogo. A dor que ambos sentiram foi intensa, um tombou para a esquerda, enquanto o outro para a direita. Por coincidência ou não, tanto a palma da mão de Venore quanto a de Dodrik pousaram suavemente em cada um dos lados da figura que já estava embutida na parte superior do dedo de pedra. Os três símbolos alinharam-se.
Um barulho de arrastar de pedra denunciava o movimento de alguma estrutura. Venore então percebeu, uma portinhola abria-se logo abaixo de onde estavam, e então nem pestanejou, rolou em direção ao buraco e jogou-se. Dodrik logo atrás.
~~ ~~
— Venore! Venore! — chamou Dodrik, baixinho, procurando o rapaz.
A escuridão era total, uma chama tremeluzia por sobre uma parede. Era apenas pela luz e pelo crepitar do fogo que Alguém sabia que não tinha voltado àquelas trevas da qual o velho o havia tirado.
Eles estavam sob o colosso, logo abaixo da estrutura. Deviam haver centenas de túneis ali.
— Aqui! — escutou Venore responder, a uma distância assustadoramente próxima, mas que a escuridão não deixava ser revelada.
Ambos caminharam em direção à tocha, esbarrando em diversos objetos. Ao chegarem, um observou o rosto do outro. Estavam realmente assustados, os olhos esbugalhados, a boca semicerrada, os dentes trincados.
— Vamos. — disse Venore, apesar de tudo.
Um corredor estreito o suficiente para permitir a passagem dos dois lado a lado, serpenteava por entre as rochas. Haviam pego a tocha, que não se sabe como, mantivera-se acesa durante todo esse tempo naquelas profundezas.
Dodrik estava errado ao supor a existência de milhares de túneis. Na verdade era apenas um, mas que por vez ou outra, apresentava grandes reentrâncias em sua lateral, onde a luz não penetrava. Venore não queria nem imaginar quais criaturas poderiam se esconder nesses recantos de trevas.
Sempre que passavam por uma dessas aberturas, apressavam um pouco mais o passo, pois barulhos podiam ser escutados vindos daquelas direções. Eram baixos, vazios, quase imperceptíveis, mas que fazia os pêlos da nuca arrepiarem-se.
— Por que você está fazendo isso? — perguntou Dodrik, intrigado com a motivação do garoto. — Quero dizer, por que isso tudo? Por que correr perigo por alguém que você nem conhece?
— Porque é meu destino, o símbolo não está em minha mão ao acaso.
No entanto, não era apenas isso. Venore acreditava ser um salvador, um símbolo, até um herói. Sua chance havia surgido, ele reviveria o Colosso, e ao seu controle, seria usado nas causas mais nobres: no combate aos tiranos, na salvação dos pobres, na morte de monstros. Era melhor guardar isso apenas para si, no momento certo, seu herói interior surgiria.
Metros mais adiante, repentinamente, o chão estalou sob Venore. Dodrik escutou e, na mesma hora, deu um passo para trás, enquanto tentava puxar Venore para uma zona segura. Não deu tempo, uma gaiola de ferro caiu rapidamente, isolando Venore e, na mesma hora, uma parede moveu-se, revelando uma Medusa.
— Não olhe para ela! Vai virar pedra se fizer isto! — gritou Venore, de dentro da gaiola, para Dodrik. — Olhe o que acontece se a olhar nos olhos. — disse-lhe, com um sorriso travesso no rosto.
E então, Venore olhou para a Medusa.
Virou uma estátua de pedra instantaneamente.
Por quê? Como ele pôde me abandonar? Como pôde desistir tão facilmente? Perguntou-se Dodrik, enquanto corria com todas as suas forças para a direção do desconhecido, a continuação do túnel.
Chegou a uma sala que parecia ser retangular. Prateleiras de livros, lupas e materiais de obra estavam por toda parte. Sobre uma mesa redonda, haviam diversos vidros e frascos. Dodrik pegou um deles, precisava desse tipo de material, caso quisesse armazenar o veneno.
Um rastejar fez-se ouvir. Dodrik virou a tocha ao redor de si, procurando a origem do barulho, que parecia vir de todos os ângulos possíveis. Era um som onipresente que penetrou dos ouvidos aos pés do anão.
O Basilisco estava por perto, ele tinha certeza.
Jogou a tocha no chão da saleta e foi andando em direção à continuação do túnel. Não queria que a luz atraísse nada indesejável. Forçou a vista e concentrou-se na audição. Um barulho vinha do corredor, mas não era só um rastejar. Tinha algo a mais. Parecia uma batalha entre duas criaturas. Um raspar em pedra, um atrito entre escamas, um sibilo baixo e cansado, e finalmente o silêncio.
Depois de alguns instantes, Dodrik podia dizer quase com certeza absoluta que não havia mais nada de vivo naquele corredor. Então ele voltou, pegou a tocha, e foi checar o que havia sido aquilo.
Ao chegar, uma criatura estava aos pedaços, Dodrik nem sabia informar o que era. Sangue jorrava de um dos restos, e um rastro de uma substância amarelada seguia pelo corredor. O Basilisco é o responsável por isso, tenho certeza, pensou.
— Sigo o rastro? Ou não? — disse a si mesmo, baixo.
No entanto, não quis arriscar. Pegou o frasco, encheu-o com o sangue contaminado com o veneno do Basilisco, e voltou correndo na direção de onde viera.
Quando estava próximo de seu amigo petrificado foi que conseguiu entender a escolha de Venore.
— Ele sabia o tempo todo que eu traria o veneno... essa substância consegue transformar estruturas de pedra em organismos vivos. Com certeza, no caso dele, a melhor opção foi ser transformado, pois assim, ele não poderia ser comido vivo por uma daquelas criaturas.
Ao chegar na gaiola, Venore ainda estava lá, em seu interior. A medusa havia sumido.
Dodrik chegou em sua lateral e, por uma das frestas de ferro da gaiola, despejou um pouco do conteúdo do frasco sobre a estátua. Lá estava ele, Venore novamente, da mesma forma que Dodrik o vira pela primeira vez.
— Por que demorou tanto? — perguntou ele, com o mesmo sorriso travesso no rosto, abaixando-se e, junto à Dodrik, levantando a grade, para atravessá-la.
Correram, então, em direção ao Colosso, mal sabendo que a pior parte ainda não havia chegado.
~~ ~~
Ao chegarem na região abaixo da mão do Colosso, onde haviam caído, um homem estendeu o braço lá de cima.
— Venham, subam, eu ajudo vocês. — disse
Dodrik reconheceu a voz, era o velho que lhe salvara, o que o mandara fazer tudo aquilo em troca de sua vida novamente. Agarrou sua mão de bom grado. Havia conseguido, estava salvo e teria tudo novamente.
Quando tanto ele, quanto Venore haviam subido, o velho disse, mantendo a mão aberta em frente à Dodrik, os olhos brilhantes:
— Dê-me.
— Não. - disse Venore, movendo-se à frente do corpo de Dodrik, para não deixá-lo passar o frasco ao velho.
Neste momento, uma súbita e constante dor o pegara desprevenido. Pontadas, que mais pareciam lanças, atravessavam seu crânio, impedindo-o de concluir seu ato de heroísmo.
Mas...Mas... todo aquele sofrimento vinha acompanhado de uma lembrança, que parecia ser distante e irreal.
Lá estava ele, numa cadeira, suas mãos algemadas, igualmente como as pernas e o pescoço. Lembrou-se também da escuridão anterior e do rosto de um velho.
Era exatamente o mesmo velho, o mesmo homem que lhe fizera promessas.
Sua história era igual à de Dodrek. Isto poderia significar apenas uma coisa: ele também era um espírito. O maldito do velho, possivelmente, enviou-lhe para um corpo com falsas memórias implantadas que o fizeram acreditar ser ele próprio.
Aquele rapaz, no qual o espírito havia incorporado, talvez nem mesmo chamava-se Venore, talvez nem mesmo quisesse ser um herói, talvez seus pais não fossem nem sequer apaixonados por essa cidade. Tudo era parte do plano daquele velho mago. Porém, as falsas memórias foram implantadas de forma tão perfeita, que o homem que a fizera, cometera um erro: a própria perfeição. O velho, junto com todas aquelas mentiras, com todas aquelas lembranças de uma vida que na verdade não existia, esquecera o rastro da memória de seu próprio rosto: o rosto do rei dos anões.
Este rosto, por estar agora à frente de Venore, havia sido o responsável por todo o despertar de sua verdadeira consciência.
Venore, que agora não era mais Venore, mas sim uma alma aprisionada em um corpo desconhecido, gritou:
— Ele é o rei, Dodrik! Não confie nele!
Tarde demais, o homem agarrou o braço de Dodrik, que, confuso, não teve ação.
O Rei dirigiu-se rapidamente a uma distância segura deles, e curvou o frasco quase a ponto de derramá-lo na rocha que constituía a mão do Colosso.
— Primeiro de tudo, gostaria de agradecê-los profundamente. — disse calmamente o rei, com o frasco ainda inclinado, como uma ameaça. — Devo-lhes algumas explicações e uma ou outra promessinha. — falou, dando uma risadinha, o líquido vibrando no vidro. — Venho seguindo pistas de Fabrik há muito tempo. Meus pesquisadores relataram que uma nova tecnologia havia sido implantada no Colosso por ele. Chamaram-na "Sugadora de Almas". Sim, isso mesmo, o Colosso toma vida, pois tem a capacidade de absorver almas. — explicou, como se estivesse diante de uma gigantesca plateia. — O símbolo que vocês tem em suas mãos, é o mesmo usado no Colosso, ele proporciona que ocorra o fenômeno de absorção de almas. O colosso, além do símbolo, também necessita do veneno.
— Você me prometeu... — tentou dizer Dodrik.
— Ainda não terminei. — interrompeu o Rei, em êxtase, como se tivesse chegado ao clímax. — Ao ativarem o esconderijo de Fabrik a procura do veneno do basilisco, ambos condenaram as pobres almas a serem doadas para darem vida ao Colosso. Querem uma promessa cumprida de melhor forma? Vocês se tornarão parte do Colosso. Serão indestrutíveis, invencíveis, imortais.
E então, derramou o líquido.
Os corpos de Venore e Dodrik caíram ao chão, enquanto suas almas desgrudavam-se e iam em direção ao Colosso.
O gigante finalmente despertara de seu profundo sono. Pedras soltavam-se, o chão estremecia, paredes desmoronavam. Os braços do gigante ergueram-se, e num deles, lá estava ele, o Rei. O Colosso de Kazordoon observou-o, fitando o homem que o comandaria, a que seria fiel até o último pedaço de rocha presa a sua carcaça. Colocou-o sobre sua enorme cabeça, e esperou pela ordem.
— Avance! — ordenou o Rei.
Um passo, um terremoto. Dois passos, o mundo tremia. Três passos, eu sou o Rei de Tibia! exclamou o rei-comandante.
Nada o deteria, a não ser...
Um homem e uma mulher surgiram correndo, lá embaixo, parecendo formigas em relação ao Colosso, mas por incrível que pareça, eles estavam tão concentrados um ao outro que não notaram o gigante.
O homem, que na verdade era um guarda de Kazordoon, chorava desesperadamente, enquanto a mulher, logo atrás, que parecia ter uma enorme barba, gritava tão alto que o Colosso, ao tentar completar seu quarto passo, desconcentrou-se e tropeçou, batendo com a cabeça em um enorme pedaço de rocha que estava ao chão.
A cabeça saiu do corpo, rolando e rebatendo em tudo. Era o fim do rei e de seu plano.
~~ ~~
As almas dos dois Alguéns que haviam sido escravizadas pelo Colosso despertaram em uma cidade. Estava muito movimentada: mercadores anunciando aos gritos, homens apressados, mulheres com baldes sobre a cabeça.
Apesar de toda a confusão, ninguém os notou, mesmo quando tentavam de alguma forma chamar atenção. Eles queriam ser notados, queriam poder gritar e serem ouvidos, queriam encostar em algo, e este algo retribuir. Eram fantasmas.
Foram avançando, solitários, por entre as centenas de pessoas. Chegaram em um vasto jardim. Havia muitas flores de todas as cores e, a confusão da cidade, dera lugar a uma paz reconfortante. Um pequeno grupo estava reunido mais adiante, mas ninguém falava, todos pareciam mergulhados em um profundo luto.
Era estranho tamanho contraste, pois um lugar tão bonito não seria apropriado para tamanha tristeza.
Dois caixões, rodeados de inúmeras flores, jaziam um ao lado do outro.
As almas sem identidade, ao olharem para o rosto dos homens que ali descansavam, souberam instantaneamente quem eles eram.
Eram pai e filho, mortos em um acidente e que tiveram suas almas, no mesmo instante da morte, saqueadas pelo rei louco.
Os corpos pareciam convidar, pareciam querer aceitar de volta aqueles pobres solitários. A alma que achara que se chamava Venore, mergulhou sobre o corpo do menino, enquanto a que por um momento chamou-se Dodrik, sobre o corpo do pai.
Foi então que os dois Alguéns levantaram a cabeça, em seus verdadeiros corpos, e deram a primeira golfada de ar, renascendo.
— É um ataque Zumbi! — gritou um dos participantes do funeral, correndo em direção a cidade.
Spoiler: Texto 2O surdo, a vingança e o arroto
Prólogo
Há muitos anos — tantos quantos os anões surgiram no continente de Tibia — a guerra entre o bem e o mal era travada entre essa raça e os ogros. Os representantes de Uman e Fardos eram fortes e hábeis, mas, mesmo com todos os seus dotes, não eram capazes de eliminar os caras-verdes. Quando a morte começou a ceifar os pequeninos rapidamente, seus líderes decidiram que era hora de retirarem-se e, juntos, começaram uma fuga para se esconderem. Hábeis com ferramentas, encontraram uma enorme montanha rochosa ao sudoeste da recém-criada Ab’Dendriel — refúgio dos elfos após as últimas disputas com os ogros —, e começaram a escavá-la. Juntos, em alguns meses conseguiram criar um esconderijo subterrâneo para escaparem com vida dos massacres que sofriam a cada batalha.
Entretanto, mesmo em seu ponto de segurança, o perigo era constante. Não era raro pequenos destacamentos do exército de Zathroth irem novamente em busca dos anões, obrigando-os a travar mais e mais batalhas. Preocupados com a situação, o então imperador anão Gramlok Silverbeard ordenou que seus principais arquitetos e engenheiros se reunissem para a criação de uma proteção para a entrada de sua recém-fundada cidade, ainda sem nome. Enquanto isso, outros da raça continuaram expandindo a cidade e descobriram minas de pedras preciosas por perto, o que acabou dando o nome ao novo reino. Kazordoon, ou Mina dos Anões, na língua anã, possuía grandes chances de prosperar, pois os veios de minério que possuíam ali perto permitiam a criação e refinamento de armas e armaduras, fortalecendo-os contra os contínuos ataques ogros.
Após alguns anos de reinado na nova cidade, Gramlok finalmente aprovou três diferentes projetos para defesa de seu novo reino. Incapaz de decidir entre eles, promoveu uma votação entre os residentes de Kazordoon, para que um dos empreitos fosse escolhido. Mas ninguém esperava que os votos ficassem empatados. Os três projetos eram excepcionais, tanto que a população ficou dividida. Raça de vida longa e originários da própria rocha-pai, os anões eram extremamente teimosos e, a cada nova votação, os resultados repetiam-se.
Um ano se passou até que houvesse um vencedor. Um jovem anão, que antes havia votado no projeto de Fazrim, alterou seu voto para o do inventor Talphion. Com isso, os projetos do primeiro e de Rapanaio foram arquivados, começando a construção do Colosso de Kazordoon, uma estátua gigante em forma de anão, esculpida logo antes da entrada, que, segundo o projeto original, poderia ser ativada para combater inimigos que se aproximassem.
Rapanaio se isolou dos outros anões no subterrâneo de Kazordoon, onde até hoje constrói novos inventos, mas ninguém sabe o que realmente faz. Dizem que sua paranóia aumentou com os anos e só fala sobre as forças do mal. Já Fazrim, com ódio por não ter seu tão bem planejado empreito escolhido, jurou vingança sobre o imperador e sobre aqueles que o renegaram, e saiu da cidade, levando consigo seus seguidores.
Talphion, entretanto, como vencedor do plano de defesa da cidade, iniciou a construção juntamente com sua equipe. Mesmo para os hábeis anões, construir uma estátua de tal tamanho a partir da rocha da Grande Anciã, nome da montanha a qual construíram seu reino, era tarefa dispendiosa. Algumas décadas se passaram até que terminaram de dar forma ao Colosso. Nesse meio-tempo o imperador Gramlok abdicou do trono, após ter sua barba cortada no meio da noite e ter sido incapaz de descobrir quem o fizera. O império foi, então, assumido por Kruzak, seu filho, que, desde então, governa os anões.
Mas o Colosso nunca foi concluído, pois o desafio de fazê-lo se mover era complicado demais, até mesmo para Talphion, que, recluso, vem desde então trabalhando em um modo de concluir sua obra-prima. Até agora.
Capítulo I - O Projeto
— EURECA!! EURECA!!
Os berros de Talphion, ainda mais altos que de costume, alcançaram até mesmo seu assistente, Orik. O aprendiz de cientista era fisicamente diferente de todos os outros anões. Sua pele era albina e possuía algumas feições mais selvagens. Como todo inventor, Talphion adorava tudo que saía da normalidade, e deu-lhe um emprego rapidamente. Ouvindo seu mestre gritar, o discípulo correu até seu mestre, perguntando-lhe:
— O QUE HOUVE, MESTRE?
— ENFIM TERMINEI! O DISCO DE CONTROLE ESTÁ PRONTO!!
Apesar de Orik não ser surdo, ambos precisavam gritar um com o outro, graças ao enorme barulho das máquinas movidas à vapor inventadas pelo cientista. Utilizando de um engenhoso sistema de transporte de lava, Kazordoon possuía diversos aparelhos que utilizavam o calor do fogo para esquentar o ar e movimentar os aparelhos. Ambos exultavam a descoberta do criador que, por fim, colocaria o Colosso no patamar de obra-prima. Até então, apesar de considerar seu projeto uma maravilha, Talphion não sentia prazer em vê-lo, pois lembrava-lhe o fracasso em completar o trabalho.
— FIQUE AQUI E CUIDE DE TUDO. VOU ME ENCONTRAR COM O IMPERADOR!!
— PODE DEIXAR, SENHOR. CUIDAREI DE TUDO!!
Sendo um membro de uma raça cautelosa como era a dos anões, mesmo sabendo que raramente apareciam pessoas em seu local de trabalho, e que, quando surgiam, era apenas para pedir-lhe algo, Talphion desconfiava de possíveis engodos. Afinal, jamais esquecera do juramento de vingança feito por Fazrim, há quase duzentos anos. Os anões viviam em média de trezentos a quatrocentos anos e, desse modo, o inventor ainda tinha certeza de que seu rival vivia em algum lugar, planejando sua vendetta. Afinal, isso era algo sério para os pequenos, e um anão nunca esquecia seus juramentos.
Saindo para encontrar o governante, o velho anão assovia alegremente, como há séculos não fazia. Parecia que, enfim, tudo daria certo.
Capítulo II - Vingança
— Você tem certeza disso, soldado?
— Absoluta, senhor. Eu ouvi quando o velho Talphion disse que seu projeto estava completo.
— Excelente. Está quase na hora de minha vingança, afinal. Chame os outros, é hora de falar-lhes a respeito.
E, com o fim da conversa rápida entre Fazrim e seu servo, o antagonista retirou-se de volta para o fundo de seus aposentos, preparando-se para o grande momento.
O vassalo, no entanto, foi para o meio do esconderijo, reunindo os outros para dizer-lhes:
— É chegada a hora. Lorde Fazrim espera-os à entrada de seu aposento. Estejam lá em breve.
A tropa pessoal do anão ouviu à notícia extasiada, indo imediatamente para o local anunciado. Todos estavam ansiosos para ouvir a grande revelação, pois, até então, ninguém sabia quais seriam os planos de seu mestre.
Capítulo III - Imperador Kruzak
Talphion aproximava-se do salão do Imperador, adentrando-o com seus passos mancos. O inventor há muito não conseguia andar direito, pois obtivera vários problemas físicos advindos de acidentes com seus experimentos e criações. Ao vê-lo adentrar o salão real, imediatamente Kruzak ordenou a seus guardas:
— Tragam uma cadeira extra e fiquem de vigia na entrada dos aposentos. Não quero ninguém mais aqui por perto.
O imperador sabia tão bem quanto qualquer outro que, para o cientista sair de seu laboratório, era porque possuía algo extremamente importante para dizer. Por isso mesmo não poderia permitir que ninguém se aproximasse. Após colocarem o novo assento à frente do imperador para o que inventor se sentasse, os guardas retiraram-se, cobrindo o perímetro próximo.
— SAUDAÇÕES, IMPERADOR KRUZAK!!
— O que te traz aqui, Talphion?
— O PROJETO ESTÁ COMPLETO!! O COLOSSO FINALMENTE CRIARÁ VIDA!!
Um semblante de espanto surgiu no rosto do governante. Mesmo para um anão, mais de cem anos era um tempo considerável, e Kruzak não mais esperava receber tal notícia.
— De fato uma notícia inesperada. Mas creio que nossa raça jamais aceitaria modificar o Colosso agora, depois de tanto tempo.
— O QUÊ?? MEIA TAÇA JÁ TRANSBORDARIA? COMO ASSIM??
— Não! Eu disse que nossa raça jamais aceitaria!
— NOSSA CAÇA SE ESCONDERIA? MAS O COLOSSO NÃO ANDARÁ O TEMPO TODO. SÓ EM SITUAÇÕES DE PERIGO PARA NÓS!
Era realmente complicado falar com Talphion. O alto barulho constante de suas máquinas havia deixado o anão praticamente surdo, sendo difícil fazê-lo entender tudo que lhe era dito. Servindo-se de um bom caneco de cerveja e oferecendo outro ao cientista, o imperador suspirou, antes de repetir, dessa vez quase aos berros:
— EU DISSE QUE NOSSA RAÇA JAMAIS ACEITARIA MODIFICAR O COLOSSO AGORA!
Finalmente entendendo o que Kruzak lhe havia dito, Talphion bebeu um bom gole de sua bebida, antes de responder:
— O PROJETO ORIGINAL CONSISTIA EM SUA MOVIMENTAÇÃO. SEM ELA, O COLOSSO É SÓ UMA OBRA DE ARQUITETURA INCAPAZ DE NOS PROTEGER.
— É verdade, mas nosso império hoje em dia é forte o bastante para não precisarmos dessa proteção. Basta ver que não sofremos um ataque há décadas. Nosso poder é muito maior que o da época em que precisávamos.
— POIS ENTÃO DEIXE-ME COLOCAR O DISCO DE CONTROLE NO COLOSSO. ELE SÓ ANDARÁ SE FOR PRECISO! E PARA NOS DEFENDER! ATÉ ENTÃO, CONTINUARÁ COMO UMA MERA ESTÁTUA, CONFORME O SENHOR ACHA QUE DEVE SER! NOSSO POVO ESCOLHEU MEU PROJETO, SE BEM SE LEMBRA!
— Tem razão no que diz, Talphion. Pois bem, pode instalar o disco de controle. Use a chave que possui para adentrar a região do Colosso e faça o que tem de fazer. Mas lembre-se de que não é para a estátua andar a menos que precisemos!
— PODE DEIXAR, KRUZAK. IREI AGORA MESMO INSTALAR!
Com o fim da conversa, o cientista terminou de beber sua cerveja e soltou um forte arroto, jogando a si mesmo e à cadeira para trás, com o deslocamento de ar. O imperador balançou levemente a cabeça, em sinal de descrença. Ninguém sabia como um anão conseguia soltar tanto ar de uma única vez.
Capítulo IV - O Plano Revelado
Os soldados de Fazrim ainda terminavam de se reunir em frente ao estande de seu suserano. Todos eram ferozes combatentes, como os Esmagadores, peritos no combate corpo-a-corpo; como os Silenciadores, na arte da manipulação da morte; ou ainda como eram os Atiradores, peritos tanto no combate próximo quanto à distância. Os Exilados compunham o grupo que havia seguido o inventor quando jurou vingança, formando um clã próprio. E era esse mesmo clã, incluindo seus descendentes, que ouviam agora o discurso de seu líder.
— Meus leais súditos! Durante anos nós vivemos aqui, reclusos em meio a essa caverna, incapazes de sair à luz do Sol. Tudo graças aos malditos anões que nos renegaram, preteriram meu projeto e ignoraram a minha, a nossa dor. Mas agora ouvi de meu informante que Talphion finalmente concluiu a obra-prima dele. A nossa vingança se iniciará agora!
O antagonista não havia ficado à toa durante todos esses anos. Um orador nato, desenvolveu ainda mais essa habilidade e também pesquisou, tramou, fez planos. Sua fala, cuidadosamente ensaiada, foi capaz de exaltar os ânimos de todos presentes, que logo começaram a dar urros de prazer selvagem.
— Passamos tanto tempo aqui dentro, confinados, que nossa pele ficou ainda mais pálida. Não somos mais anões como um dia fomos. Ficamos escondidos por mais de um século, e os poucos que nos descobriram foram mortos por nossas mãos. Somos uma raça nova, que marcará seu nome na história agora! O clã dos Exilados irá tomar Kazordoon de assalto, e eu serei o novo imperador! E vocês, meus servos, serão os novos habitantes do império. Afiem suas armas e preparem-se! Partiremos em uma hora para reivindicar o meu trono! Dispensados!
Com a ordem dada, todos saíram para se arrumar. Polir suas armas e armaduras e organizar-se para o combate requeria tempo, e ninguém queria atrasar. Fazrim era conhecido por seu temperamento explosivo. Apenas um anão ficou para trás. Tenente e detentor de confiança do lorde, Kuzrik esperou até que todos saíssem para comentar com seu comandante:
— Senhor, como vamos fazer para enfrentar as tropas de Kazordoon? Eu ouvi quando nosso espião trouxe a notícia de que Talphion terminou seu Colosso. Não poderemos enfrentá-lo facilmente.
— Fique tranquilo, Kuzrik. Não posso contar-lhe tudo, mas não precisaremos temer o Colosso. Os que deverão temê-lo são os próprios habitantes de Kazordoon.
Estava claro para o tenente que seu líder não falaria mais nada e, assim, o Exilado retirou-se, preparando-se também para arrumar-se para a guerra.
Capítulo V - O Colosso de Kazordoon
Talphion mancava enquanto abria caminho em meio às pessoas, acompanhado por Orik. O depósito, como sempre, estava cheio de anões e humanos, negociando mercadorias e guardando seus bens em armazéns, ou simplesmente depositando e retirando seu dinheiro no banco da cidade-fortaleza. Desde que Kruzak assumira o trono, o império expandiu-se, aliando-se aos guerreiros de Thais e às amazonas de Carlin, o que fortaleceu a economia do reino.
— DESDE QUANDO OS ANÕES NEGOCIAM COM OUTRAS RAÇAS? NO MEU TEMPO AS COISAS ERAM BEM DIFERENTES!
— Já faz um bom tempo, senhor. Nossos povos são aliados.
— O QUÊ? NOSSOS OVOS ESTÃO MELADOS?
Todos ali ao ouvirem os gritos do velho anão caíram na gargalhada. Sem dúvidas não era a melhor fala para se dizer em meio a tantas pessoas. Embarassado, seu aprendiz teve que esforçar-se para gritar-lhe de volta:
— NÃO! EU DISSE QUE NOSSOS POVOS SÃO ALIADOS.
— SÃO? DESDE QUANDO?
— NÃO SEI DIZER A DATA CERTA, SENHOR. EU AINDA NÃO ERA NASCIDO.
Enquanto conversavam, os dois afastavam-se do depósito, deixando os que ali ficaram aos risos. A dupla caminhou até um local mais afastado, atravessando um corredor e chegando a uma porta de carvalho reforçada com aço. Uma vez lá, Talphion retirou um colar em torno de seu pescoço e abriu o pingente, revelando uma pequenina chave de cristal. Destrancando o portão, adentrou um pequeno cubículo, seguido por seu assistente e subiu as escadas, chegando ao pé do Colosso.
— Uau, mestre! É incrível!
Orik não pôde deixar de exclamar admirado. De fato, a arquitetura e a beleza da obra eram magníficas. Se, visto por fora, o Colosso era uma estátua gigante feita de rocha, por dentro seu acabamento mostrava o porquê era considerado uma obra-prima. A sala possuía diversas máquinas antigas projetadas por Talphion, cada uma conectada a tubos e conexões diversas, que subiam em direção à perna do guardião dos portões de Kazordoon. Mesmo sem ninguém entrar no local há anos, não se via nem sequer um único grão de poeira cobrindo as maquinarias.
— É MESMO UMA MARAVILHA. CADA PEÇA POSSUI UMA FINALIDADE DIFERENTE, E FUNCIONAM EXATAMENTE COMO UM CORPO VIVO. PARA QUE O COLOSSO NUNCA ENFERRUJASSE CADA ENGRENAGEM FOI PROJETADA E REFORÇADA COM O AUXÍLIO DE ENCANTAMENTOS MÁGICOS HÁ MUITO DESENVOLVIDOS. É O MESMO UTILIZADO EM NOSSAS ARMAS E ARMADURAS, O QUE AS FAZEM TÃO PROCURADAS.
Orik parecia completamente abobalhado. Olhava para cada canto por várias vezes, ria um pouco, maravilhado com o que seus olhos contemplavam. E, em seguida, fechava o semblante, exprimindo uma enorme tristeza. Talphion, entretanto, nem sequer prestava atenção em seu assistente. O inventor amarrava uma corda em torno de sua cintura e prendia bem a mochila que levava às costas, começando, em seguida, a subir as escadas que levariam à parte principal do Colosso.
— Nunca imaginei que seria tão belo…
Dizia o anão em um tom calmo, enquanto começava a subida atrás do mestre. As escadas eram muitas, com cada uma levando à um aposento diferente. Subiram por dentro da perna da estátua, passaram pelo joelho e coxa, chegando, enfim, ao quadril, onde mais uma vez a maravilha da engenharia anã era exposta ao aprendiz. Diversas máquinas, cada uma conectada a um local diferente, permaneciam paradas e perfeitamente limpas. Sem parar, continuou seguindo seu professor, subindo uma nova escada e passando pelo local onde seria a coluna vertebral do Colosso, até chegarem à cabeça da estátua-robô. Tão logo terminou de subir as escadas, deparou-se com Talphion observando a paisagem pelas órbitas de sua criação.
— PELAS BARBAS DE DURIN! FAZ TANTO TEMPO QUE NÃO VENHO AQUI! A VISTA É SIMPLESMENTE MARAVILHOSA! VENHA VER, ORIK! VEJA E ADMIRE A PAISAGEM DE NOSSAS TERRAS.
Aproximando-se dos olhos do Colosso, Orik viu o que seu mestre queria dizer e maravilhou-se com a visão. De lá podia-se ver boa parte da Grande Anciã, bem como a Ponte Anã que conectava as duas metades do continente. Com um grande aperto no peito, o aprendiz deixou lágrimas caírem em seus olhos marejados, enquanto sussurrava:
— Mestre…
Incapaz de falar mais algo, o anão voltou para o meio do salão, esperando pelas ordens de Talphion. O velho cientista demorou-se mais alguns minutos apreciando a paisagem, para somente então começar a retirar os equipamentos que trazia consigo.
— O DISCO DE CONTROLE DO PROJETO INICIAL NÃO CONSEGUIU SUPORTAR TAMANHA ENERGIA NECESSÁRIA PARA MOVER O COLOSSO, E TEVE SEU FUNCIONAMENTO INTERROMPIDO NO MESMO INSTANTE... FORAM PRECISOS MAIS DE CEM ANOS PARA DESENVOLVER A TECNOLOGIA QUE PERMITIRIA UTILIZAR TANTO PODER, MAS, ENFIM, AQUI ESTAMOS!
Era possível ver o quanto o velho cientista estava emocionado só por seu tom de voz. Trabalhando rapidamente, o inventor começava a conectar o disco com o que formaria o cérebro do Colosso, pedindo, a todo instante, para seu assistente passar-lhe as ferramentas. Enquanto trabalhava, contava ao aprendiz os momentos que passara projetando e aprimorando o empreito, bem como o período de sua construção. Sua voz, tomada por tamanha emoção, tocava o coração do jovem Orik, que chorava profusamente. Duas horas se passaram desde a conversa com o rei até o momento em que a instalação havia sido terminada.
Sorrindo satisfeito, Talphion via as máquinas ligarem-se e começarem a trabalhar, iluminando todo o aposento com os raios de eletricidade que passavam entre os filamentos e conexões. Diferentemente de suas máquinas no subterrâneo, essas eram totalmente silenciosas, e o exterior de pedra do Colosso não permitiria que a luz fosse vista de fora. Se antes a estátua estava morta, agora parecia apenas dormir, esperando a ordem de seu criador para começar a mover-se.
Pegando um segundo dispositivo de sua mochila, o cientista carregava-o em uma máquina, para, enfim, sair do Colosso.
— ESSE CONTROLE É QUEM PERMITIRÁ QUE O COLOSSO SEJA ACIONADO. BASTA ENCAIXÁ-LO NA MÁQUINA LOCALIZADA EM SEU PÉ E ELE GANHARÁ VIDA.
Terminando a descida da estátua, o inventor retornou até Kruzak, entregando-lhe o dispositivo em mãos. A obra-prima de toda uma vida estava, enfim, completa.
Capítulo VI - Ataque
O incessante bater das picaretas nas paredes da Mina do Velho Minério era um som agradável para Budrik, o comandante das escavações nessa mina. Mas, repentinamente, um novo som se sobrepôs ao já habitual. De princípio o novo som era tão baixo que o anão não percebeu, mas logo começou a crescer cada vez mais. Intrigado com o barulho, o líder ordenou aos seus subordinados:
— PAREM DE BATER E OUÇAM!
Com o berro para todos ouvirem, esperou e, rapidamente, todos pararam as escavações. O som então ficou claramente discernível. Era um tambor ritmado, seguido por um retumbar grave. E o barulho aproximava-se cada vez mais, sobressaltando os anões ali dentro.
— Alguma coisa está acontecendo aqui nessa mina. Quero que três membros fiquem aqui para observar e nos relatar o que viram, tão logo descubram o que está acontecendo. O resto, venha comigo. Vamos voltar à cidade. Não gosto nada disso.
E o anão tinha razão em estar temeroso. Poucos minutos depois que as escavações pararam, os Anões Perdidos saíram do fundo da mina, local de seu esconderijo, para avançar rumo à Kazordoon. Os três voluntários que ficaram para trás, ao vê-los, correram na direção da cidade para avisar a seu rei.
— Devemos pará-los, milorde?
— Não, Kuzrik. Deixe-os avisar. É justamente o que queremos.
O cientista sorriu com a cena que vinha em sua cabeça. A cidade totalmente devastada, e o inventor tomando a coroa do cadáver de Kruzak, nomeando a si mesmo o novo soberano de Kazordoon. Não demoraria muito para que chegassem aos portões.
Enquanto isso, Budrik esperava nesse exato local pelos informantes e, ao receber a notícia, no mesmo instante correu como o vento até o salão real, não parando nem mesmo para o protocolo de anúncio de visita. Observando seu mineiro chegar de tal modo, Kruzak saltou de seu trono, visivelmente preocupado.
— Imperador… Senhor… Estamos… sob ataque…
E, terminando de dizer o que precisava, Budrik caiu ao chão, esgotado pelo enorme esforço despendido pela corrida desenfreada até o salão.
— Um ataque logo agora? Parece que o invento de Talphion veio no momento certo. Vamos testá-lo! Guardas! Avisem aos habitantes para esconderem-se e aos soldados para armarem-se. Hoje lutaremos por Kazordoon!
Apesar de saber que o Colosso fora construído para cuidar sozinho de quaisquer invasores, o imperador era desconfiado, como todo bom anão o era. Desse modo, preferiu deixar as tropas de sobreaviso, para caso precisassem. Com seu martelo de guerra em uma mão e o artefato que acionaria a estátua na outra, o imperador saiu da sala, dirigindo-se à porta de acesso ao robô. Em poucos minutos o anão chegou lá, acionando a defesa primária da cidade, ao conectar a peça em seu devido lugar.
De uma única vez, todas as máquinas começaram a emitir ruídos diversos, indicando que começavam a funcionar. O imperador saiu do pé do Colosso e, no mesmo instante, começou a caminhada até os portões. Era hora de enfrentar os invasores.
Não muito longe dali, Talphion encontrava-se na taverna, apreciando, pela primeira vez em anos, um tempo a sós com uma boa caneca de cerveja. Seu trabalho estava completo. E foi uma sorte estar ali. Os guardas do Imperador passaram pelo local apressados, gritando coisas incompreensíveis ao surdo inventor, exceto por uma palavra: invasores. Compreendendo no mesmo instante o que se passava, o cientista deu um salto de sua cadeira, correndo imediatamente para os portões. Mesmo coxo, o anão conseguia apressar o passo quando era urgente, se bem que ao custo de sentir dores terríveis depois. Mas, como todo criador, ansiava pelo momento em que veria sua obra atingir a perfeição. E o velho sabia que estava prestes a observar a cena.
Como que por um acordo tácito feito pelo destino, as três principais figuras dessa guerra surgiram simultaneamente aos portões. Fazrim, Talphion e Kruzak fitaram um ao outro, deixando todos os anos amargurados desde a saída do Renegado criar o clima propício para o começo da batalha.
— Então você veio, Fazrim. Fiquei me perguntando quando iria executar sua vingança. Mas vejo que demorou mais do que devia. Você já está velho.
— A juventude nos permite errar muito, Kruzak. Veja você. Se fosse mais velho e sábio, talvez tivesse tido a decência de pedir desculpas pelos erros de seu pai e, quem sabe, Kazordoon não seria destruída agora.
— SENHOR, PERDÃO, MAS ESSA BRIGA É ENTRE FAZRIM E MIM. MANDE OS SOLDADOS RECUAREM. O COLOSSO CUIDARÁ DE TUDO.
O silêncio na região era perturbador. Apenas os três falavam, enquanto os soldados de ambos os lados ficavam à espera de suas ordens. O único som ao fundo era um zumbido semelhante ao que se ouve antes de um raio cair próximo aos ouvintes. Mas não havia nuvens no céu para causá-lo.
— Desculpe, Talphion, mas quem ameaça Kazordoon deve pagar com sangue por seus erros. Essa briga já não é mais apenas sua.
— Belas palavras, Kruzak. Pena que não servirão quando seu exército estiver agonizando. TROPAS, AO ATAQUE!!
— SOLDADOS, DEFENDAM KAZORDOON!
Ao ouvir as palavras de Fazrim, o Imperador respondeu ao mesmo instante. No momento seguinte, ambos os exércitos soltaram seus berros, causando um imenso barulho. Mas nada comparado ao instante seguinte. Com as máquinas finalmente em potência total, o Colosso levantou sua perna esquerda, causando um terrível estrondo ao bater seu primeiro pé no chão.
Capítulo VII - O plano sob o plano
De início, ambos os lados ficaram em choque ao ver a estátua mover-se. Afinal, apenas quatro anões ali presentes sabiam o que ocorreria. Mas, assim que as tropas de Kazordoon perceberam a tranquilidade de seus líderes e a expressão de pavor nos rostos de Fazrim e seu tenente, Kuzrik, soltaram gritos de louvor e partiram para o ataque. Mas a alegria durou pouco pois, no instante seguinte, a estátua virou-se e socou o chão onde a tropa real encontrava-se, matando alguns guardas e ferindo tantos outros.
— E ENTÃO, KRUZAK? COMO É TER CONFIADO EM UM FRACASSADO QUE ESTÁ PONDO SEU PRÓPRIO EXÉRCITO EM PERIGO?
Talphion, totalmente chocado com a atitude de sua invenção, percebeu a tragédia que viria a seguir se o Colosso não fosse desligado. E, ignorando seus problemas físicos, lançou-se em meio ao caos, indo na direção da estátua que, no momento, tentava pisar na tropa do imperador.
Calculando o momento correto como somente um brilhante engenheiro poderia fazer, o cientista saltou para debaixo do pé do Colosso no instante em que esse pisava, caindo no exato buraco que nele havia, entrando, assim, na sala de controle. Com um gesto de triunfo, arrancou a peça que fazia a estátua funcionar.
Mas, para sua surpresa, o robô continuou ativo e, no instante seguinte, o movimento de sua perna fez com que o inventor fosse jogado para fora, caindo de frente para Fazrim.
— SURPRESO, VELHO ESTÚPIDO? EU NÃO INVADIRIA AQUI SE NÃO SOUBESSE COMO MODIFICAR SUA MÁQUINA. MEU ESPIÃO CUIDOU DE ME INFORMAR O TEMPO TODO. CONHECE ORIK, SEU TOLO?
E, com um choque, finalmente Talphion entendeu tudo. O modo como seu assistente sempre se mantivera meio distante, a sensação de culpa e o choro ainda mais cedo e, principalmente, a semelhança física com os Exilados, que agora ameaçavam Kazordoon.
Capítulo VIII - O fim
Com o ódio daqueles que tem aquilo que é mais sagrado profanado, Talphion ergueu-se, ignorando sua idade e dores. Somente uma dor importava agora.
— ESSA PEÇA AGORA FUNCIONA COMO CONTROLE MESMO À DIST NCIA. O COLOSSO JAMAIS SE DESATIVARÁ.
Vangloriou-se Fazrim. Mas o que o antagonista não esperava era ver um sorriso frio, cruel e louco no rosto de seu rival.
— SE ELA É A CHAVE, BASTA DESTRUÍ-LA. E A LAVA CUIDARÁ BEM DISSO!
E, dizendo isso, o velho anão correu. Correu como nunca correra antes. Não havia mais espaço para a dor nem para o cansaço. Descendo pelas escadas, o anão aproximava-se cada vez mais de seu destino, mas Fazrim seguia-o em seu encalço.
— ACHA QUE VOU DEIXAR QUE FAÇA ISSO?
Mas já parecia tarde demais. Talphion havia chegado no corredor de acesso à cidade, rodeado por lava e já se preparava para arremessar o objeto. Naquele instante um enorme estrondo sacudiu os pilares daquele local, graças a outro potente soco do Colosso na superfície. E, para o azar do inventor, uma das pilastras arrebentou-se, caindo em cima de suas pernas e prendendo-o ao chão. Com a queda, a peça escapou de sua mão, rolou e ficou na beirada do hall, sem, contudo, cair na lava.
— MAIS SORTE NA PRÓXIMA, TALPHION. A VITÓRIA É MINHA.
Quando tudo parecia perdido, eis que o inventor mostra o porquê de sua genialidade. Respirou fundo uma única vez e, então, abriu a boca, soltando um grande arroto, que deveria ter saído quando estava no bar bebendo. A quantidade de ar deslocada passou rapidamente na direção do artefato, empurrando-o com velocidade para o meio do poço de lava.
— NÃO!!!!
Realmente ninguém sabia como podia caber tanto ar dentro de um corpo tão pequeno.
Capítulo IX - A Redenção
— VOCÊ PAGARÁ POR ISSO COM A VIDA!!
Fazrim estava furioso, e, no mesmo instante, avançou na direção de Talphion que, com as pernas esmagadas pela pilastra, não via solução e já esperava sua morte. No fim, acreditava que havia feito o que era preciso. Mas, alguns segundos antes do golpe derradeiro, um corpo entrava na sua frente, recebendo o impacto do martelo do Renegado.
— ORIK? O QUE FAZ AQUI?
A voz do criador do Colosso revelava surpresa e angústia ao mesmo tempo. A mente do velho criara Orik como um filho e ainda não havia assimilado o fato dele ser um espião.
— DESCULPE, PAI. EU ERREI. E AGORA SEI QUE JAMAIS DEVIA TER COLABORADO COM FAZRIM. PERDÃO.
Era a confissão de alguém que passara a vida vivendo uma dupla identidade e, somente agora, próximo à morte, reconhecia seus erros e escolhia um lado. O lado do bem. Sacando uma adaga escondida, o jovem anão fincava-a no coração de Fazrim que, ainda surpreso com a aparição de seu espião, mantivera-se completamente estático.
Poderia ser um final feliz para “pai” e “filho”, mas a pancada recebida pelo garoto no tórax havia sido fatal. Uma costela havia sido quebrada e sua ponta perfurara o coração de Orik, que caía ao lado de seu pai.
— Pai… Me… Perdoa…?
Mesmo praticamente surdo, Talphion havia conseguido entender o pedido. Incapaz de dizer algo, sentindo sua voz entalada na garganta, o velho inventor apenas assentia, vendo seu assistente morrer à sua frente.
Epílogo
Com a morte de Fazrim e a súbita parada do Colosso, as tropas de Kruzak se reorganizaram e conseguiram, ao custo de muitas vidas, eliminar os invasores. A entrada da cidade-fortaleza ficou completamente destruída, e foram necessários quase dois anos para conseguir recuperá-la. Desse tempo, praticamente um mês foi gasto apenas para mover a estátua de volta para sua posição inicial, onde voltaria a ser apenas isso: uma estátua.
Já Talphion precisou amputar as duas pernas, completamente inúteis, e passou esse tempo criando pernas mecânicas para substituir as que perdeu. Agora, recuperado, pretende dar continuidade à outras invenções, enquanto ainda for vivo.
Kruzak ordenou um enterro com todas as honras para os que foram mortos durante a invasão, incluindo Orik, a pedido de seu pai. Hoje o monarca governa mais atento a possíveis inimigos, sem nunca esquecer os erros do passado.
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